Sua vez se aproximava e, à medida que os minutos corriam, a tensão
aviltava. A fila curta, com poucas pessoas, inexplicavelmente parecia
gigantesca porque em seus pensamentos a queria longa, distante, infindável. Os
pés formigavam, as pernas ardiam, o rosto explodia em tiques nervosos que
rompiam por toda a face. O suor escorria pelas costas; derretia a pasta de
desodorante sob as axilas; tornava a parte mais íntima das roupas, úmidas;
outras, era a impressão, já estavam literalmente encharcadas. Do estômago vinha
até a boca uma massa quente de ar que depois retornava à barriga, e à boca, e
de novo à barriga, e mais uma vez à boca, qual uma bola fazendo do interior do
corpo uma quadra do esporte indesejado.
Concentrava-se tentando manter a calma e a tranquilidade. Rememorava os
exercícios de ioga que praticara quando adolescente. “São excelentes para o
domínio do período pré-menstrual”, dizia a mãe. Recordava da sequência de
laboratórios de teatro que procurava conformar no ator o absoluto controle
sobre o corpo e as emoções. Mas o tempo voava como bólido, absoluto e
intangível, dificultando qualquer medida de proteção, retirando as parcas
possibilidades de controle, deixando um rastro de insegurança, aflição e medo.
Quanto mais se percebia vulnerável mais se atracava à mala de fundo
falso onde escondera o proibido, a mercadoria que a redimiria da vida erma e
sem sentido que levava. Seria flagrada, descoberta, pega com a boca na botija?
Seriam seus segredos violados, revirados, expostos no gancho, à vista de todos,
como carne uivando no açougue? Sua máscara exalaria como fumaça escassa, fogo
pequeno?
Por instantes tentou pensar em outras coisas, navegar pelo passado
distante, impor à imaginação novos assuntos. Mas a toada da fila, a proximidade
cada vez maior dos agentes de segurança... A realidade esbofeteava seu rosto
delicado com a virulência do azorrague. Mais alguns minutos e estaria, frente a
frente, com seu destino. Luz verde ou vermelha? Prisão ou liberdade? Brisa
amena das manhãs de praia ou o ar viciado e intragável do cárcere anunciado?
Que tipo de futuro a espreitava ao final do corredor? Seria guinchada, parada
para a revista? Ou consentiriam que flutuasse ilesa sobre aquele muro invisível
e intransponível?
A barriga deu de
roncar. Primeiramente ensaiou a toada de um instrumento solo, mas logo entoou
no compasso de um samba de breque. A cabeça tinia como um cone invertido sendo
ferroado pelo badalo. Pensou que talvez fosse melhor sair correndo, fugir para
lugar distante, abandonar o plano tão arriscado e radical. Com certeza haveria
formas mais simples e menos perigosas de mudar a vida. Talvez fosse melhor
voltar para o inferno de sua casa, de seu lar.
Não, não. Não daria tempo. Agora era tarde demais. Ocupava já a terceira
posição na fila da revista e todos perceberiam caso rompesse em disparada,
aeroporto afora. Agora já não havia escolha. Impossível dar o passo atrás.
Seria tudo ou nada. O sucesso e o fracasso desenhavam os passos cavalgando, de
mãos entrelaçadas, o mesmo segundo. Quem venceria a corrida? A vitória? A
derrota? (Para continuar lendo, clique aqui.)
Para saber mais, clique na figura |