terça-feira, 20 de julho de 2021

Animação mistura drama de Anne Frank ao de refugiados de hoje

Anne Frank e seu alter ego Kitty ganham vida na animação de Ari Folman

Exibido em Cannes, filme do israelense Ari Folman sobre o diário da menina judia perseguida pelos nazistas também aborda antissemitismo e xenofobia nos dias de hoje. Longa gira em torno de amiga imaginária de Anne.

 

O Diário de Anne Frank, um repositório dos sonhos e esperanças de uma jovem judia ao se esconder dos nazistas em Amsterdã durante a Segunda Guerra Mundial, foi adaptado para um filme vencedor do Oscar cerca de uma década depois de sua publicação em 1947. Quase 75 anos depois, a história foi repensada novamente para o cinema – desta vez, como um filme de animação que provocou grande impacto em sua estreia na semana passada no Festival de Cannes.

Desta vez, a história se concentra em Kitty, a amiga imaginária de Anne Frank e alter ego a quem a autora dedicou seu diário. Situado na Amsterdã atual e em outras partes da Europa, Where is Anne Frank (ainda sem título no Brasil) envolve a busca de Kitty por Anne Frank e suas reflexões sobre o conteúdo do diário. Mas se trata também de um romance, uma história de aventura, a história de uma adolescente espirituosa que ama a vida, que admira sua irmã Margot e que muitas vezes entra em conflito com sua mãe.

Emergindo na Europa atual 75 anos depois de sua personagem ter sido concebida, Kitty conhece outros jovens fugindo de conflitos e correndo perigo. "Isso faz Kitty se lembrar de Anne e do fato de que Anne não teve a oportunidade de fugir durante seu tempo relativamente curto na clandestinidade", observou o diretor israelense Ari Folman, indicado ao Oscar por Valsa com Bashir, de 2008, uma animação sobre a Guerra do Líbano. "Essa experiência transforma Kitty em uma ativista. Ao mesmo tempo, ela percebe seu poder de promover um movimento pelos direitos infantis."

Um projeto de longa data

O Anne Frank Fonds Basel, fundado em Basel após a guerra pelo pai de Anne, Otto Frank, abordou Folman há oito anos com a ideia do filme de animação.

"Eles estavam procurando uma nova forma de contar a história do Holocausto", disse o diretor, que é filho de sobreviventes de Auschwitz. "Então surgiu a ideia de ressuscitar Kitty no papel principal e torná-la a protagonista do filme, como narradora."

A animação foi considerada o meio mais eficaz para atrair uma nova geração e comunicar as relações entre o Holocausto, a discriminação e o antissemitismo.

"Hoje, vemos populismo, extremismo de direita, até fascismo e, definitivamente, racismo e xenofobia em vários países", disse a produtora Jani Thiltges. "Não acredito que um filme possa mudar alguma coisa, mas acredito que é importante que, como cineastas, façamos de tudo para realizar nossa esperança de que os filmes tenham um papel na reintrodução de uma atitude mental e política diferente."

Adolescentes como público-alvo

A diretora artística do filme, Lena Grubman, disse que o uso da animação visa tornar o filme "mais acessível" a uma geração de crianças crescidas com a internet e que talvez tenham menos probabilidade de ler o livro.

O mesmo público também é atraído através de vinhetas humorísticas da cultura pop, como quando o cantor pop Justin Bieber aparece no Museu de Anne Frank. O filme também apresenta uma trilha sonora animada da sul-coreana Karen O, da banda Yeah Yeah Yeahs.

Apesar da trama devastadora, trata-se de um filme que, em última análise, deve ser apreciado por adolescentes. A produção – a primeira a contar a história de Anne Frank inteiramente em desenhos – emprega um estilo de animação vívido para atrair o espectador para a história. Para isso, foram utilizadas 159 mil ilustrações criadas em 15 países.

O resultado final foi elogiado pela crítica. "Kitty, a amiga imaginária a quem é dirigido o diário de Anne Frank, salta da página numa versão de caneta e tinta de uma menina de carne e osso no [filme] de Ari Folman", escreveu a revista Hollywood Reporter.

Reflexões contemporâneas sobre jovens refugiados

Empregando sequências no presente, que se passam no Museu de Anne Frank, em Amsterdã, misturadas com o passado, em que Kitty mantém conversas com Anne, o longa aborda especialmente a luta contemporânea de jovens refugiados fugindo de conflitos.

Armada com o diário de Anne Frank, Kitty recebe ajuda de seu amigo Peter, que administra um abrigo secreto para refugiados ilegais. Juntos, eles reconstituem a vida de Anne e sua família em seu esconderijo até o fim trágico, quando ela se torna mais uma vítima do Holocausto.

"[Kitty] também descobre a situação atual na Europa, inundada com refugiados de todo o mundo fugindo de zonas de guerra", conta Ari Folman.

Desiludida com as injustiças sofridas pelas crianças refugiadas, Kitty quer cumprir a missão de Anne e dar esperança às gerações futuras.

"Após descobrir que Anne havia morrido e encontrar a pedra com seu nome no [campo de concentração de] Bergen-Belsen, Kitty escreve uma carta e promete realizar o sonho de Anne de salvar todas as pessoas que possam ser salvas", diz Folman. "E ela promete realizar o sonho de Anne de se apaixonar. É uma espécie de juramento de amizade entre as duas meninas."

Por Stuart Braun, Deutsche Welle


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