“O dever do artista não é o de mostrar como
são as coisas verdadeiras, mas sim como
verdadeiramente são as coisas“. B.Brecht
verdadeiramente são as coisas“. B.Brecht
Como o simples conversar é um ato político, categoricamente todo teatro é político.
O que se poderia argumentar é que nem sempre os que lidam com o teatro assumem uma postura de afinidade e interação para com os interesses populares.
A bem da verdade, há os que se apoderam desta milenar e contundente manifestação artística, tornando-a hermética, passiva, expontaneista e inorgânica.
A concepção do teatro de envergadura, comprometido e sustentável, deve muito a Erwin Piscator. Desde 1919, Piscator já desenvolvia inovadoras experiências, interagindo o teatro ao seu contexto histórico. O eixo de sustentação de seus trabalhos se estendeu à busca de uma estruturação cênica que expressasse “não as relações do homem consigo mesmo, nem tão pouco com Deus, mas sim as suas relações com a sociedade”.
Procurando situar as personagens no quadro social e político que as envolviam, Piscator utilizou-se de gráficos, dados estatísticos, legendas e documentários como elementos estruturais da arquitetura cênica, e não como acessórios ou adereços.
Posteriormente, seu mais próximo colaborador, Bertolt Brecht, prosseguiria seus experimentos, até chegar à formatação do Teatro Épico. Brecht adotou esta denominação para estabelecer uma clara diferenciação com o teatro dramático tradicional, cuja concepção coube a Aristóteles.
Anti-metafísico, materialista e não aristotélico, Bert deu ao seu teatro um caráter didático de cunho narrativo e descritivo. Todavia respondia com energia e prontidão aos que pretendiam ver nele um teatro bisonho, enfadonho e fatigante.
Para responder à catarse e empatia aristotélica, o dramaturgo alemão delineou o “efeito de distanciamento ”. Na realidade, este artifício já havia sido utilizado no teatro antigo e medieval - quase sempre por meio de máscaras; mas não com os objetivos agora preconizados.
A razão dos efeitos é forçar tanto um distanciamento do espectador em relação à personagem, quanto do ator em relação ao papel que interpreta; de modo a possibilitar a análise crítica e questionadora da realidade imersa num contexto teatral.
Também o Living Newspaper - grupo teatral norte americano fundado em 36, se utilizou destes experimentos: fatos registrados nos jornais serviam de subsídio à representação de sketches.
Na década de 60, o Teatro Pobre de Jerzy Grotoviski ficou muito conhecido. Por aqui foi mal compreendido e reconcebido de forma distorcida. Diretor do Teatro Laboratório de Wroclau, Polônia, Grotoviski eliminando o “supérfluo”, percebeu que o teatro poderia existir independentemente de alguns de seus elementos, tais como a iluminação, indumentária, maquilagem, etc.
Grotoviski perseguia o aperfeiçoamento da relação ator-espectador. Os atores com amplas liberdades atuavam entre os espectadores, construindo estruturas cênicas e incluindo a platéia na arquitetura e no jogo dramático.
Os constantes sinais de alerta do diretor polonês no sentido de caracterizar o Teatro Pobre como uma experiência particular, bem situada no tempo e no espaço, em constante mutação, não foram suficientes para impedir que – por aqui, se transformasse em modismo fugaz e onda passageira, dessas que vez pôr outra, avassalam o cenário nacional.
Neste experimento, texto nos moldes convencionais é dispensado, e a criação passa a ser compartilhada por todos, assumindo uma caracterização coletiva. A estrutura cenográfica tende também a desaparecer, visto que o espetáculo se adequa a qualquer que seja o espaço físico: do ar livre ao ambiente fechado, exista ou não o tablado.
O happening do Living Theater de Julian Beck e J. Molina, bem como algumas experiências do Oficina de São Paulo, tiveram como origem esta concepção de teatro. Beck e Molina estiveram no Brasil na década de 70.
Contudo a modelagem de um teatro transformador surgiu no Brasil da necessidade de contrapor à visão formalista disseminada pelo Teatro Brasileiro de Comédia - fundado em 1948 - uma visão de conteúdo social.
Mero repassador dos sucessos europeu e norte americano, o TBC situava a pequena burguesia no contexto das últimas novidades do teatro das metrópoles.
Surge então o Arena, com uma proposta ousada, inovadora, consubstanciada na necessidade de delinear um teatro de conteúdo, inserido na perspectiva de valorização da produção artística nacional e de interação com a realidade brasileira.
Na década de 60 emerge um movimento resultante deste contexto histórico que pretendia conduzir a uma pretensa arte libertadora. No seio da União Nacional dos Estudantes é criado o Centro Popular de Cultura - CPC.
O CPC desenvolvia uma série de atividades que iam de cursos e seminários culturais à promoção de arte culinária e medicina caseira.
O Centro surge num momento singular da realidade nacional: reformas de base, organizações populares mais amplas e mobilizadas; políticas e políticos em xeque.
É neste cenário que jovens estudantes e intelectuais se mobilizam para participar do processo. Naquele instante, para os fins que se propunham, era preciso buscar outras variáveis que não passassem pelo teatro convencional. Neste, a estruturação gira em torno da manutenção e consolidação do estabelecido e não de sua transformação. Era preciso então pesquisar e adotar novas bases e parâmetros, novos referenciais.
As rápidas transformações que se operavam no seio da sociedade conformaram, no interior da UNE, um teatro compatível com a ideologia libertária de então. Daí seu caráter contundente, panfletário e transitório.
Portanto, as análises que se fazem do teatro cepecista, não podem perder de vista a realidade e o contexto político de então.
O golpe militar de 1964 impôs também no campo das artes rigorosa restrição e violenta censura. Artistas foram encarcerados, Cias. teatrais extintas, experiências de vanguarda proibidas.
Para se apresentarem, os grupos teatrais tinham de se sujeitar a um ritual imposto pelo Departamento de Polícia Federal. À instituição governamental responsável por combater o contrabando e o tráfico de entorpecentes, cabia também “administrar” a produção teatral.
Em que pese esta inaceitável limitação, o interior do Brasil pulsava, resistia nas entrelinhas das palavras, no jogo de cena, na sutileza dos espetáculos, no mistério da produção teatral, na engenhosidade e na magia dos artistas.
Ao mesmo tempo, presente nas instituições juvenis e de idosos, nos círculos de operários e de intelectuais, nos núcleos urbanos e rurais, onde enfim a comunidade se manifestasse, o teatro sobreviveu.
A dificuldade de acesso às tecnologias de produção teatral determinou aos grupos limitações de toda ordem. Mas as limitações era enfrentadas com elevada carga de ousadia e criatividade.
Se para os grupos teatrais urbanos as dificuldades já eram enormes, o que dizer das produções oriundas das comunidades rurais, historicamente marginalizadas, sempre as últimas a acessar - quando o conseguem, os benefícios do progresso tecnológico.
O fato é que – devido às especificidades de suas características - o teatro é a única atividade cultural capaz de estar presente em todos os setores sociais.
A meu ver existem três pilares que corroboram essa assertiva.
O primeiro é a ACESSIBILIDADE.
Quase todos, desde crianças, temos tido contato com o teatro. Ainda que superficialmente.
Nascemos espontâneos, aptos para brilhar nos palcos, desinibidos, cantando e dançando, aprontando “arte”, imitando e reproduzindo nossos ídolos e heróis.
Com o tempo, a sociedade vai emoldurando o perfil que quer ver nos seus cidadãos: vai nos confinando, impondo uma armadura de ferro, rija, pesada, invulnerável, indevassável ... e resultamos em meros cordeirinhos, tímidos e desprovidos de identidade individual.
Os que conseguem romper esta trágica barreira, emergem do casulo, da casamata, alargam os horizontes e se vêem aptos a produzir arte.
Nas escolas, o teatro sempre foi uma das atividades culturais preferidas. Tal fato reside na insubstituível facilidade de comunicar, interagir, e sobretudo de fortalecer a convivência social.
Estes quesitos foram determinantes para levar o teatro às industrias, aos condomínios, às associações e sindicatos de trabalhadores rurais ...
Dos pequenos povoados e núcleos rurais, passando pelos distritos e pequenas cidades, até chegar à maior das metrópoles, o teatro soube se fazer presente.
É deveras interessante o teatro popular de bonecos que se faz - principalmente, na região nordeste do Brasil.
Recebendo uma variedade de denominações, como Mamulengo, João Redondo e Babau, este teatro, com mais de um século de existência, conseguiu atravessar todas as crises políticas e sociais nacionais, e está mais presente que nunca no imaginário popular.
O segundo tripé definiria como TECNOLÓGICO.
Apesar do teatro estar presente em quase todos os rincões, o acesso à tecnologia da produção não tem sido tão fácil. Diria mais apropriadamente, tem sido quase impossível.
E este é um dos nossos grandes desafios.
Logo, promover um amplo e consistente trabalho de difusão das técnicas e metodologias da produção teatral é tarefa das mais importantes, em plena ordem do dia.
Daí a importância de mais publicações, da promoção de um sistema de intercâmbio para troca de experiências, da realização de oficinas, de Mostras teatrais, enfim de atividades que permitam a interação entre as pessoas e os grupos que exercitam, estudam e investigam teatro.
O último tripé sustentador de nossa proposta é o que classificaria como INSERÇÃO SOCIAL.
As elites já sorveram suficientemente desta nobre manifestação humana. Ainda hoje se deleitam com esta magia que conforta o consciente e o inconsciente coletivo.
Já as parcelas marginalizadas da população, na maioria das vezes, quando acessam esta arte, é simplesmente reproduzindo valores que rigorosamente não lhe pertencem; pior, na maioria das vezes, são antagônicos e inconciliáveis aos seus.
Portanto, urge dar curso ao teatro que converse com as comunidades, mas que converse na sua língua, sobre seus problemas, imerso em suas ansiedades e perspectivas. Não um teatro sobre a comunidade, mas um teatro da, para, e com a comunidade.
Daí a necessidade de um teatro para todos.
Para servidores públicos, para estudantes, para operários, para estivadores, para a comunidade ..., e quem mais queira.
As secretarias estadual e municipais de educação tem um papel fundamental: garantir o acesso da comunidade escolar a esta ferramenta que instrui e liberta.
As instituições de representação estudantil, associações e sindicatos de servidores da educação e professores, neste contexto, também tem grande responsabilidade.
A educação é caminho para o desenvolvimento econômico e social. O teatro é caminho para uma educação renovada, eficaz, encantadora e libertária. E uma ferramenta focada nestes princípios é a metodologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.
Artigo de Antônio Carlos dos Santos publicado na Revista Bula e no Portal da Associação dos Professores de São Paulo
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Coleção Educação, Teatro & Democracia
Teatro e democracia são dois valores cultuados pelas civilizações modernas e desenvolvidas.
Não por acaso, ambos se originaram na região geográfica tida como o berço da civilização ocidental: a Grécia antiga; a Grécia de Sófocles, Ésquilo, Aristóteles, Platão...
É bem verdade que a história registra a existência, tanto de um como de outro, permeando outras civilizações da antiguidade como a Índia, Egito e povos do continente asiático.
Mas no formato como teatro e democracia se apresentam hoje, dentre nós, esta herança - sem dúvidas - devemos aos helenos.
Portanto, ambos nasceram na Grécia antiga, oriundos de movimentos genuinamente populares, sorvendo das praças e logradouros públicos, colocando a grande arte e a grande política num patamar substancialmente superior.
Nesta Coleção, se reverencia o teatro e a democracia com quatro peças teatrais completas. Todas elas conduzem o leitor a este universo político em que latejam nossos direitos e nossos deveres.
Os conteúdos apropriados no formato de peças teatrais possibilitam, também, que pais & filhos, alunos & professores, a comunidade de forma geral, incorpore os fundamentais conceitos e assuntos aqui enfocados.
Livro 1 – A bruxa chegou... peguem a bruxa
Livro 2 – Carrossel azul
Livro 3 – Quem tenta agradar todo mundo, não agrada ninguém
Livro 4 – O dia em que o mundo apagou
O autor
Antônio Carlos dos Santos atua no teatro desde 1970.
Escreveu e dirigiu centenas de espetáculos, tendo ministrado cursos e oficinas de teatro em diversas unidades da federação.
Criador da metodologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo e da tecnologia de planejamento estratégico Quasar K+.
Mantém três blogs atualizados semanalmente. Clique para acessar: