Há meio século, em 19 de novembro de
1967, morria o escritor João Guimarães Rosa, apenas três dias depois de assumir
a cadeira número 2 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Ele havia sido
eleito quatro anos antes, por unanimidade, em 1963. No auge da carreira, o
autor consagrado por sua recriação da linguagem da literatura temia a emoção de
tomar posse como acadêmico e, de fato, um infarto o matou aos 59 anos de idade.
Naquele
mês de novembro de 1967, os jornais da época destacavam o fato de que, em uma
mesma semana, a filha do autor mineiro, Wilma Guimarães Rosa, lançaria seu
primeiro livro, Acontecências, no dia 13, e três dias
depois, seu pai tomaria posse na ABL.
“Eram
duas maravilhosas acontecências em nossas vidas, eu lançando meu primeiro livro
e meu pai tendo o coroamento da carreira literária dele. Infelizmente, para
nossa tristeza, no domingo, Dia da Bandeira que ele tanto reverenciava, Deus o
chamou. Foi uma semana que começou linda, mágica, entusiasmante, e terminou de
um modo trágico para todos nós, família, amigos, leitores, admiradores. Porém,
resta o consolo da frase que meu pai proferiu, junto com o discurso de posse na
Academia Brasileira de Letras: as pessoas não morrem, ficam encantadas”,
relembra Wilma, em depoimento na página do Facebook da editora Nova Fronteira,
há três décadas responsável pela publicação da obra de Guimarães Rosa.
Em
vários pontos do país, homenagens estão programadas para lembrar a data. Em
Belo Horizonte, a Praça Guimarães Rosa, no bairro Cidade Nova, será
reinaugurada hoje (19), passando a contar com uma estátua do autor. Também
neste domingo, em São Paulo, a Livraria da Vila, no bairro dos Jardins, recebe
a partir das 11h atores, entre eles Lima Duarte, para leituras de trechos do
romance Grande Sertão: Veredas; às 16h, a escritora Noemi Jaffe
dá uma palestra sobre o autor no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) da
capital paulista.
Já no CCBB do Rio de Janeiro a
homenagem será em janeiro de 2018, quando o centro cultural receberá o
espetáculo/instalação Grande Sertão: Veredas, da diretora Bia
Lessa. O espetáculo marca o reencontro de Bia com a encenação teatral – sua
última peça foi Exercícios nº 2: formas breves, em 2009
– e com a obra do escritor mineiro: em 2006, ela foi a responsável pela
exposição com o mesmo título do romance que inaugurou o Museu da Língua
Portuguesa, em São Paulo.
Travessia
Nascido
em Cordisburgo (MG), em 27 de junho de 1908, João Guimarães Rosa se mudou aos
10 anos para Belo Horizonte, onde se formou em Medicina em 1930 e começou a
trabalhar como capitão médico da Força Pública do Estado de Minas Gerais. Um
ano antes da formatura, porém, ele já havia tido sua estreia literária, com a
publicação na revista O Cruzeiro do conto O
mistério de Highmore Hall.
Em
1936, a coletânea de versos Magma, obra inédita, recebe o Prêmio
Academia Brasileira de Letras, com elogios do poeta Guilherme de Almeida
(1890-1969). Nessa época, Guimarães Rosa já havia iniciado a carreira de
diplomata, na qual ingressara por concurso em 1934.
Ao
longo das duas décadas seguintes, foi sucessivamente cônsul em Hamburgo, na
Alemanha; secretário de embaixada em Bogotá, na Colômbia; chefe de gabinete do
ministro João Neves da Fontoura (a quem viria a suceder, na ABL), e
representante brasileiro em conferências de Paz e da Unesco, em Paris. Em 1951,
voltou ao Brasil e foi nomeado novamente chefe de gabinete do chanceler João
Neves da Fontoura, e depois chefe da Divisão de Orçamento (1953) e do Serviço
de Demarcação de Fronteiras do Itamaraty.
Paralela
à carreira de diplomata, a de escritor já lhe havia garantido lugar de destaque
na literatura brasileira desde 1946, com a publicação do livro de contos Sagarana.
As inovações na linguagem, a estrutura narrativa e a riqueza nos simbolismos
são características que marcam o novo significado da temática regionalista na
literatura brasileira, trazido pelos contos de Guimarães Rosa.
Em
1952, o escritor fez uma longa excursão a Mato Grosso, que o colocou em contato
com os cenários, os personagens e as histórias que ele iria recriar em sua
obra-prima, o romance Grande Sertão: Veredas , lançado em 1956, juntamente com
o ciclo novelesco Corpo de Baile . Indiscutivelmente um dos mais importantes
textos da literatura brasileira e mundial, o livro foi o único brasileiro,
entre obras de escritores de 54 países, a ser incluído em um ranking publicado
em 2002 na Noruega dos 100 melhores romances do mundo.
Na
tarefa de experimentar e recriar a linguagem literária, Guimarães Rosa inventou
vocábulos, utilizou arcaísmos e palavras populares e recorreu a inovações
semânticas e sintáticas. Primeiras Estórias (1962), Campo
Geral (1964) e Tutaméia – Terceiras Estórias (1967)
foram outras obras desse escritor universal, traduzido e publicado em diversas
línguas, adaptado para o cinema e a televisão e detentor de vários prêmios
literários.
Com EBC
Veja o vídeo: Grande Sertão Veredas - Antônio Cândido sobre Guimarães Rosa
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