A tentativa de recuperar o fóssil do dinossauro batizado de Ubirajara jubatus, encontrado na região da Bacia do Araripe, no Ceará, e que viveu há cerca de 110 milhões de anos, ganhou um novo capítulo esta semana. Segundo a Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP), o museu alemão no qual o espécime se encontra informou que ele não deve ser devolvido ao Brasil. A SBP alega que o fóssil foi levado ilegalmente à Alemanha e o Ministério Público Federal (MPF) busca repatriá-lo.
Segundo Renato Pirani Ghilardi, presidente da SBP, se
ele não for devolvido, poderá abrir precedente para o uso de toneladas de
outros materiais que estão na Europa em situação semelhante. Esse tipo de
tráfico é um problema comum na região do Ceará, na qual são encontrados fósseis
de alta qualidade, que tiveram a preservação favorecida por condições
ambientais da época em que se formaram. Muitos são descobertos em outros países
após divulgações científicas ou ao serem anunciados para venda na internet, por
exemplo.
O Ubirajara jubatus foi apresentado em um estudo na
revista científica Cretaceous Research, em dezembro de 2020, que foi
despublicado do periódico no mesmo mês após as contestações sobre a legalidade
do transporte do fóssil para fora do Brasil, e permanece desta forma até a
tarde desta quinta-feira.
Em nota publicada na quarta-feira, a SBP afirma que em
dezembro de 2020 o Museu de História Natural de Karlsruhe (SMNK) havia se
mostrado "extremamente solicito a possibilidade de devolução do material
ao Brasil de forma voluntária", e a entidade, junto da Agência Nacional de
Mineração (ANM), intermediava as condições de repatriação.
Segundo a SBP, o museu, representado por Eberhard Dino
Frey, afirmou que faria algumas reuniões burocráticas para consequente
liberação do espécime de volta ao Brasil, que foram postergadas devido ao
cenário da Covid-19 na Alemanha no início do ano.
No entanto, no dia 1 de setembro, Frey informou à SBP
sobre a existência de uma lei alemã de 2016 sobre proteção cultural que
determina que material adquirido pela Alemanha previamente a 26 de abril de
2007 não está amparado pelas convenções da Unesco. Dessa forma, segundo a
interpretação do museu, o fóssil seria parte legal da coleção científica da
instituição, não devendo ser devolvido ao Brasil.
Ghilardi explica que o caso pode provocar uma série de
problemas se a revista científica considerar que o fóssil está de forma legal
na Alemanha e voltar a publicar o artigo:
— Caso isso se torne praxe, tudo que estiver nas
mesmas condições desse dinossauro será publicado sem nenhum problema. São toneladas
de materiais que estão na Europa como um todo, para os quais podem usar essa
prerrogativa para usar como se estivessem de forma legal lá. Ratificaria o
tráfico de fósseis como algo normal — afirma.
Rafael Rayol, procurador da República responsável pelo
procedimento, afirmou que está ciente da nova informação, mas ainda não recebeu
nenhuma comunicação oficial dos órgãos judiciais da Alemanha de que o país não
pretende repatriar o fóssil. Ele afirma que, caso isso seja confirmado, o MPF
irá tomar providências para tentar reverter a decisão:
— Essa nova informação no nosso entendimento está
equivocada. Pela nossa legislação, o fóssil não é considerado como patrimônio
cultural, portanto não estaria protegido por essa legislação alemã. Se isso se
confirmar perante o canal oficial legal, vamos tomar as providências para
reverter, com base em tratados internacionais — afirma.
Ghilardi explica que o Ubirajara jubatus é um terópode
(grupo de dinossauros), com características interessantes.
— Apesar de ser pequeno, ter um metro e meio de altura
no máximo, tem na região das costas uma série de estruturas que lembram penas.
Elas provavelmente faziam com que tivesse uma espécie juba, como um leão. Ele
também tem "espinhos" saindo dos ombros, como duas antenas. A forma
dele seria diferenciada por causa disso, é algo distinto, não há precedente —
explica.
O artigo em que a espécie de dinossauro é descrita foi
escrito por dois pesquisadores do Reino Unido, dois da Alemanha e um do México.
Segundo o estudo, ele teria sido encontrado entre os municípios de Nova Olinda
e Santana do Cariri, na formação Crato, e levado para a Alemanha em 1995, após
receber uma autorização do escritório regional do antigo Departamento Nacional
de Produção Mineral (DNPM), atual ANM.
Rayol afirma que foram realizadas apurações sobre a
suposta autorização: um servidor do então DNPM, que a princípio não teria essa
atribuição plena, teria feito uma doação de caixas de fósseis diversos. No
entanto, o órgão não tem mais o inventário determinando o que havia nelas.
O MPF ouviu diretamente a pessoa que teria assinado a
doação na época, atualmente um servidor aposentado, e ele afirmou que o fóssil
do Ubirajara não estava dentro das caixas, apenas outros de menor valor
científico, como pequenos peixes e crustáceos, dos quais já havia dezenas no
Brasil.
— São versões conflitantes. A Alemanha diz que o
fóssil estava nessas caixas, nossa apuração diz que supostamente não estava.
Então solicitamos a repatriação desse patrimônio, que pela Constituição é da
União. Isso vai passar por tratados internacionais que envolvam o Brasil e a
Alemanha — explica o procurador.
A SBP argumenta, ainda, que segundo a legislação
brasileira seria necessário um aval do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovações para autorizar o transporte para fora do país.
OGLOBO pediu um posicionamento do Ministério, da ANM e
do Museu de História Natural de Karlsruhe, mas não teve retorno até o momento.
Rayol afirma que existem dezenas de casos em que o MPF
busca a repatriação de fósseis brasileiros localizados principalmente em
diversos países da Europa e da Ásia e alguns nos Estados Unidos.
Ghilardi cita outro exemplo recente: o fóssil da
aranha Cretapalpus vittari, cujo nome científico homenageia a cantora Pabllo
Vittar, que também é oriundo da formação Crato e pode ter sido retirado de
forma ilegal do Brasil.
O presidente da SBP conta que após a repercussão do
caso do Ubirajara, vários pesquisadores entraram em contato com a entidade com
objetivo de devolver outros materiais. No entanto, nenhum foi repatriado até o
momento, pois se trata de um processo lento, explica.
Raphaela Ramos, Extra
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