Modus operandi: Harvey Weinstein, como Bill Clinton, ficou tão poderoso que perdeu a noção de perigo (Nick Elgar/ImageDirect/Getty Images) |
Grandes escândalos sexuais envolvendo
poderosos têm um traço em comum: a facilidade com que vítimas ficavam a sós, no
quarto, com predadores
Angelina
Jolie ficou sozinha com Harvey Weinstein no quarto. Ele fez um avanço, pediu
uma massagem, ela recusou. “Decidi nunca mais trabalhar com ele e avisar outras
quando fizessem isso.” Não se sabe quem ela avisou, mas não faltaram “outras”
que subiam à suíte no Peninsula, em Beverly Hills, um dos hotéis que ele
usava como base.
Era esperta,
desafiadora e acostumada ao mundo do cinema – o pai dela é o ator Jon Voigt. Outra
filha de nomes conhecidos em Hollywood que passou por um apuro semelhante é
Gwyneth Paltrow. A mãe é a eternamente conservada atriz Blythe Danner, o pai
foi um produtor conhecido, Bruce Paltrow. É afilhada de Steven Spielberg.
Numa notável
coincidência, Gwyneth contou sobre o assédio para seu namorado na época, Brad
Pitt. Anos depois, ele se casaria com Angelina Jolie. Pitt deu um aperto no
poderoso produtor da Miramax, uma fábrica de produzir Oscars.
Um aperto muito de
leve, uma vez que depois do episódio ainda faria dois filmes produzidos por
Weinstein. Duas mulheres com quem ele dividiu a intimidade haviam sido
assediadas grosseiramente, mas alguma coisa falou mais alto.
O toque de Midas de
Weinstein tinha um poder quase hipnótico. Muitas jovens atrizes podem ter sido
surpreendidas pelas investidas grosseiras dele, mas a certa altura todo mundo
sabia o que significa “ir até a suíte”.
A linda Kate
Beckinsale disse que conseguiu sair ilesa de cinco visitas desse tipo. Quem vai
a cinco encontros que sabe como vão terminar? É uma aposta. A francesa
Léa Seydoux também entendia a jogada do “drinque na suíte”.
“Era difícil dizer
não porque ele era tão poderoso. Todas as meninas tinham medo dele”, escreveu
ela. “Logo a assistente saiu e ficamos só nós dois. Foi aí que ele começou a
perder o controle.”
Apesar do assédio,
Gwyneth Paltrow também continuou fazendo filmes bem sucedidos com o homem que a
havia tirado da massa de lindas, jovens e talentosas atrizes para o topo das
“oscarizadas”.
Pelo menos 30
mulheres já deram depoimentos sobre assédio contra Weinstein, desde uma abusada
passada de mão até a violação completa. O FBI está investigando se pode abrir
um processo por estupro em pelo menos três casos.
Um deles é o de
Asia Argento, uma atriz italiana que, aos 21 anos, foi levada para uma festa da
Miramax. Festa de Um só: Harvey Weinstein. No mesmo ritual, pediu uma massagem.
Agarrou-a e fez sexo oral forçado.
A história fica
mais estranha ainda. Asia, que hoje namora o chef Anthony Bourdain, passou a
ter um caso consensual com Weinstein. E tem mais: depois, ela dirigiu um filme
em que um produtor estupra uma atriz. Weinstein achou graça.
Como uma daquelas
séries que tem no mínimo três guinadas por capítulo, a trama fica cada vez mais
enrolada. O depoimento de Asia Argento, entre outras, aparece numa reportagem
da revista New Yorker escrita por Ronan Farrow.
Ele é o filho
biológico da atriz Mia Farrow e do diretor Woody Allen, protagonista do maior
escândalo sexual de Hollywood até a eclosão do caso Weinstein. Allen teve um
caso secreto, depois assumido e finalmente sacramentado em cartório com a filha
de Mia, Soon-Yi, adotada na Coreia do Sul.
Mia depois acusou
Allen de ter abusado de outra filha adotiva, Dylan, quando tinha apenas sete
anos. O mundo do cinema se dividiu em duas partes: uma, majoritária, que achava
que era tudo vingança de Mia, que está bem longe de parecer uma pessoa equilibrada.
A outra nem abriu a boca.
Woody Allen de
alguma maneira era como Harvey Weinstein: um homem capaz de projetar uma atriz
banal para o universo rarefeito das protagonistas de seus filmes. E de usar sua
reputação profissional para tentar conquistar mulheres lindas que, em
circunstâncias normais, sequer olhariam para eles.
Nenhuma atriz
convidada disse não, mesmo depois que Dylan, já adulta, escreveu um artigo no
New York Times com detalhes sórdidos.
O caso Weinstein já
entrou na fase dos desdobramentos. A Amazon colocou em licença o diretor de
seus estúdios, Roy Price, acusado pela atriz Rose McGowan de ter ignorado o
relato que ela fez dos avanços de Weinstein.
Ben Affleck
condenou em termos bem cuidadosos o comportamento de Weinstein – e
imediatamente foi acusado de ser do mesmo tipo “mão boba”. Uma maquiadora deu
detalhes de um episódio.
Os dois maiores
escândalos sexuais na política nos últimos tempos, o de Bill Clinton e o de
Dominique Strauss-Khan, envolveram exatamente o mesmo tipo de
comportamento.
Clinton costumava
entrar em qualquer ambiente já procurando a mulher que ia atacar. Na maioria
dos casos, elas concordavam alegremente com os avanços do político
carismático e bonitão, mas houve denúncias de abuso e violência.
A mais conhecida
envolve uma mulher hoje com 74 anos, Juanita Broderick. Ela diz que queria
colaborar com a campanha dele, marcaram um encontro e ele sugeriu subir ao
quarto dela. A própria Juanita reconhece que foi absurdamente ingênua.
Os casos de Clinton
foram todos expostos, em detalhes constrangedores, quando o episódio com a
estagiária Monica Lewinsky quase o derrubou.
Acusado de estuprar
uma camareira num hotel em Nova York, Dominique Strauss-Khan perdeu o cargo de
diretor do FMI e a chance considerada garantida de ser eleito presidente da
França.
Como Clinton,
Strauss-Khan se jactava de entrar em qualquer lugar, mirar numa mulher e mandar
mensagens de texto que conduziam direto para o sexo consensual.
Todas as atrizes
que agora estão denunciando as atitudes agressivas de Harvey Weinstein
demonstram um modus operandi muito parecido. Achavam que conseguiriam controlar
a situação sem criar animosidade com um dos produtores mais poderosos do mundo.
É uma barganha
que muitas mulheres fazem em outras situações. Pena que, justamente em
Hollywood, ninguém tenha se lembrado da habilidade de Sharon Stone com um
picador de gelo em Atração Fatal.
Por Vilma Gryzinski, na Veja.com.br
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