sexta-feira, 6 de julho de 2018

Final quase feliz para direitos autorais na UE

Projeto de lei poderia inadvertidamente fortalecer ainda mais grandes empresas da internet.

Parlamento Europeu abandona por enquanto planos para reformar leis de copyright no bloco. Essa é uma boa notícia, mas ainda é cedo para respirar aliviado, opina o jornalista Martin Muno.
Quando organizações de direitos civis e ciberativistas se unem ao inventor da World Wide Web, Tim Berners-Lee, e ao fundador da Wikipédia, Jimmy Wales, e a outros representantes do setor cultural da internet para combater um projeto de lei da União Europeia, o melhor que os usuários da internet podem fazer é prestar atenção.
Se esses protestos atraem também a indústria da internet – representada pela associação alemã Bitcom –, a gigante Google, cientistas de toda a Europa e finalmente a ministra alemã para a Digitalização, Dorothee Bär, é perigo na certa.
E quando essa ministra manifesta suas preocupações sobre os efeitos desse projeto de lei sobre a sociedade civil, não deve mais restar nenhuma dúvida.
De que se trata? O Parlamento Europeu tinha diante de si o projeto de lei de uma reforma sobre os direitos autorais. Dois pontos se mostraram altamente controversos: um copyright complementar para empresas de mídia e filtros de upload para serviços como o YouTube e similares.
A lei complementar de copyright prevê que mecanismos de busca como o Google não poderiam mais exibir títulos e trechos de textos jornalísticos sem a permissão das editoras. O objetivo é que as empresas de mídia, como proprietárias dos textos jornalísticos, tenham alguma participação nas receitas com publicidade da Google.
A ideia em si é boa, mas não funciona. Na Espanha, por exemplo, lei semelhante já foi introduzida. A Google acabou desativando seu serviço Google News para escapar de pagar as empresas pelo conteúdo. O resultado: a audiência da mídia espanhola desabou – assim como a receita publicitária.
Ainda mais dramático era o plano de aumentar a responsabilidade das plataformas de vídeo sobre o conteúdo publicado por seus usuários por meio da instalação de filtros de upload. Com esses filtros seria possível verificar, já na hora do upload, se o conteúdo em questão estaria protegido por copyright. Só que esses filtros não bloqueariam apenas violações sérias, mas também conteúdos que entretêm milhões de usuários todos os dias, como memes e mashups (músicas e vídeos criados a partir da mistura de outros).
Assim, vídeos que mostram montagens de Neymar rolando por diversos cenários do mundo acabariam sendo barrados, assim como gifs de cenas cinematográficas. Até mesmo a Fundação Wikipédia soou alarme: ela temia que mesmo seus arquivos de mídia fossem vítimas dos filtros.
Certo, pode-se argumentar que é possível viver sem tudo isso. Mas há objeções mais sérias aos filtros de upload. A mais grave: tais filtros podem em último caso conceder poder de decisão para provedores e plataformas sobre o que podemos ver na internet – e o que não podemos. E se violações de copyright são filtradas tecnicamente, o próximo passo pode ser a censura política.
Inconcebível? Na China, a Google chegou a trabalhar com as autoridades locais responsáveis pela censura. Tudo para não colocar em risco sua presença no país. Tecnicamente, não foi um problema.
O outro argumento contra os filtros de upload é que pequenas plataformas não têm como arcar com recursos tecnicamente tão complexos. O sistema mais difundido, chamado Content ID, foi criado por quem? Isso mesmo: a Google. Com os filtros de upload, grandes empresas acabariam se fortalecendo ainda mais, ao invés de serem enfraquecidas, como era a intenção da lei europeia de copyright.
É uma boa notícia que o Parlamento Europeu tenha abandonado essa loucura. Mas a lei ainda não está inteiramente descartada. Em setembro os eurodeputados deverão voltar a analisar o rascunho e sugerir emendas. Estas teriam que ser substanciais – e não apenas cosméticas – na questão dos direitos autorais e dos filtros de upload.
Deutsche Welle


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