Já que a impunidade lhe é garantida,
todo figurão avança um pouquinho na oportunidade da malandragem
O
sinal de que os três Poderes da República não temem mais a possibilidade da
punição na boca da urna foi dado nos dias 3, 4 e 5 deste mês, quando o
Congresso Nacional criou o Fundo de Financiamento para Campanha, fazendo a
única concessão de trocar a insultada “democracia” pela descrição factual do
objetivo do dinheiro farto – ou melhor com piso e sem teto – para bancar as
certamente bilionárias campanhas eleitorais com dinheiro tungado do
contribuinte. Na mesma ocasião, a turma reunida ao abrigo da cumbuca virada e
da tigela emborcada concedeu a seus membros a mercê de pegar dinheiro
emprestado dos cofres da viúva e se comprometer a pagar (o que não quer dizer
que pagarão) as dívidas com a União, ou seja, o conjunto espoliado do povo
brasileiro. Logo em seguida, em votação decidida por um voto na coluna do meio
da presidente das belas frases vazias e do Supremo Tribunal Federal (STF),
Cármen Lúcia, o Judiciário devolveu aos nada insignes, mas também nada
insignificantes parlamentares o poder de tornarem seu foro um superprivilégio
de intocáveis.
Antes
disso, o Executivo, do alto de seu poder monárquico, havia recorrido aos
expedientes de rotina para garantir a imunidade com pê no meio para seu chefe,
concluído o processo de esvaziamento dos cofres de todos os receptáculos do
suado e amarfanhado dinheiro escorchado dos contribuintes – a parte que sobrou
do saque promovido por seus dois aliados de antanho, Luiz Inácio Lula da Silva
e Dilma Janete Vana Rousseff Linhares – para comprar com discrição zero o apoio
de um terço dos deputados federais para que ele permaneça no poder. Não se
trata, é claro, de algo inusitado; Nem sequer original. A prática vem de tempos
idos e certamente será repetida em dias ainda não vividos por governos de todas
as origens e regimes de todas as confissões de fé ideológica. Nem sempre foram
bem-sucedidos. Nunca são aceitáveis, sob nenhum ponto de vista que contemple
não apenas o civismo, mas a mais comum das manifestações de honestidade
pessoal. O governante que compra votos de congressista age de forma mais
perversa e maligna para a democracia do que o faziam os coronéis da Guarda
Nacional no Império e na República Velha com a prática malsã das eleições de
bico de pena.
Nem
sempre essa distorção fatal para a democracia demanda recursos ou mesmo saliva
dos poderosos do momento. Paulo Abi-Ackel e Bonifácio José Tamm de Andrada,
ambos deputados do aprisco do senador Aécio – neto de Tancredo Neves, que foi
ministro da Justiça no governo democrático de Gegê Vargas, primeiro-ministro no
golpe parlamentarista de 1961 e canonizado pelo povo quando se encarregou de
conduzir a Nova República – têm uma longa folha corrida de bons serviços
prestados aos poderosos de ocasião. O relator da primeira denúncia de Rodrigo
Janot contra Temer é mais um exemplo de que também nesta Novíssima República
nacional quem sai aos seus não “regenera”. Filho de Ibrahim Abi-Ackel, ministro
da Justiça em plena vigência da Republica da Injustiça posta a serviço dos
tecnocratas pelos militares, o deputado tucano mineiro não se fez de rogado
quando encarregado de produzir o relatório alternativo para substituir o
peemedebista do contra Sérgio Zveiter. Bonifácio, xará e aparentado do
Patriarca da Independência, sempre candidato a mais ilustre brasileiro de todos
os tempos, nunca se negou a votar contra o povo e a democracia: em sua longeva
passagem pela Câmara dos Deputados, ajudou a derrotar a emenda Dante de
Oliveira, que restabeleceria as eleições diretas para presidente, e preferiu
Paulo Maluf (hoje fiel aliado de Temer, como antes já o fora de Lula) a
Tancredo no Colégio Eleitoral, sempre à sombra do, este sim, nobre parente,
cuja fotografia orna seu gabinete, mas cujo exemplo não é honrado em seu
desempenho parlamentar. A desonra, aliás, não se limita aos aspectos políticos
e éticos. Seu relatório é um documento à altura do libelo acusatório inepto e
insólito do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, também originário
das Alterosas.
A
inépcia de acusação e defesa, travestida de relatório, contudo, nada tem que
ver com a derrota, sempre dada como líquida e certa, da segunda tentativa de
denúncia contra o presidente da República, por organização criminosa e
obstrução da Justiça. A margem de votos a favor do morador do Jaburu e ocupante
do Planalto deve-se exclusivamente às manobras de manutenção do mandato do
chefe do governo a qualquer custo. Os banquetes em palácio ou na casa de leais
aliados, a distribuição de cargos e benesses e o cumprimento da obrigação legal
de pagamento de emendas orçamentárias foram mais uma vez usados, não porque o
hábito do cachimbo entorta a boca, mas principalmente porque esse é o meio mais
eficaz de levar rapidamente a mão à boca para comer e consentir.
Desta
vez, contudo, a história será mal contada se não contiver os novos elementos
que o vice de Dilma no posto a que ascendeu, mas que nunca usurpou, como
garantem os antigos aliados, que nele votaram e hoje o chamam de golpista,
acrescentou à rica em casos e pobre em méritos história da celebração de
malfeitos em nome da democracia. No Brasil de hoje, em que há bens que vêm para
o mal, em mais uma distorção dos bons ditos da sabedoria popular, aos
responsáveis pelo maior orgulho da produção nacional – a agroindústria,
corretamente comparada com a galinha de ovos de ouro num chiqueiro povoado de
gambás – atribui-se também uma ignomínia histórica. Há uma grita geral, que não
se limita à esquerda e à oposição, contra o que se considera uma espécie de
descumprimento da Lei Áurea, com a qual a princesa regente aboliu a
escravatura. A tal portaria do Ministério do Trabalho modificando a
caracterização de trabalho escravo não tem tanta importância. Nem valor.
Trata-se apenas de mais uma malandragem para a conquista de votos na Câmara e
só isso a desqualifica. Tratar de assunto tão delicado e de tais proporções em
portaria de um ministério composto da forma como foi o atual é apenas uma
molecagem. E a quem não perdoa a irreverência do escriba este aconselha a rever
o que o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, um dos príncipes da
agroindústria e da equipe de Temer, comunicou ao distinto publico com palavras
claras, curtas e simples, por que sua categoria tanto se orgulha da decisão:
“Aí, nós nos aproveitamos da ocasião”. A ocasião, que no caso faz o pavão, era
a necessidade de contar com os 200 votos atribuídos à bancada dita ruralista
para se livrar da flechada do bambu podre de Janot. Precisa mais?
Não
precisava, mas houve. Na certa por não dispor mais de dinheiro para distribuir
a mancheias, o dr. Temer, que se orgulha de ter know how em
lidar com bandidos do Primeiro Comando da Capital (PCC) à época em que que foi
secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, assinou no fim de
semana decreto que reduz em 60% o valor das multas contra crimes ambientais. Os
40% restantes poderão ser pagos com projetos de reflorestamento. Numa
declaração em que demonstrou sua dificuldade em argumentar, o ministro do Meio
Ambiente, José Sarney Filho, comemorou o feito, dizendo no discurso da
solenidade que os ricos constituem advogados e não pagam multas, que só são
honradas pelos pobres. Não é uma gracinha o militante da justiça social
Zequinha do Zé de Ribamar? Apois!
Mas
isso ainda não é tudo. Nesse ínterim, o dr. Michel assinou um pacto a fio de
bigode com Valdemar da Costa Neto, o Boy, desistindo da privatização do
aeroporto de Congonhas; em São Paulo, para mantê-lo sob controle do PR de um
condenado no mensalão que, mesmo proibido de exercer cargo público por estar
cumprindo pena, manda na Infraero. Temer, que até hoje não explicou por que
recebeu Joesley Batista, atualmente preso, não se deu ao trabalho de justificar
a desistência da privatização do segundo aeroporto mais rentável do País. E a
oposição, que o acusa de golpista, ainda não se interessou em discutir
seriamente o que há de indigno nessa volúpia do partido de um condenado pela
indústria da aviação civil.
É,
amigos, este Brasil da mão que empunha a faca direto para a boca que mastiga é
mesmo duro de engolir.
José Nêumanne, no Blog do
Nêumanne
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A arte de escrever bem
Escrever é uma necessidade vital, um fundamento sem o qual a comunicação perde em substância.
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