sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Campos britânicos de Chipre, uma etapa para judeus entre o Holocausto e Israel


Refugiados judeus em um campo britânico no Chipre, em 9 fev. 1949

 

Depois de sobreviver ao Holocausto, atravessar os Alpes no inverno e cruzar o Mediterrâneo em um barco lotado, Rose Lipszyc ainda se lembra perfeitamente dos meses que passou como prisioneira em um campo britânico em Chipre.

"Depois de tudo isso, estávamos atrás do arame farpado de novo", conta esta nonagenária.

De agosto de 1946 a fevereiro de 1949, o Reino Unido, então potência colonial em Chipre, confiscou 39 navios que transportavam mais de 52.000 judeus que fugiam da Europa para a Palestina no Pós-guerra, de acordo com Yad Vashem, o Memorial do Holocausto em Israel.

Os passageiros, a maioria sobrevivente dos campos de extermínio e de concentração nazistas, foram detidos em campos espalhados pela ilha mediterrânea.

"Os ingleses não fizeram passar fome, nem nos mataram, como os alemães", afirmou Lipszyc. "Mas foi realmente muito traumático: os mesmos que tinham vindo para nos libertar há tão pouco tempo, nos prenderam novamente", completou.

Originária da cidade de Lublin, na Polônia, a família de Rose Lipszyc, faz parte dos seis milhões de judeus exterminados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

A então adolescente conseguiu escapar, graças a documentos falsos que lhe permitiram passar despercebida em meio à massa de trabalhadores forçados na Alemanha.

No final da guerra, ela andou até Veneza, na Itália, onde embarcou rumou à Palestina, então sob mandato britânico.

"Éramos mais de 300 naquele barco", recorda-se ela. "Como sardinhas".

À medida que se aproximavam da costa da Palestina - a "Terra Prometida", segundo a tradição judaica -, navios de guerra britânicos apareceram.

"Os soldados ingleses, cujos pés eu teria beijado porque me libertaram da Alemanha, entraram no nosso barco com matracas", acrescenta, com a voz embargada, 75 anos depois.

Perpetuar a memória

Os britânicos esperavam que os campos superlotados, assolados pelo calor dos verões cipriotas, desencorajassem os candidatos ao exílio e "quebrassem a força do 'movimento hebreu de resistência' na Palestina", lê-se no Yad Vashem.

Para Arie Zeev Raskin, rabino-chefe da comunidade judaica em Chipre - composta de cerca de 5.000 pessoas -, esse período histórico deve ser "transmitido para a próxima geração", pois permite uma melhor compreensão do "quebra-cabeça" entre o Holocausto e a fundação de Israel, em 1948.

Com esse objetivo, um museu fundado pelo rabino será inaugurado em Larnaca, no sul da ilha.

Cerca de 80% dos presos tinham entre 13 e 35 anos, segundo o Yad Vashem. Pelo menos 2.200 bebês nasceram nesses campos. Entre eles, Tally Barash, hoje com 73 anos.

"Era uma época muito difícil", desabafa esta mulher que vive em Londres. Para ela, "o museu vai ajudar a perpetuar a memória" dos campos.

Entre os cipriotas, alguns, opostos à potência colonial britânica, fizeram uma aliança com as milícias clandestinas judaicas.

Prodromos Papavassiliou ficou horrorizado com os campos, depois de ter combatido as forças fascistas no Norte da África, com o regime cipriota do Reino Unido, relata seu filho Christakis.

Durante anos, ele ajudou centenas de judeus a fugirem destes campos, chegando a escondê-los nas cavernas de Ayia Napa, um balneário que atrai centenas de milhares de turistas todos os anos.

A coragem de Papavassiliou foi imortalizada no filme "Exodus" - nome do navio mais famoso que transportou migrantes judeus da França para a Palestina em 1947 -, protagonizado pelas estrelas americanas Paul Newman e Eva Marie Saint. Em Haifa, Israel, há uma praça com o nome do cipriota.

Paralelismo

Para Eliana Hadjisavvas, historiadora do Instituto de Pesquisas Históricas, com sede no Reino Unido, os campos britânicos em Chipre formam um "paralelo surpreendente" com a crise migratória atual.

"A história (...) nos lembra que, diante da perseguição e do sofrimento, as pessoas devem sofrer grandes sacrifícios para encontrar um pouco de segurança", afirma.

"Enquanto os Estados continuam se debatendo sobre a gestão política da migração, medidas draconianas e centros de detenção se tornam cada vez mais, com frequência, um traço característico das respostas atuais", analisa.

O Chipre do presente se declarou em "estado de emergência", devido ao fluxo de migrantes, em sua maioria sírios. O número de demandantes de asilo representa 4% da população, em comparação com 1% nos demais Estados europeus, de acordo com o governo.

A maioria vive em acampamentos feitos de precárias barracas. "Sufocantes no verão e congelantes no inverno", resume Raskin, falando de outras barracas e campos desmantelados há 75 anos.

Peter Martell, AFP


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