Mulheres da etnia Krenak em protesto em Brasília, em 24 de agosto de 2021 |
Indígenas do povo Krenak foram mantidos presos em "reformatório" e depois numa fazenda, além de serem vítimas de violência. Sentença determina pedido público de desculpas e delimitação de terra.
A Justiça de Minas Gerais condenou
nesta segunda-feira (13/09) a União, a Funai e o estado de Minas Gerais por
violações dos direitos humanos e civis do povo indígena Krenak, que foi
obrigado a confinamento numa espécie de campo de concentração durante a ditadura
militar.
A decisão da juíza Anna Gonçalves, da
14ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Minas Gerais, acolheu
parcialmente um pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) numa ação
civil pública em favor do povo Krenak.
Segundo a Justiça, a condenação se
refere a diversas violações dos direitos do povo nativo durante o funcionamento
do Reformatório Agrícola Indígena Krenak, instalado no município de Resplendor,
na criação e atuação da Guarda Rural Indígena (Grin), ambos no ano de 1969, e
no sucessivo confinamento dos indígenas na Fazenda Guarani, no município de
Carmésia, no Vale do Rio Doce, em 1972.
"É possível observar a inquietude
e a tristeza que o exílio forçado causou ao grupo indígena Krenak,
transformando totalmente o modo de vida da comunidade, especialmente em relação
aos membros mais velhos, pois, além do confinamento e da exigência de trabalhos
forçados, as condições ambientais da região da Fazenda Guarani eram totalmente
diferentes da área por eles habitada em Resplendor, na Região do Rio
Doce", aponta a decisão.
A sentença foi anunciada em meio ao
debate sobre o marco temporal das terras indígenas, que está sendo julgado pelo
Supremo Tribunal Federal (STF).
"Era um campo de concentração"
Em 1969, o regime militar criou o
Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um presídio que chegou a abrigar 94
pessoas de 15 etnias, provenientes de 11 estados brasileiros.
De acordo com o MPF, os indígenas
chegavam ao Reformatório Krenak sem uma "pena" previamente definida a
cumprir, ou seja, o tempo de permanência na instituição dependia de uma análise
da autoridade responsável pelo estabelecimento.
Já em 1972, homens, mulheres e crianças
foram expulsos das suas terras pelo governo militar e obrigados a viver
confinados na Fazenda Guarani, pertencente à Polícia Militar, em Carmésia, a
mais de 300 quilômetros das suas terras. Isso facilitou a ação de invasores,
que se apropriaram de mais de 4 mil hectares pertencentes aos povos nativos.
"Era um campo de concentração.
Famílias inteiras ficaram confinadas, presas mesmo, por anos nesta
fazenda", afirmou, por sua vez, o procurador Edmundo Antônio Dias, autor
da ação que tramitava há seis anos.
A Guarda Rural Indígena (Grin) era uma
espécie de milícia armada criada pela Funai e composta por indígenas de
diferentes etnias com o objetivo de vigiar e punir os presos. Segundo
reportagem do portal G1, a Grin feriu a cultura e o espírito de irmandade entre
os povos envolvidos.
Pedido de desculpas obrigatório
A sentença, que tem anexados vários
relatos da época, aponta ainda violações sexuais de mulheres indígenas por
militares, assim como agressões físicas e tortura contra homens.
Segundo a decisão da juíza, a União, a
Funai e o governo de Minas Gerais terão de realizar, num prazo de seis meses,
após consulta prévia às lideranças indígenas Krenak, uma cerimônia pública, com
a presença de representantes das vítimas, na qual serão reconhecidas as graves
violações de direitos dos povos indígenas, seguida de pedido público de
desculpas ao povo Krenak.
A Funai também terá que concluir o
processo administrativo de delimitação da terra de Sete Salões, considerada
sagrada para os indígenas.
O Estado brasileiro terá ainda reunir
toda a documentação relativa às graves violações, disponibilizando-a na internet,
no prazo de seis meses, e terão de ser implementadas "ações e iniciativas
voltadas ao registro, transmissão e ensino da língua Krenak, de forma a
resgatar e preservar a memória e cultura do referido povo indígena, com a
implantação e ampliação do Programa de Educação Escolar Indígena".
Deutsche Welle
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