Funcionário do restaurante retrô-soviético Nazdarovie, Dimitri Fidel, mostra o seu chapéu em Havana, no dia 16 de outubro de 2017 |
Eles se chamam Dimitri Fidel, Natacha,
Sacha, Katiuska, Vladimir e são milhares, filhos de três décadas de estreita
aliança com a União Soviética (1960-1990), que abrigou quase todos os âmbitos
da vida em Cuba.
Nomes e laços de família, edifícios,
veículos, eletrodomésticos, parques, escolas, armas e outras tantas coisas em Cuba
recordam a União Soviética, quando comemoram os 100 anos da Revolução
Bolchevique.
"Na realidade, a presença soviética
em Cuba nos acompanha todos os dias, a todo momento", diz à AFP Eugenio
Reyes, russo-cubano de 69 anos, que estudou uma carreira militar na antiga
URSS.
Trabalhou com soviéticos na ilha como
engenheiro de Telecomunicações e em 2004 se casou com a astrônoma russa
Svetlana Oparina, de 54 anos. Desde então se dedicam à medicina bioenergética.
Em frente a sua casa passam antigos
automóveis Lada e Moskvitch, uma vizinha lava sua roupa em uma velha mas
incansável máquina Aurika e jovens se dispõem a ir ao Parque Lenin, o maior de
Cuba.
A zombaria crioula, essa essência cubana
de fazer piada de tudo, não perdoou certa falta de requinte dos soviéticos nem
seu atraso tecnológico, e por esse espírito os batizou como "los
bolos".
"As pessoas com pouca ou má
informação estabelecem critérios sobre a União Soviética totalmente absurdos,
dizem muitos disparates", protesta Reyes. "Os russos me ensinaram a
ir a um teatro, a aproveitar uma música clássica, a ir ao balé, a um museu.
Isso não foi ensinado a mim por nenhum cubano", acrescenta.
"Bernabé" (Enrique Arredondo),
o mais popular personagem humorístico da televisão cubana na década de 1980,
advertia as crianças: "ou se comporta bem, ou coloco os desenhos animados
russos".
Embora o realismo socialista não tenha
penetrado na cultura cubana, os cinemas projetavam filmes soviéticos,
geralmente sobre a Segunda Guerra Mundial, com pouca aceitação de um público
acostumado à filmografia americana.
Nos bares, a vodca nunca ganhou espaço
contra o rum e o uísque.
"O melhor do legado soviético foi o
contato com uma cultura cheia de significados novos para Cuba e a amizade
pessoal, que às vezes transcendia a criação das famílias", afirma à AFP o
antropólogo Dimitri Prieto, de 44 anos, russo-cubano nascido em Moscou.
Segundo Prieto, a migração russa para
Cuba é a mais numerosa depois da espanhola.
- Nazdarovie (Saúde!) -
Cerca de 20.000 técnicos soviéticos
trabalharam em Cuba em diferentes áreas nesses 30 anos, explica à AFP Ruslán
Reyes, presidente do Conselho de Coordenadores da comunidade russa de origem
soviética em Cuba, de cerca de 5.000 membros.
Em torno de 250.000 cubanos estudaram na
URSS no mesmo período, acrescenta.
Alguns deles se reúnem no Nazdarovie
(Saúde!), um restaurante soviético privado em frente ao dique de Havana.
"Muita gente vem para cá, muita
gente chora aqui, pensando nos momentos quando esteve lá. Dizem que é a sua
segunda pátria", afirma Dimitri Fidel Hernández, de 32 anos, porteiro, um
polovinka (metade), filho de Fidel Vladmir, piloto militar cubano formado em
Kirovogrado, na Ucrânia, onde conheceu Tatiana, de 51 anos, sua mãe.
Matrioskas, cartazes soviéticos e
samovares ambientam o lugar, onde cozinha Alejandro Fidel Domenech (51), outro
polovinka, que é chamado de Sacha por seus colegas e de "o russo" por
seus amigos.
"Foram muitos anos de influência
russa, da antiga União Soviética e arraigaram muitas das idiossincrasias russas
em Cuba, mas há diferenças, nós cubamos somos caribenhos, os russos,
europeus", disse.
- Camarada não, amigo -
Quando a União Soviética se desintegrou
em 1990, Cuba recebeu um duro golpe, que desatou uma forte crise econômica.
Começou o Período Especial.
Eugenio, Hernández e Domenech, filhos dos
últimos soviéticos, recordam com angústia o forte impacto em suas vidas e a
incerteza familiar.
O pior da herança soviética foi "o
sistema estatal, com a nomenclatura de quadros cooptados pelo aparelho do
Partido Comunista", afirma Prieto.
Desde 2007, Raúl Castro se empenha em
"atualizar o modelo econômico" cubano, reconhecendo que anterior se
esgotou.
As relações entre os dois países
esfriaram, sobretudo no governo de Boris Iéltsin (1991-1999), mas pouco a pouco
os russos foram regressando, já não como tavarich (camarada), mas como drug
(amigo) não comunista.
Importante sócio comercial, a Rússia
também colabora com amplos créditos e tecnologias em transporte, eletricidade,
indústria pesada, vendas de petróleo, e está prevista a chegada de Ladas
moderno.
O número de turistas russos em Cuba nos
primeiros cinco meses de 2017 foi de 47.000, quase o dobro do mesmo período de
2016.
Para Hernández, ser um polovinka é sentir
"que é um pedaço da história, do que era antes, do que é agora" a
relação entre os dois países.
Por Carlos Batista, da AFP
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