Emmett Till visitava a família no Mississippi quando foi brutalmente assassinado |
Quando a mãe do adolescente
americano Emmett Till, Mamie, exigiu que o filho fosse velado em um caixão
aberto, ela queria que a imagem do corpo mutilado e irreconhecível do jovem
negro de 14 anos despertasse o público para a violência racial que
assolava os Estados Unidos.
O linchamento de Till, em
1955, ainda hoje é considerado um dos crimes mais chocantes do país. Milhares
de pessoas acompanharam seu funeral, e fotografias de seu rosto desfigurado
percorreram o mundo, geraram protestos e ajudaram a galvanizar o movimento
pelos direitos civis.
Os dois homens brancos
acusados de sequestrar, torturar e matar Till foram absolvidos, e mesmo após
confessarem o assassinato em uma entrevista posterior, morreram sem nunca terem
sido condenados.
Agora, mais de seis décadas
depois, o governo americano reabriu as investigações sobre o caso.
Em relatório entregue ao
Senado em março, mas divulgado somente nesta semana, após reportagem da agência
de notícias AP, o Departamento de Justiça revelou as investigações devido ao
surgimento de "novas informações".
O relatório
não fornece detalhes sobre as novas pistas, e o Departamento de Justiça afirma
que não vai comentar o caso por causa da investigação em andamento. Mas,
segundo um livro publicado no ano passado, a mulher no centro do episódio que
desencadeou o crime mudou sua versão dos fatos e confessou ter mentido sobre o
que ocorreu.
Linchamento
Nascido e criado em Chicago, Till viajou em 1955 para
visitar familiares em Money, pequena cidade na zona rural do Mississippi,
Estado no sul do país que na época mantinha rígidas leis de segregação racial.
Em 24
de agosto daquele ano, três dias após chegar à cidade, ele foi a um mercado
local comprar balas. A mulher do proprietário, Carolyn Bryant, que é branca e
tinha 21 anos na época, acusou Till de ter assobiado, falado obscenidades e a
agarrado pela cintura.
Quatro dias depois, o marido de Carolyn, Roy Bryant, e
seu meio-irmão, J.W. Milam, entraram na casa onde Till estava hospedado e o
arrancaram da cama no meio da madrugada.
O adolescente foi brutalmente espancado e torturado
antes de levar um tiro na cabeça. O corpo foi jogado em um rio e encontrado
três dias mais tarde.
Linchamentos de negros não eram incomuns no sul dos Estados Unidos na
década de 1950 e raramente eram punidos.
Segundo dados da Associação Nacional para o Progresso
de Pessoas de Cor (NAACP), uma das mais influentes organizações de direitos
civis do país, entre 1882 e 1968 foram registrados 4.743 linchamentos. Em 3.446
deles, as vítimas eram negras. Entre as vítimas brancas, muitas foram linchadas
por ajudar negros.
Nova versão
Roy Bryant e Milam foram acusados do crime, mas
rapidamente absolvidos por um júri composto apenas de homens brancos.
Meses depois, em entrevista a uma revista, ambos
confessaram o assassinato e disseram que sua intenção era apenas assustar Till
e colocá-lo "em seu lugar", mas que o jovem reagiu com insolência.
"O que mais poderíamos fazer?", questionou Milam.
Milam morreu em 1980 e Bryant em 1994, sem nunca terem
sido condenados.
Em 2008, após décadas de silêncio, Carolyn Bryant,
agora usando o sobrenome Donham, deu uma entrevista ao historiador Timothy
Tyson em que contradisse seu testemunho no caso e negou que Till tenha feito
avanços verbais ou físicos contra ela.
"Essa parte não é verdade", disse ela,
segundo Tyson. "Nada do que aquele menino fez jamais poderia justificar o
que aconteceu com ele."
A entrevista
só foi revelada no ano passado, quando Tyson publicou o livro The Blood of Emmett Till ("O
Sangue de Emmett Till", em tradução livre) e gerou especulações de que
Carolyn deveria responder por sua participação no crime.
Esta não é a primeira vez que o caso é reaberto. Em
2004, o Departamento de Justiça retomou as investigações para determinar se
havia outros envolvidos. O corpo de Till chegou a ser exumado, mas o caso não
foi levado adiante.
Reações
Familiares de Till disseram que a notícia da nova
decisão do Departamento de Justiça é "maravilhosa", mas não quiseram
comentar para não prejudicar as investigações.
O ativista de direitos civis Jesse Jackson reagiu pelo
Twitter: "Em memória de #EmmettTill e milhares de outros homens, mulheres
e crianças negras linchados, nós devemos finalmente aprovar uma lei antilinchamento",
disse.
Três senadores negros apresentaram recentemente um
projeto de lei para classificar linchamentos como crime federal. Segundo os
parlamentares, mais de 200 propostas do tipo foram apresentadas na primeira
metade do século passado, sem sucesso.
Um projeto semelhante foi introduzido na Câmara no
último mês pelo deputado Bobby Rush, que representa o distrito onde Till está
enterrado. No ano passado, após a publicação do livro, Rush pediu ao secretário
de Justiça, Jeff Sessions, que reabrisse o caso.
"Estou
feliz em ver o governo federal dar prosseguimento a este pedido. Este caso não
é apenas criticamente importante pelo papel que teve em desencadear o movimento
de Direitos Civis, mas para que Emmett e sua família recebam a justiça que lhes
é devida. É vital que todos - tanto vítimas quanto autores - saibam que crimes
hediondos dessa natureza nunca permanecerão impunes", disse Rush em
comunicado nesta quinta-feira.
Gesto simbólico
No entanto, alguns consideram a reabertura das
investigações, tantas décadas depois, um gesto apenas simbólico e que ignora a
violência racial ainda presente no país, especialmente em casos de brutalidade
policial contra negros.
"O secretário Sessions já deixou claro que não
tem intenção de levar adiante as investigações sobre violência e discriminação
policial contra negros que foram iniciadas durante o governo de Barack
Obama", disse à BBC Brasil o historiador Matthew Countryman, professor da
Universidade de Michigan.
"Com isso, o Departamento de Justiça se posiciona
como preocupado com violência racial no passado, enquanto não age para resolver
a violência no presente."
Por Alessandra
Corrêa, na BBC