sábado, 4 de dezembro de 2021

A questão central do teatro popular de bonecos

 


Para a elaboração do texto teatral há que se debruçar sobre uma questão primeira: qual será nossa idéia central, o temário que impulsionará nossa narrativa dramática?
“questão central” será nosso objeto de estudo, o assunto que será eixo, estrutura, o tema central de nossa peça teatral. Como a proposta do teatro popular de bonecos Mané Beiçudo busca a interação entre o universo artístico e o que encerra as demandas da comunidade, a questão central será também o mote de nossa intervenção cidadã.

Por isto, devemos compatibilizar a questão central com as efetivas demandas da comunidade.

Discutir o sexo dos anjos cabe muito bem no teatro convencional. Diverte, entretém e isto é muito salutar para o espírito. Mas o teatro popular de bonecos Mané Beiçudo vai além. Está umbilicalmente vinculado à diversão e ao entretenimento, mas dá um passo à frente na medida em que busca estabelecer uma sinergia com a comunidade. Está na essência da tecnologia buscar algum tipo de transformação, alguma intervenção no tecido social que leve à participação cidadã, aquela que consegue identificar os problemas, hierarquizá-los, estabelecer relações de causa e efeito e promover mobilizações para superá-los.


Não é objetivo da educação fazer com que as pessoas, de posse do conhecimento, o processem para promover alterações que elevem a qualidade de vida? O teatro Mané Beiçudo atua exatamente neste contexto, criando um caldo cultural onde se sobressaem a arte popular, a educação e o planejamento.

Para a elaboração do texto teatral dentro desta dinâmica, deveremos primeiramente definir nosso foco. A estratégia inicial é selecionar cerca de dez lideranças locais, as mais expressivas e atuantes, abrindo o leque de modo que representem o maior universo possível: uma para representar os comerciantes, uma para os professores, uma para as mulheres, uma para os trabalhadores, uma para a juventude, outra para a terceira idade, e assim por diante.

O os artistas, estudantes, professores, cada integrante do grupo receberá a incumbência de entrevistar uma liderança comunitária. E nada de complicações, será mais uma enquete, tudo bem simples:

1. Cite os cinco principais problemas de nossa comunidade.
2. Dentre eles, qual é o mais grave?
3. Em sua opinião, qual o principal responsável pela existência deste problema?
4. Qual a pessoa, autoridade ou instituição que você considera o principal responsável pela solução do problema?
5. Como resolvê-lo?
De posse das respostas – e conduzida por elas – serão promovidas discussões internas quando então é dada a formatação final ao questionário que será submetido à comunidade.

Vejamos o exemplo aplicado na periferia da cidade de Marília, em São Paulo:
Dentre os problemas apresentados abaixo, assinale cinco que, em sua opinião, seriam os mais graves:

1. ( ) Transporte coletivo inoperante
2. ( ) Posto de saúde inexistente
3. ( ) Ruas sem asfalto
4. ( ) Bairro sem arborização
5. ( ) Inexistência de iluminação pública
6. ( ) Falta de empregos
7. ( ) Bairro inseguro
8. ( ) Escola necessitando de reforma
9. ( ) Ensino sem qualidade
10. ( ) inexistência de equipamentos comunitários de lazer e cultura.

Quando tabulamos os dados chegamos ao verdadeiro sentimento da comunidade, aos verdadeiros problemas que – na visão dela – interferem negativamente na qualidade de vida das pessoas que habitam no bairro, na região e na cidade.
Via de regra, trabalharemos com uma mostra de 10% da população total de nosso espaço-objeto. Definido o estrato, o questionário é reproduzido na quantidade necessária e aplicado.

Naturalmente, a questão central a ser trabalhada será a que receber a maioria simples dos votos da comunidade.

Definido foco, a questão central, o Grupo parte para a coleta de dados e informações complementares, objetivando enriquecer e alargar a visão sobre o assunto, procurando entender todas as suas nuances e facetas.

Nesta etapa do processo identificamos, no plano da realidade:

• o conflito principal e os secundários
• o personagem principal e os secundários
• a trama principal e as tramas secundárias
• as relações de causa e efeito
• as responsabilidades
• as possíveis soluções
• a estratégia da mobilização comunitária.
Neste ponto já estaremos habilitados para estruturar a coluna vertebral do espetáculo. É aqui que rebatemos o plano real no plano da ficção, utilizando do imaginário popular para reforçar a compreensão coletiva sobre a realidade que nos cerca.

Da realidade objetiva criamos então a ficção teatral que nada mais é que a realidade problematizada; que a realidade desvelada; que a discussão estratégica sobre como intervir e modificar a realidade objetiva; tudo isso sem perder de vista o onírico, o lúdico, o substrato do entretenimento, da diversão e do lazer.

Devemos manter longa distância da linguagem e abordagem fácil, simplista e efêmera do panfletário. O teatro popular de bonecos Mané Beiçudo é um teatro pujante, vigoroso, plástico, lúdico, vinculado às raízes culturais da comunidade, que adentra profundo no imaginário comunitário para dele extrair seus principais problemas, expectativas e ansiedades. É um teatro renovador, transformador, mas jamais panfletário porque quando enfoca determinada questão:

• o faz à luz da reflexão crítica;
• não impõe problemas (de forma autoritária) e sim os extrai da comunidade;
• trata o processo de forma aberta;
• não impõe caminhos e soluções e sim trata de radicalizar as discussões e a participação cidadã para que a própria comunidade defina seus caminhos e escolha suas soluções.

Desta interação dos planos Concreto X Imaginário, da Realidade X Ficção emerge a coluna central de nossa peça de teatro:

• Tramas definidos
• Conflito central consolidado
• Perfis psicológicos das personagens central e secundárias traçados
• Cenários desenhados
• Cenas e passagens alinhavadas
• Adereços definidos

Agora, basta dar a versão escrita ao enredo criando o texto dramático – sua coluna central. Na seqüência, cuidar da reprodução e providenciar a distribuição para que os atores.

Nesta etapa nosso processo deverá assumir duas vertentes. Na primeira é estruturado o Espetáculo-mestre, uma grande marcha carnavalesca, uma grande passeata épica, com a presença de bonecos gigantes, de enormes adereços – o teatro de rua. Na segunda vertente, ocorrem as apresentações de inúmeros espetáculos de bonecos de luva, os Espetáculos-satélites. No decorrer da marcha épico-carnavalesca do teatro de rua, alguns momentos e locais chaves são pré-definidos, quando então se desenvolvem os espetáculos pontuais, os Espetáculos-satélites.

Um movimento cultural resultante da intensa participação da comunidade, em todos os momentos do processo.

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo



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Livro 11 - Panda Zen e as paixões enganosas

Livro 12 - Panda Zen entre a reflexão e a ação 

Livro 13 - Panda Zen e o mais importante

Livro 14 - Panda Zen, a gota e o oceano

Livro 15 - Panda Zen e a indecisão

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Livro 17 - Panda Zen e a busca da identidade

Livro 18 - Panda Zen entre o arbítrio e a omissão

Livro 19 - Panda Zen e o trabalho

Livro 20 - Panda Zen e a falsa realidade