terça-feira, 25 de julho de 2017

'No Brasil, a tendência é de esculhambação'


Por suas posições contrárias a alterações de contrato de concessão de rodovias federais, o representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, passou a ser apontado por empresas e governo como 'algoz' das alternativas para solucionar problemas das concessões. Ao Estado, ele diz que seu papel é garantir o cumprimento dos acordos. O que, na sua visão, não tem sido usual no Brasil e na América Latina, onde 'a tendência é a esculhambação'.
Para Oliveira, as empresas fazem lances aventureiros nos leilões com a meta de 'ajeitar' a situação com aditivos contratuais. Algo que, em sua avaliação, passa a impressão de que 'o Brasil não é um país sério'. O procurador ficou conhecido por elaborar o parecer sobre as pedaladas fiscais no governo de Dilma Rousseff, base para o processo de impeachment.
Qual sua visão sobre mudanças em contratos de concessão?
Um bom contrato de concessão deve ser cumprido. As empresas estão o tempo todo pleiteando alterações para melhorar sua rentabilidade, diminuir ônus e adiar investimentos. Isso mostra uma cultura de não cumprir contratos. Isso passa à sociedade a mensagem de que o Brasil não é um país sério.
Por que há espaço para tantos pedidos?
As empresas jogam o preço lá embaixo ou, se for outorga, jogam o pagamento lá para cima na expectativa de que isso vai posteriormente ser compensado com alterações contratuais. Isso não é sério. A gente quer que o programa de concessões seja feito de maneira correta, de acordo com as cláusulas contratuais pactuadas. Os mecanismos de flexibilidade nos contratos de longa duração têm de estar previstos e precificados. Quando as condições do contrato estão bem desenhadas, não tem por que a toda hora as concessionárias pleitearem alterações.
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Quer dizer que os contratos foram malfeitos?
Eles (as empresas) é que dizem. Acho que as propostas são feitas de maneira aventureira. E aí eles querem uma flexibilidade que não existe no mundo. Dizem que todo lugar é assim. Mas não é, pelo menos no mundo desenvolvido. Na América Latina, pode ser. Porque na América Latina, como o Brasil, a tendência é a esculhambação. Mas na Europa e nos Estados Unidos vale o contrato. Não é obrigação do poder público garantir lucratividade da empresa. Não queremos que nenhuma empresa vá à falência, mas é inegável que ela tem de correr risco.
E quando o governo entende que a alteração é de interesse da sociedade, como no caso da Transbrasiliana?
Falei da diretriz geral. Se o contrato foi mal desenhado e tem uma obra absolutamente necessária, tenho de estar aberto a fazer uma análise da situação. Mas o que tem ocorrido é que as concessionárias trocam obras previstas por outras mais caras e encarecem o contrato, justificando aumentos de tarifas.
O sr. acha que a ANTT tem uma atuação débil?
Sim. O que se diz é que, na primeira rodada de concessões, os contratos não eram de concessão, e sim de obras remuneradas por tarifa, porque previam detalhadamente obras e custos. Decidiram passar para um outro modelo em que a obra ocorre quando a demanda atinge um determinado nível. Só que a ANTT não monitora o tráfego. Ela se alimenta de informações das concessionárias.
Por Lu Aiko Otta, em O Estado de S. Paulo



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