Pierpaolo Bottini:
'Exageros da Lava Jato não maculam a operação'
Professor de
Direito Penal da USP e advogado de envolvidos na Lava Jato, Pierpaolo Cruz
Bottini, 40, tem críticas ao que chama de excessos da operação, que neste mês
completou três anos. Mas, ao contrário de muitos dos seus colegas, considera
que nenhum desses "exageros" maculam a operação.
Pier, como é
conhecido, esteve à frente da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério
da Justiça (2005-2007), no governo Lula. Hoje atua na defesa do executivo
Dalton Avancini, ex-presidente da construtora Camargo Corrêa, e da jornalista
Cláudia Cruz, mulher do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entre
outros clientes.
Para Bottini, o
grande mérito da Lava jato foi ter mostrado as vísceras do financiamento de
campanha. O maior problema, diz, foram prisões decretadas de forma
desnecessária.
"A Operação
Lava Jato podia ter alcançado tudo o que alcançou sem esses exageros. Mas não
acho que esses exageros maculam a operação", afirma. Leia abaixo, sua
entrevista à Folha:
Folha - Qual o
balanço dos 3 anos da Lava Jato?
Pierpaolo Cruz
Bottini - A Lava Jato é muito importante porque mostrou as vísceras do problema
do financiamento de campanha. O principal mérito é revelar como se dava a
relação empresas e sistema político. E aponta a necessidade urgente de uma
reforma nessa área.
O veto à doação de
pessoa jurídica não cumpriu esse papel?
Foi passo importante,
dado pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda assim é preciso mexer em uma série de
coisas. Por exemplo, o tratamento ao caixa dois. É preciso regulamentar melhor,
mexer na pena do crime de caixa dois e assim por diante.
Houve excessos na
Lava Jato?
Houve excessos
pontuais. Uma boa parte das medidas cautelares eram desnecessárias. Alguns
acham esses exageros justificáveis. Eu acho que nenhum exagero é justificável.
A operação podia ter alcançado tudo o que alcançou sem esses exageros. Mas não
acho que esses exageros maculam a operação.
Garantias
individuais foram atropeladas?
Quando você fala
que tem uma prisão decretada de forma desnecessária, você está de certa forma
aplicando uma restrição à liberdade desnecessária. Então eu acredito que sim,
existiram exageros.
Há hoje uma corrida
por delação premiada?
A delação é uma
opção legítima daquele que praticou um crime e se vê envolvido numa
investigação. Então, a partir do momento em que há um acervo probatório contra
essa pessoa, ela tem todo o direito de optar por uma delação. E é o que as
pessoas estão fazendo. Havia uma resistência muito grande, inclusive por parte
dos advogados, em fazer a colaboração premiada, mas isso não existe mais. Ou
pelo menos não com a intensidade que existia.
Antes da Lava Jato
houve grandes operações que foram anuladas nos tribunais superiores. Hoje as
instâncias superiores confirmam quase a totalidade das decisões da Lava Jato. O
que mudou?
Houve uma evolução
do ponto de vista daqueles que investigam esses fatos, uma evolução para evitar
nulidades. Mas o ponto central é outro. A Lava Jato só foi possível porque
foram aprovadas algumas leis em 2012 e 2013. Não ocorreu porque um belo dia as
pessoas acordaram e resolveram passar o Brasil a limpo. Após as manifestações de
2013, o Congresso aprovou três leis importantes. Primeiro, houve a nova lei de
lavagem de dinheiro. Depois, a das organizações criminosas, que regulamentou a
colaboração premiada e corrigiu falhas das legislações anteriores. E em
terceiro lugar, a lei anticorrupção, que trouxe o instituto da leniência, da
colaboração de empresa. Não é por acaso que seis meses depois surgiu a Lava
Jato.
Hoje há necessidade
de uma reforma no Judiciário?
Existem falhas que
precisam ser corrigidas. Por exemplo, a questão da prerrogativa de foro. É um
problema. Dificulta o andamento das ações penais.
Qual sua ideia?
Todas as pessoas
deveriam ser julgadas por juízes de primeira instância. Mas qualquer medida
cautelar que impactasse o exercício de um mandato precisaria ser tomada por um
colegiado de juízes. Isso mantém a eficiência do sistema para processar e
julgar essas pessoas, mas salvaguarda o cargo.
A Lava Jato vai até
quando?
Se a gente entender
a Lava Jato como algo restrito à Petrobras, é claro que em algum momento vai se
exaurir.
Se a gente entender
como uma investigação de atos de corrupção e de lavagem de dinheiro, não tem um
momento para terminar isso.
O senhor vê um
vínculo da Lava Jato com a crise econômica?
Não acho que a
crise de hoje seja por conta da Lava Jato. Mas é evidente que de alguma forma
impactou e talvez tenha aprofundado um pouco essa crise. Mas não acho que
devemos criticar a operação porque afetou a capacidade de funcionamento das
empresas. Acho que o que falta no país é um instrumento que preserve as
empresas enquanto as pessoas físicas que cometeram delitos sejam
responsabilizadas.
Que tipo de
instrumento?
O acordo de
leniência. Há hoje uma legislação que fala em acordo de leniência, mas nenhum
foi homologado. Isso gera uma instabilidade muito grande. Você poderia através
da leniência manter a empresa funcionando e punir as pessoas responsáveis. Mas
o sistema até agora não tem funcionado porque há briga muito grande entre
órgãos, CGU, TCU, AGU, Ministério Público e o Judiciário. É preciso aprovarmos
uma reforma nesse setor.
A Lava Jato será
didática para o país?
Acho que sim. Se as
pessoas começarem a perceber que os atos de corrupção têm consequências e que
há punição efetiva, isso vai ser muito salutar para o Brasil.
RAIO-X
Nascimento 20 de
novembro de 1976
Formação Advogado
formado pela Faculdade de Direito da USP
Carreira É advogado
e professor do departamento de direito penal da USP. Foi secretário de Reforma
do Judiciário (2005-2007) e do Departamento de Modernização Judiciária (2003-2005).
Autor de livros de direito penal
Por Rogério Gentile Wálter Nunes, na Folha de S. Paulo
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