Procurador de
Contas, Júlio Marcelo de Oliveira ficou conhecido por ser o autor da
representação que levou à reprovação das contas de 2014 da ex-presidente Dilma
Rousseff por fraude fiscal. Atual presidente da Associação Nacional do
Ministério Público de Contas, ele agora também é procurado para analisar temas
não menos espinhosos, como a ação da Polícia Federal contra conselheiros do TCE
do Rio, algo que, se analisado em maior escala, também ocorre no TCU. Foi o que
fez no programa CB.Poder, uma parceria entre o Correio e a TV Brasília. A
seguir, os principais trechos da entrevista:
O senhor imaginava
que as investigações da PF atingiriam os Tribunais de Contas?
Sim, pois há muito
tempo vislumbramos omissões graves nas fiscalizações nos Tribunais de Contas,
como nos casos específicos das obras pré-Copa do Mundo e pré-Olimpíadas no Rio.
Já havia notícias de que o outro conselheiro, Jonas Lopes, estaria negociando
uma delação premiada que forneceria informações que levariam a esse desfecho.
Além disso, generalizadamente no Brasil há uma deficiência na atuação dos
Tribunais de Contas decorrente da forma atual de indicação dos seus membros. A
Constituição desenhou um modelo bonito no papel, pessoas com notórios saberes
em administração, economia, contabilidade e direito, mas a experiência
histórica é que as assembleias legislativas indicam pessoas políticas do
governador, pessoas que estão comprometidas em não fiscalizar. Há conselheiros
que nem sequer têm o segundo grau, ou não têm formação em nenhuma área afim da
administração pública, como é o caso de dentistas e veterinários. É natural que
esses órgãos não estejam funcionando bem diante de uma regra de composição que
não deu certo.
Mas isso não é um
problema apenas dos TCEs, mas do TCU...
Nesse desenho ruim
de indicações políticas, a gente pode dizer que o quadro no TCE se agravou
primeiro, ou é mais grave que no plano federal. Mas o fato é que há problemas
nos planos federais também. E essas investigações da Operação Lava-jato vão
buscar isso e estão mostrando isso. A gente vive em um país com o quadro de
corrupção sistêmica e a gente não vai imaginar que só o TCU estaria livre dos
tentáculos da corrupção. É possível que outros órgãos, inclusive do Poder
Judiciário, também tenham comprometimento com esse esquema de corrupção. As
investigações estão em curso, vamos aguardar os resultados, mas nós não temos
ilusões de que há algum órgão isento da possibilidade de estar contaminado.
Há uma blindagem no
Judiciário?
A dificuldade de
avanço nessa fronteira, a meu ver, reside mais na questão do foro privilegiado.
O que faz com que tudo fique mais lento. O fato de ter que afunilar e passar
pela PGR e pelo Supremo contribui para a lentidão desses procedimentos em
relação a ministros dos tribunais superiores.
Como que faz para
acabar com o foro privilegiado diante de uma classe política que não quer abrir
mão dele?
É difícil as
pessoas abrirem mão de privilégios, mas, para mim, o que será talvez o norte
para acabar com o foro privilegiado é quando ele passar a ser visto como algo
tão anacrônico e ridículo. Chamo o foro privilegiado de 'desaforo dos
privilegiados'. Porque é uma criação de uma sociedade de castas. A nossa
sociedade já tem maturidade para conviver e ser uma sociedade de iguais.
Há uma tentativa
política de tentar punir quem mais tem combatido a corrupção no país?
Sem dúvida, como
aquela votação no final do ano passado na C-mara dos Deputados que deformou
completamente o projeto das 10 medidas contra a corrupção e acabou sendo um
projeto de abuso de autoridade, desviado para punir quem investiga e quem
julga. Não era só para os membros do Ministério Público, mas também para os
juízes de primeiro grau que condenarem e tiverem sua decisão reformada. Aquilo
mostra um sentimento e um espírito de retaliação contra quem está investigando.
É uma tentativa de intimidar, frear investigações e de manter status quo do
sistema político.
Como se muda o
sistema de escolhas para cargos de conselheiros e ministros nos tribunais de
Contas?
Há várias PECs
tramitando no Congresso para reformar Tribunais de Contas. Para nós, este é o
ponto número um em nossa pauta, ao lado da autonomia do MP de Contas, que é o
único ramo do MP que ainda não tem autonomia. Dependemos materialmente dos
tribunais de Contas para atuar. A nossa proposta, a PEC 329/2013, que foi
acolhida pela frente parlamentar anticorrupção do Congresso, propõe que os
conselheiros dos tribunais de Contas sejam todos oriundos de carreiras
técnicas, majoritariamente da carreira de conselheiro substituto. Nos TCEs, que
são sete conselheiros, quatro viriam dessa carreira; um continuaria vindo do
Ministério Público de Contas; um escolhido entre os auditores de Controle
Externo, que tem mais experiência, compromisso e projeção entre os colegas; o
outro viria rotativamente da fiscalização das profissões envolvidas com
Controle Externo e este seria um mandato.
Como será feito em
relação ao cenário do Rio?
O que permite que o
tribunal não pare de funcionar é justamente essa carreira do conselheiro
substituto. Existem os conselheiros substitutos concursados, então eles serão
convocados pela conselheira que sobrou, Mariana Montebello, oriunda da carreira
do Ministério Público de Contas.
"Há
conselheiros que nem sequer têm o segundo grau, ou não têm formação em nenhuma
área afim da administração pública, como é o caso de dentistas e veterinários'
Por Denise Rothenburg Leonardo Cavalcanti Lívia
Monteiro, no Correio Braziliense
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