Casos descobertos no exterior revelam o lado obscuro do segmento corporativo brasileiro.
Um produto
tipicamente brasileiro está fazendo “sucesso” no exterior: a corrupção. E,
faça-se justiça, nesse caso, os principais atores não são os políticos do País.
São empresários e executivos de grandes companhias nacionais que, além de
cometerem crimes corporativos em nações estrangeiras, demonstram formas
diferenciadas de resolver esses casos dentro e fora do Brasil. Ao mesmo tempo
em que parte dessas companhias fecha acordos rapidamente com poderes judiciais
e governos fora do Brasil, protelam ao máximo assumir a culpa dos erros por
aqui.
A Petrobras foi uma
das principais atingidas neste processo. Suas parceiras de negócios como a
Odebrecht encabeçam as listas com os casos mais recentes de suspeitas de
práticas ilegais. Engordam a lista empresas como OAS, Embraer e Braskem, esta
última com forte atuação no Rio Grande do Sul. Em nota, a Braskem informa que
assinou acordo global de leniência com as autoridades, pelo qual pagará R$ 3,1
bilhões em multa e indenização, e reconhece sua responsabilidade pelos atos dos
seus ex-integrantes. Já a Embraer, que por sinal foi destaque em controles de
ações antiéticas, sucumbiu aos ganhos rápidos de mercado obtidos com a prática
de suborno.
Já classificada
pela Transparência Internacional como empresa com melhor sistema de controles
contra irregularidades (chamado de compliance, na linguagem corporativa), a
Embraer se expôs no cenário internacional comprando vantagens em países como a
República Dominicana e manchando a imagem de um dos maiores cases nacionais de
sucesso mundial em produtos de alta tecnologia.
“0 Brasil tem sua
imagem vinculada às ações das muitas empreiteiras envolvidas em crimes como
esse, com atuação na América Latina e na África, principalmente", pondera
o presidente no Brasil da Transparência Internacional, Bruno Brandão, ao
destacar que são muitos casos descobertos, mas também muitas denúncias surgindo
graças à açâo da Lava Jato.
Nesse processo, diz
Brandão, o País manda mensagens contraditórias para o exterior. “Ao mesmo tempo
em que os escândalos são revelados, o Brasil está enfrentando o problema de
maneira adequada. Também estamos exportando um modelo de combate à
corrupção", alega. A força-tarefa da Lava Jato é uma referência que tem
sido buscada como experiência para outros países, o que reforça a imagem
ambígua do problema e da solução. “Cabe agora à sociedade brasileira escolher o
caminho que vai seguir nesta encruzilhada", reflete Brandão.
Os prejuízos
nacionais, porém, vão além dos danos à imagem corporativa. 0 crescente volume
de empresas brasileiras prejudicadas já levou a Agência Brasileira de Promoção
de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), em parceria com a
Controladoria-Geral da União (CGU), a lançar um documento com orientações
anti-corrupção para auxiliar as companhias nacionais no relacionamento com
agentes públicos de outros países: a cartilha Empresas Brasileiras no Exterior
- Relacionamento com a Administração Pública Estrangeira. Além de ressaltar as
responsabilizações previstas no Código Penal brasileiro para esses casos, o
texto alerta para os custos e os riscos de se alimentar corporativamente esse
crime.
Entre os danos,
estão a possível perda de mercado a partir de casos descobertos, quebra de
contratos e prejuízos aos ativos no caso pagamento de multas, por exemplo. Mas
um quesito, em especial, faz um interessante alerta a um item ainda pouco
refletido no mundo corporativo. A cartilha toca no risco humano dessas
operações, ao ressaltar que “a empresa também deve pensar que o seu
funcionário, em algum momento, pode estar do outro lado da situação, ou seja,
recebendo presentes, convites e pagamentos de parceiros".
Ao transformar o
suborno em uma ferramenta de trabalho, os executivos acabam criando um problema
para as empresas e até mesmo elevando os custos de suas operações. Para que uma
companhia atue em muitos dos mercados desenvolvidos, como nos Estados Unidos,
há exigência de gestão de riscos e sustentabilidade que inclua compliance. Isso
exige mais recursos para assegurar idoneidade das operações e implica mais dificuldades
para acessar crédito. Sem falar no valor da marca e como ela é atingida por
casos de crimes.
“As exigências
internacionais são altíssimas no sentido de transparência e compliance, e as
empresas brasileiras estão atrasadas neste sentido", alerta Wagner
Menezes, professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo e
presidente da Academia Brasileira de Direito internacional.
Vantagens indevidas são alimentadas com recursos de
bancos públicos
Um entre os maiores
bancos de desenvolvimento do mundo e o principal instrumento do governo federal
para o financiamento de longo prazo e investimentos, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) vem recebendo respingos das muitas
críticas às práticas ilícitas no meio empresarial. Além dos incentivos para
investimentos externos por parte de companhias hoje assumidamente corruptas, o
Bndes também apoiou investidas internacionais de muitas delas e, de acordo com
especialistas como Bruno Brandão, presidente da Transparência Internacional no
Brasil, sem adotar os devidos cuidados com o destino dos Recursos Públicos. “É
com ajuda e financiamento do Bndes, muitas vezes motivados por força política,
que diversas empresas têm cometido crimes para fechar contatos", critica
Brandão.
Ao analisar a
situação do Bndes e a corrupção, o presidente da Federação das Entidades dos
Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastec), Àmauri Perusso, avalia
que a instituição deve informar de forma clara à sociedade todos os contratos
firmados, com valores concedidos, a quem, para qual projeto, contrapartida e
andamento e fiscalização, por exemplo.
‘Ainda têm as
decisões de política macroeconômicas: vamos financiar players globais? O que é
exatamente a prioridade social do banco? A corrupção pode estar -e na maioria
das vezes está - nas decisões políticas", alerta Perusso. Para ele, a
maior preocupação é quanto aos contratos em andamento. "Quanto ao passado,
deve-se identificar o quanto e quem deve repor as perdas advindas de condutas não
aceitáveis ou criminosas."
Em resposta às
críticas, o Bndes afirma que, no caso de empresas envolvidas em denúncias ou
que admitiram publicamente ter praticado atos ilícitos, esse é um aspecto
levado em conta, mas que pode não se configurar em impedimento à concessão de
empréstimos. No caso dos envolvidos na Operação Lava Jato, por exemplo, o Bndes
consultou a AdvocaciaGeral da União (AGU) e obteve o parecer de que “a
existência de investigação policial, procedimento administrativo ou processo
judicial em desfavor de determinada pessoa jurídica (ou respectivos dirigentes)
não é fato que por si só seja capaz de impedir a empresa de contratar com a
administração pública”. O banco, porém, afirma que vem reavaliando, caso a
caso, o risco de crédito dos financiamentos a projetos de empresas envolvidas
na Lava Jato.
Entre os resultados
do trabalho de refinamento de critérios e acompanhamento dos empréstimos
feitos, o Bndes explica que, a partir de consultas à Advocacia-Geral da União e
de interação com o Tribunal de Contas da União (TCU), os desembolsos de 25
contratos foram suspensos temporariamente em maio de 2016. Desse total, dois já
tiveram encaminhamento: um relativo ao contrato de US$ 145 milhões para
financiamento às exportações de bens e serviços de engenharia destinados à
construção, pela Construtora Queiroz Galvão, de um corredor logístico em
Honduras, no qual foram retomados em 28 de dezembro de 2016.
O outro se refere
ao contrato de US$ 165 milhões para a construção, pela Construtora OAS, do
Aqueduto do Chaco, na Argentina, cujo prazo para utilização venceu em junho de
2016. Em dezembro, o governo da Província do Chaco desistiu do pedido de
prorrogação do prazo. Em razão das práticas ilegais já assumidas pela empresa,
que está em recuperação judicial, a OAS concordou ficar diariamente sob
vigilância financeira pelos próximos 25 anos. O controle será realizado por uma
empresa que fará alertas à Justiça em caso de novas suspeitas.
ACORDOS INTERNACIONAIS
Odebrecht
Países onde a
prática de corrupção teria ocorrido, com pagamento de propina: Angola,
Moçambique, Equador, Peru, Panamá, México, República Dominicana, Argentina,
Colômbia, Guatemala e Venezuela. O acordo feito: pagará uma multa no valor de
R$ 3,828 bilhões às autoridades de Brasil, Estados Unidos e Suíça. O valor será
quitado ao longo de 23 anos, e a soma das parcelas será reajustada de acordo
com a taxa Selic. Como parte do acordo, a holding do grupo concordou em revelar
fatos ilícitos apurados em investigação interna, praticados no Brasil e no
exterior em diversas esferas do poder.
Embraer
Países onde teria
praticado a corrupção: entre os anos de 2007 e 2011, na Arábia Saudita, na
Índia, em Moçambique e na República Dominicana. As transações totalizaram a
comercialização de 16 aeronaves. O acordo feito: para o encerramento do caso,
que vinha sendo investigado pelas autoridades norte-americanas (Departamento de
Justiça dos Estados Unidos – DOJ – e Securities and Exchange Comission – SEC) e
também brasileiras (Ministério Público Federal – MPF – e Comissão de Valores
Mobiliários – CVM), concordou em contratar monitoramento externo e
independente, por até três anos, para acompanhar o cumprimento dos termos. Além
disso, a companhia efetuará o pagamento de cerca de US$ 206 milhões às
autoridades norte-americanas e brasileiras.
Por Thiago Copetti,
no Jornal do Comércio do RS
___________________
Para saber sobre o livro, clique aqui.