Trava-se nas
instituições brasileiras uma corrida secreta entre punição e impunidade. A
operação abafa corre sem poupar fôlego para chegar antes de a força-tarefa da
Lava Jato encerrar o acordo de leniência com 70 executivos da Odebrecht e
encaminhá-lo para homologação do relator no Supremo Tribunal Federal (STF),
ministro Teori Zavascki. Seu objetivo é debelar a insônia de centenas de
políticos e apaniguados que temem ser processados e julgados antes de aprovarem
no Congresso Nacional um pacote de leis que lhes assegure paz no sono e plena
liberdade.
Os procuradores
federais esperam concluir as negociações em reuniões com a cúpula da maior
empresa empreiteira do Brasil antes do Natal e que Zavascki não adie para
depois da Quarta-Feira de Cinzas a homologação da 'delação do fim do mundo',
pois Renan Calheiros poderia ser apanhado no contrapé. Ele é o maior
interessado nessa anistia generalizada para políticos, empresários e executivos
de estatais e repartições federais, de vez que é alvo de 11 investigações no
STF. Gozará de foro privilegiado até 2018, mas não será mais o presidente do
Senado e do Congresso, perdendo poder.
Para evitar que
isso aconteça ele recebeu no sábado passado, na residência oficial que ocupa em
razão do cargo, os presidentes da República, Michel Temer, e da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia, para uma feijoada regada a caipirinha. Na
promiscuidade reinante na capital federal desde a mudança para Brasília, os
Poderes confraternizam sem pudor.
Foram convivas
Aroldo Cedraz, presidente do Tribunal de Contas da União, e mais dois de seus
ministros, Vital do Rego e Bruno Dantas. Além do líder do PMDB e futuro
presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), e do anspeçada do chefe do
Executivo Moreira Franco. O passado foi representado pelo ex-presidente José
Sarney. Só faltou a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que se mostra
decidida a manter-se como última instância do decoro de uma República sem
vergonha.
Quem compareceu não
deu explicações ao Estado, que flagrou o repasto, mas isso não impediu que o
repórter Erich Decat descobrisse que o anfitrião tratou do pente-fino que
pretende fazer nos 'supersalários' dos dignitários do Judiciário e do
Ministério Público. Assim, trouxe a lume a bandeira dos 'marajás' de seu
ex-chefe Collor. A missão seria republicana, por aliviar o bolso vazio do
cidadão neste tempo de crise, reduzindo a folha de pagamento de Poderes
estroinas e expondo a fragilidade ética de juízes e procuradores que combatem
com denodo a Corrupção alheia, mas não abrem mão de privilégios também daninhos
às finanças públicas. Perde, porém, esse condão por se tratar de mera
retaliação.
Outros assuntos
ingeridos com limão, cachaça, paio e carne seca causam ainda mais indigestão na
cidadania empobrecida pela quebradeira das empresas e pelo desemprego de 12
milhões de trabalhadores. São eles: a Lei do Abuso de Autoridade, o projeto que
altera a leniência de empresas acusadas de Corrupção e a cínica inserção da
anistia ao caixa 2 praticado em disputas eleitorais no projeto, apoiado por 2
milhões de eleitores, das dez medidas contra a Corrupção.
A pretexto das
necessárias garantias ao cidadão desprotegido contra a arbitrariedade dos
agentes do Estado, o primeiro desnuda a desfaçatez, pois submete o princípio
ético à agenda de conveniências do presidente do Congresso até fevereiro: ele
arrancou o projeto da gaveta, onde dormitava, inerte, desde 2009, para
amedrontar policiais, procuradores e juízes dispostos a desvelar falsas vestais
da política.
O segundo,
criticado pelo ministro da Transparência, Torquato Jardim, dribla o acordo
internacional contra a Corrupção ao qual Dilma aderiu. E repete a meta da
presidente deposta de adotar os sham programs(programas de fachada), propostos
pelas empresas acusadas pela Lava Jato.
Nos estertores da quarta
indigestão imposta ao País pelo PT, o professor Modesto Carvalhosa denunciou
exaustivamente a desfaçatez do discurso, falso como nota de 3 reais, da
necessidade de perdoar empresários corruptos para garantir empregos, feito pela
expresidente, que se anuncia pelo codinome de Janete ao atender telefonemas. O
assunto, contudo, não se exauriu. E ganhou formas mais capciosas.
O projeto contra a
Corrupção, defendido anteontem na Câmara pelo Ministério Público Federal,
contempla a criminalização do caixa 2. Então, contabilidade ilícita não é
ilegal? É claro que é! Na votação da Ação Penal 470, a citada Cármen Lúcia, do
STF, passou um carão em advogados presentes no plenário, pedindo respeito à
lei, que proíbe tal prática, de que os políticos se querem ver liberados, mas
ainda incriminando empresários que a violem. A criminalização faz-se necessária
para atingir ex-políticos, candidatos derrotados e partidos. O relator, Ônix
Lorenzoni, manteve-a no parecer que apresentou, mas avisou que parlamentares
poderão alterar seu texto final para anistiar quem praticou o delito antes da
vigência da lei, com base no princípio constitucional de que norma penal nunca
pode retroagir contra o réu.
Já foi ensaiada uma
tentativa malandra de aprovar a infâmia, mas, denunciada e derrotada, ela foi
declarada órfã e abandonada. Sabe-se, porém, que o pai desnaturado se chama
André Moura, conhecido na Câmara como André Cunha no reinado de Eduardo Cunha,
de quem foi vassalo. Agora líder do governo, ao agir ele põe em dúvida as juras
de amor de Temer à Operação Lava Jato.
'É preciso estar atento' para evitar que a
operação abafa imponha 'mais do mesmo' em matéria de impunidade no Brasil,
disse à Folha o ministro do STF Luiz Roberto Barroso, cônscio da quantidade de
interesses feridos pela Lava Jato. Se o líder do governo continuar conspirando
a seu favor, será o caso de perguntar se Temer não pratica o menos do mesmo do
que fazia Dilma.
O Estadão
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