Algumas etnias tentam conquistar
autonomia com o comércio
Há, no Brasil, cerca de 1 milhão de
indígenas de mais de 250 etnias distintas vivendo em 13,8% do território
nacional. Em meio às ameaças de violência, riscos de perda de direitos em
decorrência da pressão dos latifundiários, mineradoras e usinas, alguns povos
indígenas lutam por mais autonomia, tentando conquistar, com a comercialização
de seus produtos e com o turismo, alternativas para diminuir a dependência dos
recursos cada vez mais escassos da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Segundo especialistas consultados
pela Agência Brasil, estes são alguns dos principais desafios a serem
lembrados.
Para serem bem-sucedidos, nessa
empreitada visando a venda de suas produções e a exploração dos recursos
naturais das terras indígenas (TIs), os povos indígenas têm como desafio buscar
maior representatividade no Congresso Nacional, uma vez que cabe ao Legislativo
Federal criar políticas específicas que deem segurança jurídica para que eles
consigam o desenvolvimento financeiro do qual sempre foram excluídos.
Sustentabilidade
Alguns povos indígenas que tiveram
suas terras homologadas têm conseguido bons resultados por meio da
comercialização de seus produtos. Levantamento apresentado à Agência Brasil pelo
Instituto Socioambiental (ISA) aponta que, somente na safra 2017/2018, índios
da etnia Kaiapó do Pará obtiveram cerca de R$ 1 milhão com a venda de 200
toneladas de castanha. Outros R$ 39 mil foram obtidos com a venda de sementes
de cumaru, planta utilizada para a fabricação de medicamentos, aromas, bem como
para indústria madeireira.
A castanha rendeu aos Xipaya e
Kuruaya, no Pará, R$ 450 mil, dinheiro obtido com a venda de 90 toneladas do
produto. Cerca de 6 mil peças de artesanato oriundo das Terras Indígenas do
Alto e do Médio Rio Negro renderam R$ 250 mil aos índios da região. Já os
indígenas da TI Yanomami (Roraima e Amazonas) tiveram uma receita de R$ 77
mil com a venda de 253 quilos de cogumelos.
Os exemplos de produções
financeiramente bem-sucedidas abrangem também os Baniwa (AM), que venderam
2.183 potes de pimenta, que renderam R$ 46,3 mil. As 16 etnias que vivem no
Parque do Xingu obtiveram R$ 28,5 mil com a venda de 459 quilos de mel.
Autonomia
O presidente da Funai, general
Franklimberg Ribeiro Freitas, disse que cabe aos indígenas a escolha do modelo
de desenvolvimento a ser adotado. “A Funai deve apoiá-los para atingir seus
objetivos”, afirmou à Agência
Brasil. “Em diversas regiões, os índios
estão produzindo visando à comercialização de seus produtos ou mesmo serviços,
como o turismo ecológico. Essas experiências mostram que a extração
sustentável, a comercialização de produtos e o turismo podem ajudar a ampliar o
desenvolvimento das Terras Indígenas”, disse o presidente do órgão indigenista.
Franklimberg destacou que entre as
etnias que produzem e avançam na comercialização de produtos e serviços estão
os Kaiapós do Pará. “Eles produzem toneladas de castanha e agora
reivindicam máquinas para beneficiar o produto”, ressaltou. “Há também o
cultivo e a venda de camarão, pelos Potiguara da Paraíba, que está bastante
avançada. Tem até a lavoura de soja dos Pareci, no Mato Grosso”.
O presidente da Funai acrescentou
ainda que: “No caso do minério e dos recursos hídricos, é preciso ainda normatizar
e regulamentar essas atividades, o que cabe ao Congresso Nacional fazer”.
Congresso Nacional
Para o antropólogo e professor da
Universidade de Brasília Stephen Baines, os indígenas são preteridos na relação
com os empresários e donos de terras. “Há uma desproporção absurda no
Legislativo brasileiro a favor daqueles que querem o retrocesso dos direitos
dos povos indígenas, previstos na Constituição de 1988 e na legislação
internacional”, disse à Agência
Brasil.
“Temos atualmente um Congresso
Nacional extremamente conservador que representa – por meio de parlamentares
ligados à bancada ruralista, ao agronegócio, às empresas de mineração e aos
consórcios de mineração e de usinas hidrelétricas – a maior ameaça e o maior
ataque aos direitos dos povos indígenas", afirmou o antropólogo.
Segundo Baines, é difícil para os
índios planejar grandes voos do ponto de vista de recursos, sem que, antes,
seja resolvida a questão da gestão territorial, o que inclui a segurança
jurídica que só é possível a eles após terem suas terras demarcadas e
homologadas.
“É fundamental que se tenha respeito
pelos índios e pela sua forma de viver e produzir. Para tanto, é necessária a
efetivação dos direitos previstos tanto na Constituição como pelas convenções
internacionais”, disse Baines citando convenções da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) e Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos
povos indígenas.
Violência
Stephen Baines afirmou que a
violência contra os índios ainda é intensa em várias comunidades, como nos
estados do Pará, Mato Grosso e Roraima. “Há muitas ameaças contra os índios,
feitas por latifundiários, empresas e pelos capangas, que matam lideranças
locais que lutam pelos seus direitos. Quer saber onde os índios correm mais
riscos? Basta olhar para as terras indígenas que estão próximas a latifúndios”,
disse.
Baines citou como exemplo o ocorrido
na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), onde fazendeiros que vieram de
outras regiões se instalaram. “Eles invadiram as áreas indígenas para
desenvolver produção industrial de arroz. Para expulsar os índios da região,
usavam capangas. Até indígenas foram pagos por eles para intimidar as
lideranças”, afirmou. “Atualmente, muitos daqueles invasores são
atualmente influentes políticos locais e federais e, com a ajuda da mídia,
passam a falsa ideia de que há muita miséria entre os indígenas. Os indígenas
negam isso, mas não conseguem espaço na mídia para desmentir a história falsa.”
À Agência Brasil, o integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária e líder do
PSDB na Câmara, deputado Nilson Leitão (MT), disse que "nenhum
projeto" aprovado pelo Congresso Nacional traz prejuízos aos interesses
dos indígenas. "Pode ir contra o interesse de intermediários,
interventores ou organizações sociais, que dizem trabalhar para o índio. Nenhum
deputado que eu conheço, que defenda o setor produtivo, trabalha contra o
índio", disse.
Nilson Leitão afirmou que o
"verdadeiro parceiro do índio são os produtores". "[Indígenas e
produtores] são vizinhos, moram na mesma localidade, têm as mesmas
peculiaridades e colaboram um com o outro. Não existe conflito entre eles a não
ser aqueles provocados por organizações sociais", disse.
Marco temporal
O antropólogo alertou sobre
"marco temporal", medida que divide opiniões, busca produzir a área
das terras indígenas, colocando como referência para as demarcações as terras
que estavam ocupadas na época em que a Constituição foi promulgada [1988], ou
seja, quando os "indígenas foram removidos e expulsos de suas terras em
todo o Brasil”.
Neste cenário, as manifestações
indígenas ganharam mais força, como o caso do Acampamento Terra Livre,
organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Formado em
2004, é a maior mobilização de povos indígenas do país. Em 2017, mais de 3
mil indígenas de 200 povos participaram da manifestação em Brasília.
Neste dia 23, haverá a 15ª edição da
mobilização, em Brasília, em defesa da manutenção e efetivação dos diretos dos
povos indígenas.
Mais demandas
Os diversos grupos indígenas apelam
por mais mecanismos de segurança jurídica para o desenvolvimento e
comercialização de seus produtos. “A segurança jurídica não pode ficar restrita
a grandes grupos econômicos. Além de ter seus direitos respeitados e
a liberdade para explorar as terras como acharem melhor, os indígenas precisam
também de incentivos para produzir, respeitando seus próprios modos de
produção”, argumentou Stephen Baines
Segundo o antropólogo, o conhecimento
tradicional sobre a relação com o ambiente faz parte dos produtos indígenas e,
ao mesmo tempo, valoriza a questão ambiental. “Não há dúvida de que o fato de
serem feitos por indígenas dá ao produto um diferencial, por serem
ecologicamente seguros. Inclusive há lojas na Europa muitas lojas que vendem
produtos industrializados como sendo indígenas. Alguns até usam uma pequena
quantidade de óleo de castanha kaiapó para associar a imagem do produto à ideia
de produção sustentável em suas campanhas de marketing”.
Em menor escala, a forma de produção
indígena é bastante diferente da exploração industrial, que, segundo ele, é
desastrosa e provoca impactos ambientais irreversíveis. “Quando eles optam pela
mineração, eles o fazem por meio de uma maneira própria de garimpagem em
pequena escala. Extraem somente o necessário, pensando nas gerações futuras.
Não querem empresas porque sabem que elas tiram tudo de uma vez, não deixando
nada para o futuro”.
Para Baines, é importante a
adoção de cotas indígenas no ensino superior, como fez de forma pioneira a
Universidade de Brasília (UnB). Em 2017, havia 67 alunos indígenas de 15 povos.
Destes, 42 faziam graduação e 25 pós-graduação.
Política
O assessor parlamentar da Funai
Sebastião Terena disse que as lideranças indígenas têm trabalhado também para
ampliar a representatividade de índios na política brasileira nas eleições de
2018, em especial no Congresso Nacional. As dificuldades, no entanto, não
são poucas. Na história do Parlamento brasileiro, o único indígena eleito
foi Mário Juruna, em 1982, para a Câmara dos Deputados.
Pelos dados de Terena, há apenas 117
vereadores indígenas cumprindo mandato em 25 unidades federativas, além de
quatro prefeitos e um vice-prefeito. “Apesar da falta de recursos e de infraestrutura,
pela primeira vez teremos pré-candidatos indígenas em pelo menos 10 estados e
no Distrito Federal”, disse Terena à Agência
Brasil. A definição dessas candidaturas
deve ocorrer em julho.
O antropólogo Stephen Baines lamenta
que “apenas uma pequena minoria de parlamentares luta pelos direitos
indígenas”. “Em parte, isso se explica porque muito do dinheiro do agronegócio
e das empresas e consórcios acaba sendo usado em campanhas eleitorais das
bancadas contrárias aos povos indígenas. E muito provavelmente parte do
financiamento vantajoso que é direcionado ao agronegócio acaba servindo também
para financiar as campanhas dessa bancada que faz de tudo para inviabilizar
candidaturas indígenas”, acrescentou.
Na avaliação de Baines, a data
de hoje – Dia do Índio – é importante não só para o protagonismo
indígena, mas também para chamar a atenção das pessoas interessadas na defesa
dos direitos indígenas.
EBC
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