Mais de 4 mil mulheres estão em Brasília para a 2ª Marcha Nacional de Mulheres Indígenas
Mulheres indígenas denunciaram na Câmara dos
Deputados, nesta quinta-feira (9), violações contra seus territórios e seus
corpos. Em audiência pública promovida pelas comissões de Direitos Humanos e
Minorias, e de Defesa dos Direitos da Mulher, lideranças indígenas destacaram
que são vítimas de dupla discriminação - étnica e de gênero.
A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), uma das que
pediu o debate, ressalta que mais de 4 mil mulheres estão em Brasília para
participar da 2ª Marcha Nacional de Mulheres Indígenas, "em um cenário de
intensificação de violências contra os povos indígenas e especificamente contra
as mulheres indígenas". A parlamentar lembra que apenas em agosto foram
assassinadas Daiane Griá, adolescente do povo Kaingang, do Rio Grande do Sul; e
Raissa Silva, criança de 11 anos do povo Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul.
Joenia Wapichana chama a atenção para a falta de dados
específicos da violência contra as mulheres indígenas, seja a étnica ou de
gênero, e afirma que as mulheres são as mais impactadas pelas invasões de suas
terras. "Nas invasões contras as terras e territórios indígenas, as
primeiras que sofrem diretamente são as mulheres, porque muitas vezes são elas
as responsáveis pelo cuidado da terra, pelos recursos naturais e o acesso
direto à água e ao solo", disse.
Secretária do Movimento de Mulheres Indígenas de
Roraima, Maria Betania Mota de Jesus salientou que os povos indígenas de
Roraima enfrentam invasões de garimpeiros, e as mulheres estão na linha de
frente em defesa de seu território. "Já chega de ameaças, de retrocessos,
de violações do nosso território e de discriminação às mulheres indígenas, que
muitas vezes são vistas como antigamente eram vistas. A gente não quer isso,
nós queremos nossa autonomia, nossa soberania", falou.
Projetos na Câmara
A procuradora da República Marcia Brandão Zollinger
afirmou que vários projetos de lei em análise na Câmara são violadores de
direitos dos povos indígenas, como o Projeto de Lei (PL) 490/07, que trata da
demarcação e exploração econômica de terras indígenas e foi aprovado pela
Comissão de Constituição e Justiça em junho. Para ela, o texto é
inconstitucional.
"É um PL que incorpora a tese do marco temporal,
violadora do artigo 231 da Constituição, uma tese que está em debate no Supremo
Tribunal Federal, mas que temos a certeza que será derrotada. Esse PL também
flexibiliza o usufruto exclusivo das terras indígenas, retirando dos povos
indígenas o usufruto das suas riquezas. E também dá aos ocupantes das terras
indígenas o direito de permanecer nas terras que não são suas até que haja o
pagamento de indenização pelas benfeitorias. Além disso, esse PL admite o
contato com povos em isolamento voluntário no caso de utilidade pública, e
sabe-se lá o que é essa utilidade pública", apontou.
A procuradora também criticou o Projeto de Lei
3729/04, que flexibiliza o licenciamento ambiental, já aprovado na Câmara e em
análise no Senado. Segundo ela, o projeto só considera, nos processos de
licenciamento, a participação de povos indígenas com terras homologadas. Ela
observa que 273 terras indígenas estão em processo de demarcação, que serão
desconsideradas no processo de licenciamento, e mais 536 de reivindicações por
terras indígenas sem nenhuma providência da Funai. "Então essas terras
todas seriam desconsideradas em processos de licenciamento ambiental de obras
que os impactam", avaliou.
Além disso, criticou o Projeto de Lei 191/20, por
"abrir as terras indígenas para atividades intensivas de mineração por
grandes empresas", e o PDL 177/21, que visa autorizar o presidente da
República a se retirar da Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais.
Violência do Congresso
"Todos esses projetos de lei que estão sendo
aprovados no Congresso estão afetando as mulheres indígenas na base",
reiterou Alessandra Munduruku, da Associação das Mulheres Munduruku -
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ela considera que a violência
contra as mulheres indígenas vem do próprio Congresso Nacional. "Qualquer
pessoa que for falar da violência fale primeiro da violência que está
acontecendo aqui no Congresso, que nos atinge na base, que está nos matando e
atacando, e a gente vai continuar defendendo", disse.
"Nós, mulheres, não estamos mais conseguindo
dormir, não estamos mais conseguindo plantar, colher, estar dentro de nossas
comunidades tranquilas. Nós estamos aqui sentadas, mais uma vez, todo o tempo
temos que estar aqui, parecendo a nossa Casa. Mas nossa casa é lá, nosso
território é lá. Quando afeta nosso direito de viver nos territórios, temos que
sair, dar nossos gritos e dizer que estamos vivos, nós estamos brigando pelos
nossos direitos", completou.
"Querem falar pelos povos indígenas, querem dizer
o que os povos indígenas precisam e qual é o projeto de desenvolvimento deles.
Os povos indígenas têm o seu próprio projeto de desenvolvimento", afirmou
a deputada Erika Kokay (PT-DF), que também pediu o debate e criticou essas
propostas em análise na Câmara.
Autonomia
Anastasia Divinskaya, da ONU Mulheres Brasil, frisou
que as mulheres indígenas precisam de autonomia, lembrando que a
autodeterminação é direito fundamental dos povos indígenas. Elas devem, segundo
ela, ter participação política e serem incluídas em órgãos decisórios para
enfrentamento das questões que as atingem. "As mulheres indígenas são
vítimas de múltiplas atos de violência , abuso sexual, estupro, violência
doméstica, assassinatos, desaparecimentos, tráfico humano, uso não consensual
de suas imagens, tratadas como objetos exóticos pela mídia", enumerou.
Elisângela Baré, da Articulação Nacional das Mulheres
Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), ressaltou que as mulheres
indígenas têm papel relevante e estratégico na conservação da biodiversidade e
dos recursos naturais do País e explicou o tipo de desenvolvimento que
defendem:
"Nossos territórios têm plano de gestão
territorial e ambiental das terras indígenas, criado por nós, mulheres, jovens,
crianças, lideranças, pensando como queremos gerir o nosso território, o nosso
bem-viver, um bem-viver de qualidade. Queremos desenvolvimento, sim, mas de
qualquer jeito não, por isso criamos protocolos de consulta para nossos
territórios, para que possamos ter diálogo com o governo", disse.
Projetos do governo
Secretário Nacional de Políticas de Promoção e
Igualdade Racial Adjunto do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos, Esequiel Roque do Espírito Santo concorda que ainda é um desafio
retirar a mulher indígena da invisibilidade. Segundo ele, os dados oficiais
mostram o aumento de violência contra a mulher em razão da pandemia, mas não há
dados específicos sobre a violência contra a mulher indígena. Ele informou que
o governo implementa no município de Dourados, no Mato Grosso do Sul, a fase
piloto do Projeto Cuidar para tratar do problema do álcool e drogas nos
territórios indígenas.
"A informação que temos recebido é de que a
violência contra a mulher tem um acréscimo, ela se acentua mais quando há uso
de drogas e álcool dentro dos territórios indígenas e precisamos fazer esse
enfrentamento", avaliou.
Além disso, segundo o secretário, o Ministério da
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos articula com a bancada feminina
destinar emendas parlamentares para a construção da Casa da Mulher Brasileira
em Dourados, para atender mulheres indígenas, contando com sistema de
intérpretes, como já existe em Campo Grande (MS).
Joenia Wapichama argumentou que é preciso mais
investimento do governo em políticas públicas permanentes contra essa
violência, porque as emendas parlamentares não são suficientes para atender a
demandas tão grandes. A deputada Vivi Reis (Psol-PA), que também pediu o
debate, chamou a atenção para a necessidade de diversidade de
representatividade no Congresso Nacional, com participação de mais mulheres
indígenas, para que haja avanços para elas.
Agência Câmara de Notícias
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