segunda-feira, 21 de outubro de 2019

O que é o Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo?



É uma modalidade de teatro de bonecos que agregou as características do espetáculo onírico, da improvisação e do humor cáustico - heranças da commedia dell’arte de origem italiana - e que mergulha no universo das comunidades, resgatando seus valores e tradições culturais, mobilizando suas populações para que consigam identificar seus problemas estruturais, de modo que, compreendendo-os, possam solucioná-los de uma forma solidária e participativa.

O Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo – TBMB - possibilita que a arte se incorpore ao cotidiano das pessoas; e os problemas concretos, os vivenciados no dia a dia sejam processados através de um tipo de reflexão “crítico-lúdica” que só o teatro consegue disponibilizar.

A reflexão crítica é um componente inerente a qualquer processo sustentável de transformação social. Sua estruturação científica, muitas vezes, a reveste de um formalismo hermético de difícil apropriação por parte das camadas populares. Esta é a razão da criação desta nova categoria, a reflexão “crítico-lúdica”, modalidade de retorno do pensamento sobre si mesmo, com vista a examinar mais profundamente o problema, abordando-o sempre sob o viés da cultura e das manifestações artísticas locais. No que se constitui em estratégia para que a comunidade exerça a reflexão e o raciocínio lógico sem abrir mão do prazer, alquebrando a sisudez dos procedimentos acadêmicos.

Por suas características intrínsecas, o Teatro de Bonecos Mané Beiçudo pode mesmo – no limite - se apresentar sem os bonecos porque a substância é a participação popular através do teatro, e pode ser que a comunidade estabeleça a opção de empregar a tecnologia prescindindo dos títeres, enfatizando a performance corporal dos atores ou, quem sabe, destacando a linguagem circense ou outras facetas do universo cênico.

Todavia, em sua manifestação mais completa, para que o TBMB se manifeste em inteiro teor, com toda a dimensão e expressividade que dele emana, há que se efetuar uma completa interação entre o teatro de atores expostos e o teatro de bonecos, entre os Espetáculos Satélites e o Espetáculo Mestre (novas categorias aqui preconizadas), entre os bonecos gigantes e os diminutos bonecos de luva, entre o teatro de rua e o teatro conformado na empanada, entre o resgate das manifestações artístico-culturais locais e a identificação e o processamento dos problemas objetivos da comunidade.

Desde a idade média, diversos estudiosos e encenadores têm realizado experiências e elaborado princípios que procuram conduzir a um teatro mais abrangente, que enseje maior aproximação entre os atores e a platéia. Alguns sugeriram mesmo a supressão da platéia partindo do pressuposto de que todos seriam transformados em atores. Outros, como Meyerhold, buscaram elementos na rua e no circo para aprofundar a interação. O fato é que um teatro que resgate as origens dionisíacas , as grandes festas carnavalescas em que o povo exerça intensa participação - ao invés de se comportar como espectador passivo - é um objetivo que vem de muito. Um objetivo também perseguido pelo TBMB.

Adotando um desenho estrutural que remonta a Plauto, Terêncio e à Commedia dell’arte, o Mané Beiçudo incorporou outras características e princípios, como seu arranjo produtivo exclusivo que radicaliza, ao limite, no ponto de distensão:

· a interação entre atores e espectadores, estimulando a platéia a intervir – de forma criativa e planejada – no universo cênico, como estratégia para qualificar seus processos de intervenção na realidade concreta. Desta forma os conteúdos são direcionados a promover uma participação-cidadã, destacando valores e princípios como a radicalização da democracia, a justiça econômica e social e a capacidade de promover intervenções individuais e coletivas na realidade local;

· a estética, direcionada à tradução das expressões culturais oriundas do imaginário popular, das tradições e dos valores locais;

· a instituição dos momentos de produção Ex-Ante, Ex-Cursus e Ex-Post - no que se denomina Fábrica Mané Beiçudo - estabelecendo uma ação continuada numa concepção do Espetáculo Permanente, sempre aberto, suscetível e ávido por inovações;

· a tecnologia de produção de bonecos, direcionada a valorizar a matéria prima disponível e abundante no local;

· a tecnologia de produção da dramaturgia, disponível para que a comunidade exercite a criação e a produção coletiva. Originando-se de uma questão problematizada, de uma situação-problema que impacta negativamente a comunidade, o texto dramático é estruturado.

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