segunda-feira, 15 de agosto de 2016

'Escravo reprodutor' teve mais de 200 filhos e viveu 130 anos

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'Escravo reprodutor' teve mais de 200 filhos e viveu 130 anos, afirma família

'É uma história verdadeira, não é uma lenda', diz neta de São Carlos (SP).
Para pesquisador, memória de Roque José Florêncio precisa ser resgatada.

Stefhanie PiovezanDo G1 São Carlos e Araraquara




















"É uma história verdadeira, não é uma lenda", diz Maria Madalena Florêncio Florentino enquanto segura a foto do avô. Nascido em Sorocaba na primeira metade do século XIX, Roque José Florêncio foi comprado por um fazendeiro de São Carlos (SP) e escolhido para ser "escravo reprodutor" no distrito de Santa Eudóxia. Familiares e um estudo afirmam que ele teve mais de 200 filhos e, segundo a certidão de óbito, morreu com 130 anos.
O documento, lavrado em 17 de fevereiro de 1958, aponta que Roque morreu por insuficiência cardíaca, miocardite, esclerose e senilidade. A quantidade de filhos estaria contabilizada em um antigo livro da Fazenda Grande. Mas a família diz que não tem documentos que comprovem os nascimentos e procura os descendentes nas redes sociais.  "No Broa tem, em São Paulo, Araraquara, mas, quando eu pergunto, dizem que não sabem. É uma incógnita", afirmou o neto Celso Tassim, de 54 anos.
Certidão de óbito atesta que escravo viveu durante 130 anos (Foto: Fabio Rodrigues/G1)Certidão de óbito de 1958 atesta que escravo Pata Seca viveu durante 130 anos (Foto: Fabio Rodrigues/G1)


























De acordo com Marco Antonio Leite Brandão, pesquisador da história de São Carlos, o documento mais antigo sobre escravidão na cidade é de 1817. Ele diz ainda que o auge da mão de obra forçada se deu a partir de meados da década de 1860, com a expansão do café.
"O mais importante, talvez, das pesquisas que realizei foi a identificação de uma rota de comércio de escravos entre a Província da Bahia, centralizada no município de Caetité, e São Carlos. Havia, de fato, um mercado de escravos, a Fazenda Babilônia, limite entre São Carlos e Descalvado", afirmou. "Mas nada sobre reprodutores ou sobre Pata Seca".
A história oficial tende
a forçar o esquecimento
da memória negra"
Marinaldo de Souza, psicólogo
Para o psicólogo Marinaldo Fernando de Souza, doutor em educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) com uma tese que aborda a história de Pata Seca, a explicação para a falta de documentos está na desvalorização da memória negra. "A história oficial tende a forçar o esquecimento da memória negra", disse. "Em Santa Eudóxia existe uma história a ser vasculhada, a ser contada, e que fica relegada a um status de menor valor".
Segundo Souza, estima-se que mais de 30% dos moradores de Santa Eudóxia sejam descendentes de Roque e o papel dele como produtor pode ajudar a explicar por que o número de escravos na região continuou a aumentar mesmo depois de restrições como a Lei Eusébio de Queirós.
"Se fosse um branco, não seria lenda. Ele é real, foi escravizado", comentou. "Essa história precisa ser resgatada e não precisa de documentos. Os documentos são forjados em prol da elite branca. A memória negra precisa vir à tona".
Neta de escravo contra com orgulho a história do patriarca (Foto: Fabio Rodrigues/G1)Neta do escravo Pata Seca conta com orgulho a história do patriarca (Foto: Fabio Rodrigues/G1)
'Pai de mais de 200'
A família conta que Roque foi comprado na Vila Sorocaba e vendido para Visconde da Cunha Bueno, dono de um latifúndio voltado para a produção de café. Na propriedade, ganhou o nome e o apelido de Pata Seca pelas mãos compridas e finas.
Rua no distrito de Santa Eudóxia leva o nome de escravo (Foto: Fabio Rodrigues/G1)Neto Admir Florêncio fez pedido e rua do distrito
leva o nome do avô (Foto: Fabio Rodrigues/G1)
Como era alto - tinha 2,18 m - e, na época, acreditava-se que homens com canelas finas gerariam filhos do sexo masculino, foi escolhido para se deitar com as escravas e gerar mais mão de obra.
Também cuidava dos cavalos e era responsável pelo transporte de correspondência entre a fazenda e a cidade.
Segundo a neta, foi como 'correio' que ele conheceu a esposa. "Ele ia buscar as cartas em São Carlos e, quando passava, via uma moça magrinha, barrendo, barrendo", contou Madalena.
Um dia, ele pediu a mão da moça e, com o "sim", colocou a jovem na garupa e rumou para a fazenda. Foi celebrado o casamento e Roque ganhou dos patrões 20 alqueires de terra. Depois de gerar mais de 200 filhos na senzala, era hora de formar a própria família com Palmira, com quem teve mais nove crianças. Para ler a matéria completa, aqui.
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