Após três anos de debates e mais de duas décadas de expectativa, a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) aprovou neste sábado (17) um acordo para facilitar a circulação de cidadãos entre nove países falantes de português, que pode trazer vantagens para o intercâmbio de estudantes e profissionais.
A
aprovação formal na reunião de chefes de Estado e de Governo, neste sábado (17)
em Luanda, Angola, marca o fim de uma longa etapa negocial. O prazo para a
implementação do acordo e os tipos de circulação que efetivamente serão
implementados, porém, ainda são incertos. O bloco inclui Angola, Brasil, Cabo
Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e
Príncipe e Timor Leste.
Antes
de entrar em vigor, o acordo de mobilidade de pessoas precisa ser aprovado nos
parlamentos nacionais dos países da CPLP., que terão liberdade para definir
suas próprias regras de circulação. Será possível ter arranjos mais gerais e
outros acordos bilaterais específicos.
"É
um acordo que não vai ser aplicado de forma automática. Numa primeira fase,
deve contemplar uma determinada categoria de pessoas, como estudantes,
investigadores, artistas, jornalistas. É uma porta que se abre para que haja
uma maior liberdade de circulação", disse à Folha o secretário-executivo
da instituição, Francisco Ribeiro Telles.
Em
declarações a jornalistas neste sábado (17), em Luanda, o primeiro-ministro
António Costa afirmou que Portugal deve ratificar o acordo já em setembro, após
o fim do recesso de verão. Falando das relações com o Brasil, ele afirmou que o
novo arranjo pode reduzir as barreiras ao exercício profissional entre os dois
países. Segundo ele, um dos objetivos com o acordo "é não voltarmos a ter
a crise dos dentistas brasileiros em Portugal [na década de 1980], ou, mais
recentemente, dos engenheiros portugueses no Brasil".
Kamilla
Rizzi, professora da Unipampa (Universidade Federal do Pampa), considera que o
acordo será mesmo um marco para a organização, com avanços palpáveis na área
acadêmica e de negócios. "O setor de intercâmbio acadêmico é o que será
mais rapidamente afetado. Já ocorrem muitas trocas de pesquisadores entre
instituições desses países, mas com esse acordo de mobilidade isso tende a se
acelerar e a avançar muito mais", diz.
"Também
há o potencial de facilitar muito a questão das trocas comerciais, sobretudo
entre pequenos empresários e empreendedores que fazem muito essa ponte entre
Brasil e África ou entre Brasil e Portugal. Isso tende a gradualmente ser
facilitado também", considera.
Um
grande desafio no cenário brasileiro, segundo a pesquisadora, pode ser a
questão da validação de diplomas e de autorização para o exercício de certas
atividades profissionais. "As validações dependem muito das associações de
cada área. Então, essas validações de diplomas e de liberação de algumas
atividades profissionais ficam um pouco além das próprias atribuições do
Governo Federal, mas eu acho que a demanda da sociedade pode ajudar a
pressionar", completa.
A
ideia de criar uma política de circulação dentro da CPLP é quase tão antiga
quanto o bloco, que acaba de completar 25 anos. As assimetrias econômicas e
sociais entre os estados-membros, no entanto, fizeram com que o assunto sempre
tivesse enfrentado resistências internas.
Na
avaliação de Rui Figueiredo, ministro de Negócios Estrangeiros de Cabo-Verde,
país que entrega agora a presidência rotativa do bloco para Angola, o acordo
vai aprofundar a integração dos países lusófonos. "Transforma uma
comunidade de países em uma comunidade de pessoas, uma comunidade na qual os
cidadãos possam sentir verdadeiramente integrados", disse, logo após a
aprovação inicial no Conselho de Ministros, em março.
Segundo
ele, o acordo é uma espécie de entendimento de "geometria variável",
que permitirá diferentes arranjos entre os países membros. "As nuances têm
a ver com a possibilidade de os países escolherem os tipos de acordos, o tipo
de modalidades que querem consagrar relativamente a cada um dos países. Nós
temos os países da CPLP que são Estados que se integram em diferentes espaços
regionais, e não podemos fazer um acordo que fosse único para todos",
afirmou.
Para
alguns especialistas, o fato de Portugal ser parte do chamado Espaço Schengen
-que garante livre circulação na União Europeia e a países associados- pode ser
um obstáculo às ambições portuguesas de mobilidade na CPLP.
A
proposta de mobilidade foi apresentada por Portugal em 2016 e é um desejo
antigo do primeiro-ministro, António Costa, que chegou a incluí-la em seu
programa de governo nas eleições de 2015. O premiê já disse que há margem de
manobra do lado lusitano. "Enquanto no domínio dos vistos [de curta
duração] estamos sujeitos a uma política comum da União Europeia, e temos
margem limitada para flexibilizar, não existe nenhuma política comum europeia
relativa à liberdade de residência", afirmou Costam em 2018.
Na
última cúpula presencial de alto nível da CPLP, na Ilha do Sal (Cabo Verde) em
2018, a delegação brasileira teve a presença do então presidente Michel Temer
(MDB). Neste ano, o país é representado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão.
A
ausência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no encontro fora anunciada
antes dos problemas de saúde o levaram a se hospitalizar. Em visita a Lisboa no
começo de junho, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França,
afirmou que Bolsonaro não iria ao encontro por questões de agenda.
Alguns
analistas africanos, no entanto, sugerem que a ausência de Bolsonaro no
encontro em Luanda poderia ter sido motivada pela crise entre a Igreja
Universal do Reino de Deus (Iurd) e o governo angolano. Representantes
brasileiros da cúpula da Iurd estão sendo processados por autoridades do país
africano.
Em
uma análise sobre os bastidores da CPLP publicada no periódico angolano Novo
Jornal, a jornalista e socióloga Luzia Moniz classificou a ausência de
Bolsonaro como "previsível, devido ao conflito que opõe a Iurd brasileira
às autoridades, sobretudo depois da expulsão de dezenas de bispos brasileiros
do território nacional e da 'nacionalização'da Iurd em Angola". Moniz
destaca ainda a importância dos evangélicos na base eleitoral e governamental
do presidente brasileiro.
A
situação da Guiné Equatorial, comandada há mais de quatro décadas por Teodoro
Obiang, também é motivo de desconforto no encontro. Admitido como membro pleno
da CPLP em 2014, com a condição de abolir a pena de morte, o país ainda não
cumpriu a promessa.
Por Giuliana Miranda, Folhapress
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