Como melhorar o combate não só à corrupção, como às
ilegalidades menores da administração pública? Nos últimos 30 anos, a principal
aposta das nossas leis e controladores tem sido multiplicar, estender e dar
autonomia aos controles, para ameaçar sempre com mais punição os gestores
públicos e os particulares. Mas já é hora de rever essa estratégia. São muitos
os órgãos de controle. Na União, a Advocacia-Geral (AGU) e a
Controladoria-Geral fazem o controle interno, enquanto o Controle Externo fica
com o Tribunal de Contas (TCU), o Ministério Público (MPU), a Polícia e o Poder
Judiciário.
Em vários assuntos eles atuam em paralelo e não têm o
dever nem os meios para coordenar suas orientações e processos decisórios. Um
gestor pratica um ato, aplicando orientação da AGU. Mas o MPU não concorda com
o gestor e com a AGU. E vai à Justiça, alegando improbidade do gestor e pedindo
sanções cíveis (a perda do cargo público, entre outras). Enquanto isso, a
Polícia Federal abre inquérito para apurar se, com o mesmo ato, ele praticou
algum crime e merece ser punido com sanções penais.
O gestor se defende da improbidade, perde na primeira e
na segunda instâncias, mas tem sorte e, com um novo recurso, acaba absolvido.
Final feliz? Ainda não. O inquérito policial virou ação penal, que se vai
arrastando sem decisão. E há também uma fiscalização rodando no TCU sobre o
mesmo ato. Passados muitos anos, o TCU a transforma em processo contra o
gestor, para aplicar uma multa administrativa. E a absolvição na Justiça? Não
importa. E o tempo decorrido? Não importa. E a orientação da AGU? Não importa.
Problema sério são o excesso e a diversidade das sanções pessoais:
administrativas, cíveis e penais. Quanto ao excesso, o melhor exemplo está na
Lei da Improbidade, de 1992. Com suas punições duras, de natureza cível, ela
vem sendo usada para processar gestores por simples erros ou por discordância
de orientação.
Não faz sentido: é injusto, antieconômico e ineficaz. A
improbidade tem de ser reservada para os desonestos e para as coisas realmente
graves. Ficar abrindo milhares de processos por razões banais é um bom modo de
congestionar a Justiça, não de aumentar a probabilidade de punir. E qual o
problema com a diversidade? Se o fato a punir é um só, a racionalidade e a
coerência sugerem que as punições possíveis sejam decididas em um só foro. Mas
não são: para sanções diferentes, há controladores diversos.
A Polícia e a Justiça criminal têm fracassado em boa
parte de suas missões, talvez pelo fato de a punição criminal não ser a solução
para tantos problemas (o combate às drogas que o diga). Mas, em casos assim, o
que as leis novas fazem é criar mais sanções para o mesmo fato, mas para serem
aplicadas por algum outro órgão. A Lei Anticorrupção, de 2013, fez isso. É um
erro. Sanções e órgãos têm de ser substituídos quando ineficazes. Não faz
sentido simplesmente multiplicá-los, o que só complica os meios de controle e
aumenta a ineficiência. Outro engano é supor que os controles serão melhores se
não houver prazo máximo para eles atuarem.
O TCU, forçando a interpretação das normas, sustenta
que não há prescrição para aplicar multas ou rever atos em matéria funcional. O
Ministério Público insiste na ideia de que seriam imprescritíveis as ações
judiciais de ressarcimento de danos contra o erário, materiais ou morais. São
teses bemintencionadas, mas que no fundo protegem a ineficiência dos próprios
controladores, além de gerar permanente insegurança jurídica. Ter controles é
ótimo e os controladores têm se mostrado competentes para fazer sua propaganda.
Mas os controles vão continuar insatisfatórios enquanto não encomendarmos a
entidades independentes a rigorosa medição de sua eficácia, custo e capacidade
de fazer justiça e resguardar o patrimônio público.
Por
Carlos Ari Sundfeld e Thiago Luís Sombra, em O Estado de São Paulo.
(Respectivamente,
professor titular da FGV Direito-SP, presidente da Sociedade Brasileira de
Direito Público; e professor e doutorando em direito na Universidade de
Brasília, pesquisador visitante da London School of Economics (LSE)
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