O sociólogo espanhol Manuel Castells, de 76 anos, é um dos maiores estudiosos
das transformações sociais causadas pela internet e pela vida na rede. Ele diz
que as sociedades precisam “ter paciência histórica para conviver com o caos
por algum tempo”
O sociólogo espanhol prevê que teremos de aprender a conviver com o caos
1. Em seu novo livro, Ruptura, o senhor afirma que a ruína do sistema político no Brasil, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o Brexit no Reino Unido e a eleição de Emmanuel Macron na França apontam para o mesmo fato: a crise da democracia liberal no mundo. Por que o senhor sustenta essa opinião?
Isso não é uma opinião. É uma observação baseada numa pesquisa. Existe uma crise semelhante em todos os países em diferentes contextos, e por isso devemos explicá-la. A explicação, baseada na pesquisa, está em meu livro.
2. A crise do sistema político brasileiro se deve a ações da Justiça e do Ministério Público, que na história brasileira nunca foram tão fortes, e a uma imprensa independente. Não podemos ver a crise dos partidos políticos no Brasil mais como uma consequência do amadurecimento das instituições políticas?
Em primeiro lugar, não penso que as instituições brasileiras sejam nem mais fortes nem mais independentes que as instituições similares da Europa Ocidental ou dos Estados Unidos. É plausível a ideia de que muitos grupos de mídia no Brasil sejam menos independentes do que a BBC, o Le Monde ouo New York Times. Na realidade, eles frequentemente são mais partidários e ligados a grupos de pressão política do que em outros países. Esse é o caso também de um Judiciário altamente político. Os grupos midiáticos contribuíram para uma perseguição ao presidente Lula muito mais intensa que a um Congresso com deputados processados em alta proporção. Os jornalistas brasileiros são profissionais e tratam de informar, mas suas empresas são dependentes de grupos econômicos com interesses políticos.
3. Bolsonaro pode ser uma espécie de Trump brasileiro?
Não. Bolsonaro é um fascista, parecido com Le Pen na França. Trump é simplesmente um populista.
4. Quais são os riscos de emergência de regimes ou líderes autoritários nos países ocidentais, à semelhança dos que existem na Rússia e na China e que estão surgindo em países da Europa Central, como Hungria e Polônia?
Há riscos em alguns países, mas não nos países principais, como o Reino Unido, a França, a Alemanha ou a Espanha. Na Itália, a Liga Norte é autoritária, mas não o Movimento Cinco Estrelas.
Os fatores fundamentais das crises têm sido o racismo, a xenofobia e o medo de perder o controle. E ainda a ilegitimidade dos partidos e da política tradicional por causa da corrupção e da falta de transparência
5. Esses riscos são mais altos na América Latina pela tradição de caudilhos e líderes autoritários?
Sim, esses riscos são mais altos, e vemos isso na Nicarágua ou na Venezuela. Tudo depende, no entanto, do processo político em cada país. No Brasil, existe um controle não democrático da política pelo Congresso, que é amplamente corrupto, contando com a colaboração de alguns integrantes do Judiciário. Mas todos os indicadores mostram que os brasileiros não estão dispostos a ter outra ditadura corrupta como a dos anos 1980.
6. Qual é o papel do marketing político e eleitoral na crise de legitimidade do sistema político?
Ele contribui para uma aceleração de tendências, mas as mensagens só são eficazes quando já há uma predisposição da opinião pública em receber essas mensagens.
7. O senhor vê algum efeito colateral da globalização na crise do sistema político no Brasil, que, historicamente, é um país muito desigual?
Em meu trabalho, mostrei que a globalização teve um papel pequeno nas crises dos Estados Unidos e do Reino Unido. Em ambos os casos, a economia estava indo bem. Os fatores fundamentais foram o racismo, a xenofobia e o medo de perder controle. Isso é o que os dados mostram. Além disso, há a crise de legitimidade dos partidos e da política tradicional por causa da corrupção e da falta de transparência da classe política. Essa é a razão por que o Brasil não é diferente. A crise política é o resultado de males do sistema político e da corrupção dos políticos, amplificados pela mídia.
8. Como a emergência das redes sociais, como o Twitter e o Facebook, contribuiu para a crise da democracia liberal?
Por um lado, elas aumentam a autonomia dos cidadãos e de movimentos sociais vis-à-vis o sistema político, deslegitimando assim abusos das instituições democráticas. Por outro lado, elas amplificam movimentos de desestabilização por parte de forças não democráticas, como o Movimento Brasil Livre financiado no Brasil pelos irmãos Koch (MBL), (Charles e David Koch, bilionários americanos que financiam movimentos conservadores de direita).
9. Uma greve de caminhoneiros em maio no Brasil paralisou o país e levou a uma situação caótica de desabastecimento nas grandes cidades. A greve não tinha uma liderança única e centralizada e foi organizada por WhatsApp. Devido a esse fato, o governo reagiu com perplexidade ao movimento e a situação levou alguns dias para se normalizar. O senhor pensa que esse será o “novo normal” em nossas sociedades?
Sim, movimentos e greves podem se auto-organizar e fazem isso em todas as sociedades. Mas movimentos são frequentemente iniciados por conspirações, como parece ter sido o caso no Brasil, que manipulam as queixas legítimas dos caminhoneiros.
10. O que pode ser feito para superar essa crise de legimitidade e recuperar a confiança nas instituições democráticas? Quais são as experiências em sociedades democráticas que podem servir de inspiração?
As políticas mudam de país para país, mas as duas medidas mais importantes são controlar a politização do Judiciário e a manipulação da política pela mídia. Isso exige um governo limpo surgido de novas eleições, seguido por um acordo por uma refundação constitucional da democracia. Talvez Portugal e Espanha estejam no caminho de construir novas democracias, mas esses países estão longe desse objetivo e estão submetidos a pressões extraordinárias.
11. No Brasil, estamos também na expectativa da emergência de uma nova ordem política, enquanto a velha política ainda não morreu. As próximas eleições são vistas como uma esperança de que isso ajude no nascimento de uma “nova política”. Mas, em seu livro, o senhor sugere que essa nova ordem pode nunca emergir. Nós temos de nos acostumar a viver no caos? Essa é a melhor perspectiva para o futuro?
Eu não disse isso. Disse que não vejo uma nova ordem emergindo. Apenas analiso o que vi em minha pesquisa. O que afirmo, com convicção, é que não há necessidade de uma nova ordem emergindo a curto prazo. E que nós devemos estar preparados para explorar e experimentar sem precisar correr para falsas soluções que costumeiramente levam a ditaduras demagógicas. Nós precisamos de uma paciência histórica para conviver com o caos por algum tempo.
O sociólogo espanhol prevê que teremos de aprender a conviver com o caos
1. Em seu novo livro, Ruptura, o senhor afirma que a ruína do sistema político no Brasil, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o Brexit no Reino Unido e a eleição de Emmanuel Macron na França apontam para o mesmo fato: a crise da democracia liberal no mundo. Por que o senhor sustenta essa opinião?
Isso não é uma opinião. É uma observação baseada numa pesquisa. Existe uma crise semelhante em todos os países em diferentes contextos, e por isso devemos explicá-la. A explicação, baseada na pesquisa, está em meu livro.
2. A crise do sistema político brasileiro se deve a ações da Justiça e do Ministério Público, que na história brasileira nunca foram tão fortes, e a uma imprensa independente. Não podemos ver a crise dos partidos políticos no Brasil mais como uma consequência do amadurecimento das instituições políticas?
Em primeiro lugar, não penso que as instituições brasileiras sejam nem mais fortes nem mais independentes que as instituições similares da Europa Ocidental ou dos Estados Unidos. É plausível a ideia de que muitos grupos de mídia no Brasil sejam menos independentes do que a BBC, o Le Monde ouo New York Times. Na realidade, eles frequentemente são mais partidários e ligados a grupos de pressão política do que em outros países. Esse é o caso também de um Judiciário altamente político. Os grupos midiáticos contribuíram para uma perseguição ao presidente Lula muito mais intensa que a um Congresso com deputados processados em alta proporção. Os jornalistas brasileiros são profissionais e tratam de informar, mas suas empresas são dependentes de grupos econômicos com interesses políticos.
3. Bolsonaro pode ser uma espécie de Trump brasileiro?
Não. Bolsonaro é um fascista, parecido com Le Pen na França. Trump é simplesmente um populista.
4. Quais são os riscos de emergência de regimes ou líderes autoritários nos países ocidentais, à semelhança dos que existem na Rússia e na China e que estão surgindo em países da Europa Central, como Hungria e Polônia?
Há riscos em alguns países, mas não nos países principais, como o Reino Unido, a França, a Alemanha ou a Espanha. Na Itália, a Liga Norte é autoritária, mas não o Movimento Cinco Estrelas.
Os fatores fundamentais das crises têm sido o racismo, a xenofobia e o medo de perder o controle. E ainda a ilegitimidade dos partidos e da política tradicional por causa da corrupção e da falta de transparência
5. Esses riscos são mais altos na América Latina pela tradição de caudilhos e líderes autoritários?
Sim, esses riscos são mais altos, e vemos isso na Nicarágua ou na Venezuela. Tudo depende, no entanto, do processo político em cada país. No Brasil, existe um controle não democrático da política pelo Congresso, que é amplamente corrupto, contando com a colaboração de alguns integrantes do Judiciário. Mas todos os indicadores mostram que os brasileiros não estão dispostos a ter outra ditadura corrupta como a dos anos 1980.
6. Qual é o papel do marketing político e eleitoral na crise de legitimidade do sistema político?
Ele contribui para uma aceleração de tendências, mas as mensagens só são eficazes quando já há uma predisposição da opinião pública em receber essas mensagens.
7. O senhor vê algum efeito colateral da globalização na crise do sistema político no Brasil, que, historicamente, é um país muito desigual?
Em meu trabalho, mostrei que a globalização teve um papel pequeno nas crises dos Estados Unidos e do Reino Unido. Em ambos os casos, a economia estava indo bem. Os fatores fundamentais foram o racismo, a xenofobia e o medo de perder controle. Isso é o que os dados mostram. Além disso, há a crise de legitimidade dos partidos e da política tradicional por causa da corrupção e da falta de transparência da classe política. Essa é a razão por que o Brasil não é diferente. A crise política é o resultado de males do sistema político e da corrupção dos políticos, amplificados pela mídia.
8. Como a emergência das redes sociais, como o Twitter e o Facebook, contribuiu para a crise da democracia liberal?
Por um lado, elas aumentam a autonomia dos cidadãos e de movimentos sociais vis-à-vis o sistema político, deslegitimando assim abusos das instituições democráticas. Por outro lado, elas amplificam movimentos de desestabilização por parte de forças não democráticas, como o Movimento Brasil Livre financiado no Brasil pelos irmãos Koch (MBL), (Charles e David Koch, bilionários americanos que financiam movimentos conservadores de direita).
9. Uma greve de caminhoneiros em maio no Brasil paralisou o país e levou a uma situação caótica de desabastecimento nas grandes cidades. A greve não tinha uma liderança única e centralizada e foi organizada por WhatsApp. Devido a esse fato, o governo reagiu com perplexidade ao movimento e a situação levou alguns dias para se normalizar. O senhor pensa que esse será o “novo normal” em nossas sociedades?
Sim, movimentos e greves podem se auto-organizar e fazem isso em todas as sociedades. Mas movimentos são frequentemente iniciados por conspirações, como parece ter sido o caso no Brasil, que manipulam as queixas legítimas dos caminhoneiros.
10. O que pode ser feito para superar essa crise de legimitidade e recuperar a confiança nas instituições democráticas? Quais são as experiências em sociedades democráticas que podem servir de inspiração?
As políticas mudam de país para país, mas as duas medidas mais importantes são controlar a politização do Judiciário e a manipulação da política pela mídia. Isso exige um governo limpo surgido de novas eleições, seguido por um acordo por uma refundação constitucional da democracia. Talvez Portugal e Espanha estejam no caminho de construir novas democracias, mas esses países estão longe desse objetivo e estão submetidos a pressões extraordinárias.
11. No Brasil, estamos também na expectativa da emergência de uma nova ordem política, enquanto a velha política ainda não morreu. As próximas eleições são vistas como uma esperança de que isso ajude no nascimento de uma “nova política”. Mas, em seu livro, o senhor sugere que essa nova ordem pode nunca emergir. Nós temos de nos acostumar a viver no caos? Essa é a melhor perspectiva para o futuro?
Eu não disse isso. Disse que não vejo uma nova ordem emergindo. Apenas analiso o que vi em minha pesquisa. O que afirmo, com convicção, é que não há necessidade de uma nova ordem emergindo a curto prazo. E que nós devemos estar preparados para explorar e experimentar sem precisar correr para falsas soluções que costumeiramente levam a ditaduras demagógicas. Nós precisamos de uma paciência histórica para conviver com o caos por algum tempo.
Por Guilherme Evelin, na Revista
Época