Procuradores
criticam proposta que prevê anistia a executivos de empresas acusadas de
Corrupção que celebrarem acordo de leniência
Os procuradores da
República que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba
afirmaram ontem ver uma nova ofensiva no Congresso para “enterrar
investigações” e anistiar executivos de empresas acusadas de Corrupção. Segundo
eles, uma proposta que muda a regra para acordos de leniência – espécie de
delação premiada para as companhias – abre brecha para livrar executivos de
punição penal. “Significa que, se uma empreiteira que teve os executivos
condenados fizer um acordo com o Executivo, nos termos desse projeto, mesmo
presos e já condenados, eles terão sua punibilidade extinta, serão
imediatamente soltos por não terem mais responsabilidade por crime algum”,
disse o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da
força-tarefa, em Curitiba. “Querem enterrar a Lava Jato”, completa. A proposta
em questão está em um projeto substitutivo em elaboração pelo líder de governo
na Câmara, André Moura (PSC). A medida altera a Lei Anticorrupção, que vigora
desde 2014, para incluir várias regras de interesse de empreiteiras
investigadas na Lava Jato.
Algumas se assemelham
às da medida provisória 703, editada pela presidente cassada Dilma Rousseff no
fim de 2015 e que já foi alvo de críticas da força-tarefa de Curitiba, sob o
argumento de que favorecia empresas e executivos corruptos. O texto expirou
neste ano, sem ser convertido em lei pelo Congresso. Até aqui, o Ministério
Público Federal aponta 28 empreiteiras que teriam se organizado em cartel, ou
foram beneficiadas por ele para desviar recursos da Petrobrás. Construtoras
como a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa já confessaram os crimes praticados
por seus executivos – que fecharam acordos de delação premiada – e firmaram
acordo de leniência com a Procuradoria. Só a Andrade concordou em devolver R$ 1
bilhão aos cofres públicos. Segundo os procuradores, a proposta abre
possibilidade também para que empreiteiras recebam de volta bens bloqueados e
os valores já ressarcidos aos cofres da Petrobrás. “(A aprovação da proposta)
impactaria todo o cenário de negociação de acordos de leniência que pode
implicar no desinteresse das empresas em trazer novos fatos e informações de
provas sobre crimes não descobertos”, afirmou o procurador Deltan Dalagnoll,
coordenador da Lava Jato em Curitiba.
A preocupação é
também com um possível efeito dominó que a “anistia” poderia provocar nas
delações premiadas, fechadas com pessoas físicas. “Por que fazer acordo, se
você pode conseguir esse mesmo benefício através de uma acordo de leniência
feito pela sua empresa?”, questionou Lima. Os procuradores afirmam que não é a
primeira tentativa de alterações legais com objetivo de atingir as
investigações sobre Corrupção no País. Eles citam outros exemplos, como o
projeto que muda a Lei de Abuso de Autoridade, a possibilidade de anistia ao
caixa 2 eleitoral e a intenção de incluir parentes de políticos no programa de
repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior. Ajustes. O
anteprojeto foi apresentado ontem a órgãos de investigação do governo, como
Tribunal de Contas da União (TCU) e Procuradoria, pelo líder do governo e pelo
ex-deputado Sandro Mabel, um dos principais assessores do presidente Michel
Temer. Ontem, porém, o deputado negou ao Estado ser o autor da medida. “A Lava
Jato fez uma (entrevista) coletiva de um texto que não existe.
Não conheço nenhum
relatório”, afirmou. O texto, que não havia sido apresentado oficialmente até o
a noite de ontem, foi distribuído apenas em papel pela liderança do governo às
demais bancadas da Câmara, segundo deputados. Um deles disse que recebeu o
material do próprio Moura. A minuta do substitutivo, obtida pelo Estado, diz
que os acordos serão celebrados pelo Ministério da Transparência e
Controladoria-Geral da União, órgão de controle interno do governo, e as pastas
correspondentes de cada ente da Federa- ção. Eles poderão assiná-los sozinhos
ou em conjunto com o Ministério Público e a advocacia pública – no caso do
governo federal, a Advocacia-Geral da União (AGU). Moura e Mabel participaram
das negociações que envolveram empresários, centrais sindicais e ministros do
TCU, que pleiteiam participação nas negociações.
Na reunião com
entidades no Planalto, o ministro da Transparência, Torquato Jardim, defendeu
que o TCU seja contemplado. “A Constituição obriga (a participação do TCU)”,
disse. Questionado se o governo encampou o projeto, ele disse não saber e
afirmou que, no encontro, só tratou na questão que envolve a participação de
órgãos com “competência constitucional” para celebrar os acordos. Substitutivo.
Além de dar margem para que empresários se livrem de ações penais e de
improbidade, com extinção de punibilidade após acordo de leniência, a minuta do
substitutivo traz outras regras que limitam possibilidades de investiga- ção e
de cobrança de prejuízos às pessoas jurídicas. Suprime, por exemplo, o trecho
que exige a celebração do acordo apenas com a primeira empresa que manifestar
interesse. Assim, outras envolvidas nas mesmas ilegalidades poderão ser
contempladas e obter benefícios.
A primeira
proponente passa a ter o direito a 100% de abatimento na multa prevista na lei,
de até 20% do faturamento. As demais poderão obter perdão de até dois terços da
sanção. Para o advogado especialista em leniência, Walfrido Warde Júnior, a
proposta esbarra numa questão legal. “Ela quer atribuir à CGU o poder de
transacionar sobre a ação penal. E a CGU não tem esse poder”, disse. Em sua
opinião, o projeto repete outras tentativas frustradas de, segundo ele, “cassar
por meio de uma lei ordinária a competência constitucional do MP, que é o autor
da ação de improbidade e da ação penal”.
PROJETOS ‘NA MIRA’
Lei de Abuso de
Autoridade O projeto que tramita desde 2009 e foi desengavetado neste ano pelo
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), prevê punição em casos como
publicidade de investigação antes de ação penal ou por constrangimento causado
por depoimento sob ameaça de prisão.
Anistia para caixa
2 Proposta que tipifica no Código Penal a prática do caixa 2 eleitoral, na
visão de alguns parlamentares, pode abrir brecha para anistiar quem cometeu a
irregularidade antes da aprovação da nova regra.
Repatriação de
recursos Novo projeto que tinha como objetivo alterar o programa de repatriação
de recursos enviados ilegalmente ao exterior previa incluir familiares de
políticos como beneficiários da medida. Sem acordo entre parlamentares da base
e da oposição, a proposta não avançou. No texto aprovado na Câmara, emenda
proíbe a participação de parentes de políticos.
Anistia a
executivos em caso de acordo de leniência Medida ainda em discussão prevê a
extinção da punibilidade penal a executivos de empresas acusadas de Corrupção
que fecharem acordos de leniência.
Por Ricardo Brandt
/ Fábio Fabrini, em O Estado de S. Paulo
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