ENTREVISTA: o novo ministro da cultura
Um dia após assumir
o Ministério da Cultura, o jornalista carioca disse ontem que vai mudar a Lei
Rouanet e traçar um novo Plano Nacional de Cultura. Ele reconheceu que a pasta
já consumiu 73% do orçamento em 2017 e contou que a ajuda do MinC ao carnaval
Ao assumir o
ministério, o senhor se licenciou ou abriu mão do cargo de diretor da Ancine?
Precisei renunciar.
Então, temos duas vagas. Para uma foi indicada a Fernanda Farah (exgerente do
BNDES). Quando as duas forem ocupadas, o presidente da República irá escolher,
entre os quatro diretores, quem preside a agência.
O senhor tem
comparado números da economia criativa com os de outros segmentos. Sendo a
cultura tão estratégica, por que recebe tão poucos recursos? Por que não
decola?
A economia criativa
brasileira já decolou, tanto que atingiu 2,5% do PIB do país, com 900 mil
empregos diretos e 250 empresas. Mas, por diversas razões, não é vista pelo
conjunto da sociedade e muitas vezes pelo poder público como uma atividade com
esse peso econômico. Uma das coisas que podemos fazer no MinC é chamar a
atenção para que mais recursos cheguem. Trata-se de fazer as pessoas enxergarem
uma realidade que está aí. Enquanto alguns setores da economia já trabalham no
limite, a economia criativa pode crescer muito.
Como será a
participação do ministério no carnaval carioca? O MinC vai botar os R$ 13
milhões que faltam para a festa?
A crise do Rio tem
impacto em todo o país. Mas, resolvidas as questões imediatas, como o estado
vai voltar a crescer para não depender mais de ajuda federal? Há duas
atividades emblemáticas: a economia criativa e o turismo. Então, criou-se um
grupo de trabalho que une vários ministérios (como Cultura, Turismo,
Esporte...), e estamos estudando ações. O investimento no carnaval se insere
nesse programa. Então, quando a prefeitura, por causa da crise, anunciou que
cortaria 50% dos recursos do carnaval, colocou em xeque a realização da festa.
Nosso interesse se justifica. Agora vamos ver de que maneira essa ajuda será
feita. Sexta vou encontrar o prefeito Marcelo Crivella para congregar esforços
de todos os governos e também das empresas privadas, e assim viabilizar o
carnaval. Se vai ser com recursos orçamentários, incentivados, de onde, vamos
ver.
Falando em
recursos, no seu discurso de posse, o senhor reconheceu que é essencial
recompor o orçamento do MinC. Mas como, se o próprio governo havia prometido
(no ano passado) um aumento de 40% e, em vez disso, contingenciou 43% da verba?
Houve
contingenciamento em todos os últimos anos. Não foi novidade. Mas o fato de
termos esse orçamento que está aí (na prática, são R$ 412 milhões descontadas
despesas fixas obrigatórias, folha de pagamento etc.) nos obriga a ver onde se
pode cortar e o que se deve priorizar. Sobretudo em custeio. O MinC fez parte de
processo de hipertrofia do estado brasileiro. Aumentou seus gastos, mas isso
não resultou necessariamente em benefícios para a sociedade. Está na hora de
rever o tamanho do estado brasileiro. Aumentar verba nem pensar? Primeiro
precisamos fazer um diagnóstico profundo para ver onde cortar, otimizar, tornar
o ministério mais eficaz. A gente consegue fazer mais coisas com menos dinheiro
se souber qualificar gastos. Se, ao fim, concluirmos que é não é possível, o
presidente se mostrou sensível a ajudar.
Noticiou-se que o
MinC não teria recursos para ir além de agosto. Qual é a real situação da
pasta?
Com o
contingenciamento decretado em março, nos foram disponibilizados R$ 412 milhões
para todo o ano de 2017. No fim deste mês atingiremos 73% desse total. Há uma
estimativa de que, nas condições atuais, seriam necessários mais R$ 239 milhões
para fazer frente a todas as atividades do ministério no ano. Primeiro, é
preciso fazer esses ajustes. Aí, veremos.
O que o senhor
pensa da Lei Rouanet? Está satisfeito com as instruções normativas postas em
prática pela gestão anterior?
A lei tem um
histórico de bons serviços prestados. Mas também tem problemas pelo modo como
foi utilizada e por erros em sua gestão. Proponho um processo muito rápido de
revisão da lei para introduzir mecanismos novos, mais contemporâneos. Desde o
início dos anos 1990, quando ela foi criada, outros modelos surgiram em outros
países. Cito como exemplos os endowments, fundos patrimoniais permanentes, que
são o principal meio pelo qual museus, centros culturais, companhias de teatro
e dança etc. se mantêm em caráter permanente nos EUA e na Europa. E vamos
introduzir o crowdfunding, para promover o financiamento coletivo de projetos
culturais, aproximando oferta e demanda e dando legitimidade social aos
projetos financiados. Já existe mecanismo na lei para pessoas físicas, mas ele
não é usado com frequência. Podemos estimular o crowdfunding, permitindo que
pessoas físicas usem o imposto de renda a pagar para isso. Também devemos usar
outros fundos de investimento. Já a instrução normativa... no geral parece
positiva, porque traz alguns avanços, mas a operação dela já mostrou problemas.
Vamos rever essa instrução. E, por fim, vamos rever toda a burocracia, que
prejudica empresas e artistas e estimula a concentração. Vamos procurar o TCU
para falar disso. E quero criar uma área de atendimento, uma espécie de SAC com
orientações para usuários (proponentes de projetos) e informações transparentes
para a sociedade.
Já tem planos para
a Funarte?
Num primeiro
momento, é priorizar a recuperação dos equipamentos culturais geridos por ela:
obras como a da Biblioteca Nacional e do Palácio Capanema seguirão. E também
olhar o fomento. Ver o que se pode fazer neste ano e o que se pode planejar
para o ano que vem.
E para a lei do
direito autoral?
Ainda estou vendo.
Tenho acompanhado as discussões à distância. Minha posição é que o MinC deve
ser um árbitro dos diversos pontos. Dialogar com os agentes interessados e
buscar o consenso, mas preservando os artistas.
O senhor falou que
quer elaborar um novo Plano Nacional de Cultura. Dá tempo até o fim desta
gestão? Precisa?
O primeiro Plano
Nacional de Cultura já tem uma década. É natural. Gosto muito do formato de
Plano de Diretrizes e Metas. Menos conceito e mais meta, para que se possa
mensurar. A capacidade de investimento do estado brasileiro vai aumentar nos
próximos anos e é preciso que exista um conjunto de planos para esse momento.
Estamos a uma
semana da votação da denúncia contra o presidente. Se ela passar e o senhor
tiver que sair, o que pretende fazer?
Acho que nenhum
profissional responsável de cultura poderia recusar essa tarefa,
independentemente do contexto politico e econômico do país. Espero ter 17 meses
de trabalho. Estou focado nisso. Se acontecer algo que impeça isso, faz parte.
Volto à iniciativa privada.
Por FÁTIMA SÁ em O Globo