Conta um dos mitos
freudianos que a humanidade, quando quadrúpede, lançava mão do olfato para
identificar o cio. Ao descobrir que o sexo podia ser praticado para além da
reprodução, no entanto, homens e mulheres se levantaram, afastaram-se do chão
e, com isso, potencializaram o olhar em detrimento do faro.
Se Freud utilizou os sentidos para explicar a passagem da condição animal para a humana através do erotismo, essas fronteiras são completamente ignoradas em "Border", longa premiado no último Festival de Cannes na seção Um Certo Olhar.
Dirigido pelo iraniano Ali Abbasi, chegou a ser considerado o filme mais esquisito de 2019.
Tina, uma fiscal de alfândega num porto da Suíça e protagonista da história, tem um faro sobre-humano capaz de flagrar a mentira, a vergonha e a culpa nas pessoas que cruzam a imigração.
Sua aparência é disforme e seus dentes, metidos numa boca que está sempre aberta, são pontiagudos e sujos. Tina tem afeição por insetos e o hábito de farejar, de modo animalesco, desde itens de supermercados a animais selvagens.
O filme, exibido e discutido nesta terça (8), encerrou o módulo 'Mal-estar na civilização e violência' do Ciclo de Cinema e Psicanálise, realizado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e pelo MIS (Museu da Imagem e do Som), com apoio da Folha.
"Todos nós somos um p ouco de outro planeta, e é muito difícil aceitar pessoas tão diferentes. A gente é mais humano quando consegue respeitar e é menos humano, mas demasiadamente humano, quando massacra aquilo que nos incomoda", afirmou a psicanalista Luciana Saddi, mediadora da conversa.
O filme, que transita entre a fantasia, o drama e o suspense sem se fixar em uma categoria, subverte padrões de comportamento, gênero, biologia e sexualidade em cenas que causam aversão.
"É uma dúvida que o diretor arrasta pelo filme todo: quais critérios a gente usa para avaliar uma pessoa como humana ou não? Eu não tenho a resposta e acho, inclusive, que nem ela [Tina] tem", comentou Naief Haddad, jornalista da Folha.
A cultura tem uma força de violência muito grande sobre Tina, avaliou o psicanalista Ricardo Trapé Trinca. "Ela cria marcas físicas e psíquicas que dizem 'você é uma aberração, você tem os cromossomos alterados'."
Em caso de pessoas que fogem aos padrões concebidos como a norma, a cultura é aquilo que lhes dá condições para que possam se reconhecer como são ou o que as impede de mostrar todas as suas potências? "Ambas as coisas", respondeu Trapé Trinca.
Ao questionar seu pai sobre as diferenças que observa em si, Tina frequentemente recebe respostas vagas. Entre outros debates sobre a violência que podem ser lidos na obra, Luciana Saddi destacou sua presença no âmbito da familiarização, que é uma das chaves do processo da análise psicanalítica.
"Todo processo de familiarização é muito violento, não importa se é uma adoção ou não, porque a gente é enquadrado numa cultura, numa ordem familiar ou cultural, e esse enquadro é sempre violento."
Um ato sexual, que ocorre em um momento-chave para a descoberta da identidade da personagem e é uma das passagens mais grotescas do filme, causou desconforto no público presente, que ficou inquieto nas poltronas.
"Eu senti uma estranheza, um mal-estar, inclusive falei 'nem sei se eu gostei'", comentou uma mulher da plateia durante o debate sobre "Border". "Depois, caindo as fichas, eu entendi a beleza."
Se Freud utilizou os sentidos para explicar a passagem da condição animal para a humana através do erotismo, essas fronteiras são completamente ignoradas em "Border", longa premiado no último Festival de Cannes na seção Um Certo Olhar.
Dirigido pelo iraniano Ali Abbasi, chegou a ser considerado o filme mais esquisito de 2019.
Tina, uma fiscal de alfândega num porto da Suíça e protagonista da história, tem um faro sobre-humano capaz de flagrar a mentira, a vergonha e a culpa nas pessoas que cruzam a imigração.
Sua aparência é disforme e seus dentes, metidos numa boca que está sempre aberta, são pontiagudos e sujos. Tina tem afeição por insetos e o hábito de farejar, de modo animalesco, desde itens de supermercados a animais selvagens.
O filme, exibido e discutido nesta terça (8), encerrou o módulo 'Mal-estar na civilização e violência' do Ciclo de Cinema e Psicanálise, realizado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e pelo MIS (Museu da Imagem e do Som), com apoio da Folha.
"Todos nós somos um p ouco de outro planeta, e é muito difícil aceitar pessoas tão diferentes. A gente é mais humano quando consegue respeitar e é menos humano, mas demasiadamente humano, quando massacra aquilo que nos incomoda", afirmou a psicanalista Luciana Saddi, mediadora da conversa.
O filme, que transita entre a fantasia, o drama e o suspense sem se fixar em uma categoria, subverte padrões de comportamento, gênero, biologia e sexualidade em cenas que causam aversão.
"É uma dúvida que o diretor arrasta pelo filme todo: quais critérios a gente usa para avaliar uma pessoa como humana ou não? Eu não tenho a resposta e acho, inclusive, que nem ela [Tina] tem", comentou Naief Haddad, jornalista da Folha.
A cultura tem uma força de violência muito grande sobre Tina, avaliou o psicanalista Ricardo Trapé Trinca. "Ela cria marcas físicas e psíquicas que dizem 'você é uma aberração, você tem os cromossomos alterados'."
Em caso de pessoas que fogem aos padrões concebidos como a norma, a cultura é aquilo que lhes dá condições para que possam se reconhecer como são ou o que as impede de mostrar todas as suas potências? "Ambas as coisas", respondeu Trapé Trinca.
Ao questionar seu pai sobre as diferenças que observa em si, Tina frequentemente recebe respostas vagas. Entre outros debates sobre a violência que podem ser lidos na obra, Luciana Saddi destacou sua presença no âmbito da familiarização, que é uma das chaves do processo da análise psicanalítica.
"Todo processo de familiarização é muito violento, não importa se é uma adoção ou não, porque a gente é enquadrado numa cultura, numa ordem familiar ou cultural, e esse enquadro é sempre violento."
Um ato sexual, que ocorre em um momento-chave para a descoberta da identidade da personagem e é uma das passagens mais grotescas do filme, causou desconforto no público presente, que ficou inquieto nas poltronas.
"Eu senti uma estranheza, um mal-estar, inclusive falei 'nem sei se eu gostei'", comentou uma mulher da plateia durante o debate sobre "Border". "Depois, caindo as fichas, eu entendi a beleza."
Da Folha Online
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