Alá
deve estar mais envergonhado da ação assassina de seus soldados da jihad do que
toda a cristandade
Em
1890, o marinheiro polonês naturalizado britânico Jósef Konrad subiu o Rio
Congo e testemunhou uma carnificina na qual metade da população local sucumbiu.
Tornado o escritor que sempre justifica uma releitura prazerosa por outro
gênio, Jorge Luís Borges, Joseph Conrad registrou seu testemunho no romance No
Coração das Trevas. E deu voz ao ódio ao colonialismo. Do livro o gênio do
cinema Francis Ford Coppola extraiu o enredo de Apocalypse Now, expressando o
ódio ao imperialismo invasor. Antes disso, finda a Segunda Guerra Mundial, em
Paris, dois gênios da literatura francesa, ambos ganhadores do Prêmio Nobel da
Literatura, injustamente nunca concedido ao autor de Lord Jim, transformaram
numa rixa uma boa amizade mantida nas mesas do café Deux Magots, em Saint
Germain-des-Près. O caolho Sartre defendia o terrorismo como arma na luta da
Argélia contra o colonialismo francês. O argelino Camus cunhou a máxima de que
ele não perdoaria o terrorista cuja bomba matasse aleatoriamente sua mãe numa
estação de metrô em Oran, onde ele nasceu. E assim o terrorismo – amor ou ódio?
– , dilema crucial do século 20, invadiu e dilacera o século 21.
Sartre,
o pai do existencialismo, tornou-se um dos maiores ídolos do social-comunismo
da História. Mas em seu enterro gigantesco também foi enterrada a reputação de
um intelectual brilhante que tinha tudo para imortalizar-se como o filósofo de
O Ser e o Nada. E terminou permanecendo vivo como o escritor de As Palavras.
Edição recente de textos esparsos de galã Camus mostra como o amigo que virou
rival dele não é mais apenas o genial romancista de O Estrangeiro, como era
conhecido antes, pois ele, não Sartre, é que tinha razão nesta questão capital:
não há razão nenhuma para a execução aleatória de cidadãos inocentes e alheios
às questões que acionam os explosivos de um terrorista suicida.
O
atentado contra a redação do Charlie Hebdo, a sequência de chacinas de 13 de
novembro em casas noturnas da capital francesa e o caminhão-bomba que atropelou
e matou 84 na comemoração do aniversário da queda da Bastilha, em 14 de julho
de 2016, expõem mais do que nunca a completa razão lógica de Camus. O
colonialismo não foi derrotado nas execuções aleatórias da Casbah, em Argel. O
imperialismo não sucumbiu à explosão das Torres Gêmeas em Nova York. O
terrorismo não tem causa, contém apenas ódio, preconceito, irracionalidade e
uma brutalidade do qual o único animal capaz é o soi-disant racional. Um leão
na floresta não promove chacinas como a do aeroporto de Istambul.
“O
inferno são os outros”, definiu subliminarmente Sartre na peça Huis Clos (Entre
Quatro Paredes), na boca do protagonista Garcin a essência do terror como arma.
É uma ironia que Sartre não tenha entendido o próprio conceito e que Camus não
tenha conseguido como ele resumir tudo o que pensava sobre o assunto numa
síntese absoluta como esta.
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O
atentado de 14 de julho em Nice, à margem do “mare nostrum”, o Mediterrâneo, em
cujo azul deslumbrante circularam as antigas civilizações grega e romana,
ilustra à perfeição essa síntese. Não representa a vingança dos sarracenos
contra os cruzados e os israelitas na luta milenar pela Terra Sagrada de
Jerusalém. Alá deve estar mais envergonhado da ação assassina de seus soldados
da jihad do que toda a cristandade. Maomé pode até ter tornado mais difíceis de
aturar seus períodos de jejum, pois não entende como em seu ainda nome se
derrama tanto sangue inocente. Marx, o jornalista que bradava contra a censura
na Gazeta Renana, também não concebeu nem conceberia tanta crueldade. Não há fé
nem ideal que justifiquem o ataque à liberdade dos outros de pensarem como
quiserem e de rezarem para em que acreditem. Não há motivo, razão nem lógica.
A
polícia francesa procura por algo inútil para dizer ao bobalhão do Hollande se
o atentado foi planejado ou sequer autorizado pelo Estado Islâmico. Esta é uma
manifestação da tonteira generalizada compartilhada pelos turcos que gastam
bilhões para garantir a segurança em seu território e não conseguem evitar
atentados em seu aeroporto que homenageia o grande estadista Ataturk. Ou da
completa burrice dos responsáveis pela segurança do Rio de Janeiro durante a
Olimpíada para a qual virão os principais alvos do “ódio do novo califado”,
todos representados pela elite de seus ídolos esportivos: EUA, Reino Unido,
Alemanha, França, etc.
Se
o 14 de julho do sanguinário Robespierre e do corrupto Danton foi violado por
um caminhoneiro lunático, não importa o mínimo se este foi treinado pelo Estado
Islâmico ou se apenas inspirou-se no ódio que move hoje todos os psicopatas que
se recusam a conviver com os diferentes e, por isso, os liquidam. O Brasil não
é inimigo do Islã. E nossa presidente afastada, no auge de escassez de sua
parca inteligente, chegou a propor na Nova York das Torres Gêmeas negociações
com o califado da intolerância.
O
que importa é que os imbecis continuam acreditando nas mesmas sandices
escritas, não por Maomé, mas por Sartre. Os franceses desconfiam que um
terrorista brasileiro pretende atacar a delegação francesa. Ninguém deu bola.
Todo mundo acredita que a irrelevância de nosso país na geopolítica global nos
torna imunes à fúria terrorista. Falta-nos a consciência que Camus tinha de que
a desumanidade do extermínio do outro, seja quem for, desde que não seja o
próprio combatente, nunca tem justificativa e logo não pode ser perdoada.
A
única lógica do atentado de Nice é disseminar o medo. Não adiantam as lamúrias
de Hollande, a tristeza de Merkel, o estupor de miss May, a diplomática
solidariedade de Obama nem a patética ignorância de madama Rousseff. O medo
está disseminado. Que o medo seja, então, a nossa arma. A única capaz de
mostrar que ninguém é invulnerável, nem os esquimós no Alaska nem os visitantes
da bela El Calafate, na Patagônia argentina. Os peles-vermelhas das reservas
americanas, os caçadores mongóis e os monges do Tibete são todos alvos
eventuais do terror desumano. Enquanto todos estes, inclusive nós, não tivermos
essa consciência, continuaremos sem ter nenhuma chance de defesa contra o
homofóbico de Orlando, os irmãos que infernizaram a maratona de Boston para
ganhar a pior das notoriedades ou os separatistas de origem russa da Ucrânia
que se dão ao luxo de abater aviões comerciais em pleno voo. Ninguém é seguro
em lugar nenhum deste planeta. E o inimigo não é só o terrorista em potencial,
mas todo babaca que ainda prega a tolerância com o terror por motivos
ideológicos, políticos ou religiosos. Não pense a vítima que eles são inocentes
porque não têm armas. Eles têm algo pior do que a bomba de Hidrogênio: eles têm
a crença de que só eles salvarão a Terra
O
terror é apenas e tão somente, aprendamos todos, por favor, o que exprime a
fala de Mc Duff na cena 3 do segundo ato de Macbeth, de Shakespeare, usada por
Conrad como epígrafe em No Coração das Trevas: o horror, horror, horror…
Por José Nêumanne, no Blog do Nêumanne
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