Emerson Rossetti, professor de Língua Portuguesa e Literatura há 30 anos, tem mais de 1.200 inscritos no YouTube |
Na rotina de aulas on-line em meio à crise da covid-19, educadores brasileiros passaram a publicar conteúdo em plataformas abertas. Vídeos atingem não só seus alunos, mas também estudantes, professores e curiosos.
Em março de 2020, a pandemia de covid-19 impôs uma nova configuração para
as salas de aula. No contexto dos lockdowns, as atividades passaram a ocorrer
de forma on-line. De um dia para o outro, os professores também precisaram se
reinventar – giz e lousa deram lugar a um ambiente novo, cheio de cliques e
ícones. E, claro, uma câmera como janela ao mundo dos alunos.
Muitos profissionais que antes eram alvo de piadinhas dos estudantes por
mal conseguirem configurar corretamente um projetor multimídia em sala de aula
então passaram a se comportar como autênticos youtubers, tais e quais os ídolos
da garotada contemporânea.
Alguns educadores levaram isso mais a sério e decidiram não ficar
restritos às paredes virtuais das plataformas on-line de reunião, as novas
salas de aula. É o caso de Emerson Calil Rossetti, professor de Língua
Portuguesa e Literatura há 30 anos, que atualmente leciona em quatro escolas da
cidade de Avaré, no interior de São Paulo – Anglo, Portinari, FREA e Sudoeste
Paulista. Ele criou, no YouTube, o canal Elite da Língua.
"A experiência ocorreu como uma resposta às dificuldades impostas
pela pandemia. Na impossibilidade de mais encontros presenciais, pensei que o
canal poderia ser uma forma de manter contato com as pessoas interessadas em
questões de literatura, escrita e gramática", afirma. "E os
resultados têm sido bons."
Com atualização quinzenal, o Elite da Língua já tem mais de 1.200 seguidores,
e Rossetti afirma que tem "reencontrado" muitos ex-alunos, além de
"amigos, parceiros interessados nas mesmas causas".
"No canal, não preciso ficar preso a determinados 'protocolos' que o
ensino escolar exige. Os recursos, a dinâmica, a liberdade e a didática são
diferentes, mais flexíveis e, portanto, oferecem outras possibilidades de
criação de um produto", acredita.
O professor observa que o ensino remoto foi desafiador, "não só em
termos da utilização do aparato tecnológico, mas também relativamente à
metodologia e, principalmente, no que se refere a uma nova forma de relação
entre professor e aluno". A experiência, contudo, foi estimulante, afirma.
Popularização
do conhecimento
Com quase 5 mil assinantes em seu canal Pandêmicos, Tarik Godoy Dangl
Plaza, professor de Biologia e Ciências da Natureza no Sesi São Paulo, concorda
que foi estimulado pelo início das aulas on-line, pois se viu obrigado a
organizar seu tempo entre salas virtuais, gravações e edições de vídeo.
Quando abriu o canal, Plaza tinha em mente atender a um pedido que já lhe
era recorrente. "Vários alunos de escolas públicas que eu conhecia devido
a trabalhos anteriores entravam em contato comigo pedindo ajuda com matérias
para o vestibular, já que não tinham ou era deficitário esse conteúdo [no
sistema público de educação]", relata Plaza.
De forma descontraída, o professor apresenta desde assuntos mais sérios
presentes na ementa padrão, como o que é um retículo endoplasmático e como
funcionam os ribossomos, até curiosidades pop – o que aconteceria, por exemplo,
se a lua sumisse? No meio disso, há espaço para explicar
"cientificamente" personagens da ficção, como o Homem-Aranha e os
Pokémons, e tratar de temas contemporâneos, como a importância da Organização
das Nações Unidas (ONU) e a eficácia das vacinas.
Plaza percebe que a maior parte de seu público é formada por adolescentes
em fase pré-vestibular. Também nota que muitos professores consomem seu
conteúdo, seja para prepararem suas aulas, seja inclusive reproduzindo os
vídeos para seus alunos. Ele gosta: quer mais é que a informação circule mesmo.
"Temos em nosso âmago passar conhecimento para frente. Quando ficamos
impossibilitados de fazer isso [por conta da pandemia], alguns ficaram muito
chateados e deprimidos. No geral, as aulas pioraram em termos de qualidade, em
grande medida pela falta de incentivo da participação dos alunos", avalia
Plaza.
"Isso não foi culpa do professor, e sim da situação. Ninguém estava
preparado para lidar com uma realidade como essa", comenta. "Muitos
fizeram diversas atividades a mais do que a sala de aula e pouca gente fala
sobre isso. Vangloriamos os médicos e outros profissionais da saúde pelo
empenho durante a pandemia e esquecemos completamente de todos esses profissionais
que fizeram muito mais do que deveriam para o bem dos filhos de outras
pessoas."
Solução para
quem tem pouca internet
Professor de História na Escola Estadual Coronel Paiva, em Ouro Fino,
interior de Minas Gerais, Pedro Zarotti Moreira passou a utilizar o YouTube
como plataforma sem nenhuma intenção de que os vídeos viralizassem. No caso
dele, foi uma maneira de solucionar um problema enfrentado por seus alunos.
No regime de aulas on-line, muitos passaram a reclamar que não conseguiam
acompanhar os encontros realizados via Google Meet porque contavam com pacotes
de dados limitados – a maioria usava um aparelho celular de alguém da família.
"Já as aulas gravadas e colocadas no YouTube acabam tendo um consumo
muito menor de internet, já que o aluno pode configurar para ver numa resolução
menor. Esse foi o motivo principal de eu ter aberto o canal", explica
Zarotti.
O professor conta que, no início, ponderou se era melhor encontrar vídeos
já prontos sobre os temas e compartilhar com os alunos, ou ele mesmo gravar as
videoaulas. Optou pelo segundo formato "porque eles já estavam acostumados
com meu ritmo, com minha voz" e era uma maneira de manterem contato, mesmo
no período de isolamento social.
Espaço para o
lúdico
Também houve quem fez das plataformas digitais um espaço para compartilhar
conteúdo artístico, de forma lúdica e didática. Dessa forma, esses materiais
não se limitam a atingir alunos, mas acabam envolvendo a família. E,
principalmente nos períodos de lockdown, acabaram se tornando fonte de ideias
para passar o tempo de forma mais inteligente.
Professora de artes visuais no Instituto Singularidades, de São Paulo, e
autora dos livros Brincadeiras para tirar o bumbum da carteira e 300 propostas
de artes visuais, entre outros, Ana Tatit conta que a pandemia fez com que ela
"se trancasse em casa" e se sentisse "um pouco sozinha".
"Aí resolvi ensinar as brincadeiras que estão nos vários livros que
escrevi", diz.
"Foi uma maneira de brincar, mesmo que fosse com quem está em casa
nessa situação", acrescenta Tatit, que está tanto no Instagram quanto no
YouTube.
Pela própria temática, esse tipo de conteúdo acaba transcendendo o tempo
escolar e misturando-se também ao passatempo, aos momentos de brincar.
Professora no Colégio Vital Brazil e formadora na Escola Eduque e no Colégio
Bandeirantes, todos em São Paulo, Juliana Carvalho Carnasciali, mais conhecida
como JulliPop, levou para o Instagram um projeto que mescla ateliê de arte com
fabricação de brinquedos – em parceria com seu companheiro, o também
arte-educador Guilherme Rossi.
Para sua surpresa, o público acabou se expandindo. No início ela percebia
uma repercussão somente entre educadores, pedagogos e pessoas que trabalham com
crianças, mas agora seu conteúdo passou a alcançar famílias e também
adolescentes. "A gente não imaginava que podia atingir [esses
públicos]", comenta.
Mas se o impulso foi dado pela crise da covid-19, esses canais devem
continuar mesmo em um futuro pós-pandêmico. Pelo menos é o que esses
professores esperam.
"Não tenho absolutamente a pretensão de ser youtuber", diz,
entre risos, o professor Rossetti. "Mas acho que difundir informação,
leitura, técnicas de escrita, esclarecer coisas que pareciam tão difíceis,
contribuir para a formação das pessoas, tudo isso tem a ver com
responsabilidade social. É uma coisa que me agrada e que eu posso fazer."
Edison Veiga,
Deutsche Welle
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