Refugiados judeus em um campo britânico no Chipre, em 9 fev. 1949
Depois de sobreviver ao Holocausto, atravessar
os Alpes no inverno e cruzar o Mediterrâneo em um barco lotado, Rose Lipszyc
ainda se lembra perfeitamente dos meses que passou como prisioneira em um campo
britânico em Chipre.
"Depois de tudo isso, estávamos atrás do arame farpado de
novo", conta esta nonagenária.
De agosto de 1946 a fevereiro de 1949, o Reino Unido, então potência
colonial em Chipre, confiscou 39 navios que transportavam mais de 52.000 judeus
que fugiam da Europa para a Palestina no Pós-guerra, de acordo com Yad Vashem,
o Memorial do Holocausto em Israel.
Os passageiros, a maioria sobrevivente dos campos de extermínio e de
concentração nazistas, foram detidos em campos espalhados pela ilha
mediterrânea.
"Os ingleses não fizeram passar fome, nem nos mataram, como os
alemães", afirmou Lipszyc. "Mas foi realmente muito traumático: os
mesmos que tinham vindo para nos libertar há tão pouco tempo, nos prenderam
novamente", completou.
Originária da cidade de Lublin, na Polônia, a família de Rose Lipszyc,
faz parte dos seis milhões de judeus exterminados pelos nazistas durante a
Segunda Guerra Mundial.
A então adolescente conseguiu escapar, graças a documentos falsos que
lhe permitiram passar despercebida em meio à massa de trabalhadores forçados na
Alemanha.
No final da guerra, ela andou até Veneza, na Itália, onde embarcou rumou
à Palestina, então sob mandato britânico.
"Éramos mais de 300 naquele barco", recorda-se ela. "Como
sardinhas".
À medida que se aproximavam da costa da Palestina - a "Terra
Prometida", segundo a tradição judaica -, navios de guerra britânicos
apareceram.
"Os soldados ingleses, cujos pés eu teria beijado porque me
libertaram da Alemanha, entraram no nosso barco com matracas", acrescenta,
com a voz embargada, 75 anos depois.
Perpetuar a memória
Os britânicos esperavam que os campos superlotados, assolados pelo calor
dos verões cipriotas, desencorajassem os candidatos ao exílio e
"quebrassem a força do 'movimento hebreu de resistência' na
Palestina", lê-se no Yad Vashem.
Para Arie Zeev Raskin, rabino-chefe da comunidade judaica em Chipre -
composta de cerca de 5.000 pessoas -, esse período histórico deve ser
"transmitido para a próxima geração", pois permite uma melhor
compreensão do "quebra-cabeça" entre o Holocausto e a fundação de
Israel, em 1948.
Com esse objetivo, um museu fundado pelo rabino será inaugurado em
Larnaca, no sul da ilha.
Cerca de 80% dos presos tinham entre 13 e 35 anos, segundo o Yad Vashem.
Pelo menos 2.200 bebês nasceram nesses campos. Entre eles, Tally Barash, hoje
com 73 anos.
"Era uma época muito difícil", desabafa esta mulher que vive
em Londres. Para ela, "o museu vai ajudar a perpetuar a memória" dos
campos.
Entre os cipriotas, alguns, opostos à potência colonial britânica,
fizeram uma aliança com as milícias clandestinas judaicas.
Prodromos Papavassiliou ficou horrorizado com os campos, depois de ter
combatido as forças fascistas no Norte da África, com o regime cipriota do
Reino Unido, relata seu filho Christakis.
Durante anos, ele ajudou centenas de judeus a fugirem destes campos,
chegando a escondê-los nas cavernas de Ayia Napa, um balneário que atrai centenas
de milhares de turistas todos os anos.
A coragem de Papavassiliou foi imortalizada no filme "Exodus"
- nome do navio mais famoso que transportou migrantes judeus da França para a
Palestina em 1947 -, protagonizado pelas estrelas americanas Paul Newman e Eva
Marie Saint. Em Haifa, Israel, há uma praça com o nome do cipriota.
Paralelismo
Para Eliana Hadjisavvas, historiadora do Instituto de Pesquisas
Históricas, com sede no Reino Unido, os campos britânicos em Chipre formam um
"paralelo surpreendente" com a crise migratória atual.
"A história (...) nos lembra que, diante da perseguição e do
sofrimento, as pessoas devem sofrer grandes sacrifícios para encontrar um pouco
de segurança", afirma.
"Enquanto os Estados continuam se debatendo sobre a gestão política
da migração, medidas draconianas e centros de detenção se tornam cada vez mais,
com frequência, um traço característico das respostas atuais", analisa.
O Chipre do presente se declarou em "estado de emergência",
devido ao fluxo de migrantes, em sua maioria sírios. O número de demandantes de
asilo representa 4% da população, em comparação com 1% nos demais Estados
europeus, de acordo com o governo.
A maioria vive em acampamentos feitos de precárias barracas.
"Sufocantes no verão e congelantes no inverno", resume Raskin,
falando de outras barracas e campos desmantelados há 75 anos.
Peter Martell, AFP
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