Aumentar a influência do Poder Legislativo sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio de uma emenda constitucional, representa grave conflito de interesses, marcado pela tentativa de neutralização da autonomia do Ministério Público, uma de suas mais básicas e fundamentais características.
Mesmo atendendo a uma necessidade pessoal de muitos parlamentares, ou à
simples vingança, a PEC está tendo tramitação difícil, porque a reação da
minoria que ainda resiste ao desmonte dos mecanismos de combate à corrupção está
forte.
A obstrução é o mecanismo parlamentar para impedir que escândalos como
esse tenham sucesso no Congresso, impostos por uma maioria formada pela união
espúria de interessados em se blindar de seus crimes. Ou, caso a proposta seja
aprovada, para que pelo menos fique gravada na testa de seus apoiadores a marca
da vergonha.
Esse desfiguramento do CNMP é mais uma obra do presidente da Câmara, Arthur
Lira, que controla o Centrão, em parceria com o PT e todos os partidos ou
parlamentares investigados e punidos pelo MP, o que o torna um escândalo. Todas
as medidas aprovadas ultimamente por inspiração do Centrão para desmontar a
máquina de combate à corrupção tiveram apoio do PT.
Pela proposta, o CNMP passa a ter poderes de até mudar as decisões do MP, e
terá mais gente do Congresso em sua composição, o que significa que o espírito
de corpo favorecerá que nunca mais políticos sejam punidos. Bolsonaro está
fazendo acordos políticos para nomear antecipadamente ministros para o Tribunal
de Contas da União (TCU), já desmontou o Coaf, aparelhou todos os órgãos
de fiscalização e agora quer manietar o MP.
Hoje existe a possibilidade de o CNMP anular decisões do MP, mas dentro de
parâmetros que precisam ser cumpridos, diante de uma composição de membros que
não favorece uma corporação específica como os parlamentares. À Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR) diz que o texto original já
continha previsões que aumentavam a influência do Poder Legislativo sobre o CNMP,
como a transferência de uma vaga hoje destinada ao Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para o Congresso Nacional e a
possibilidade de o corregedor-geral do MP ser escolhido entre membros de fora
da carreira, que passariam a ser maioria no conselho.
A proposta original, que já era ruim, foi feita pelo deputado petista Paulo
Teixeira, mas, para demonstrar que tudo pode piorar, o relator, deputado Paulo
Magalhães, do PSD, incluiu dispositivos que não haviam sido discutidos e que,
caso aprovados, violarão o próprio desenho institucional do MP. Como exemplo, a
previsão de os procuradores-gerais de cada ramo do MP escolherem dois terços
dos integrantes de seus respectivos conselhos superiores introduz um modelo
hierarquizado que enfraquece a democracia interna, na visão de muitos
procuradores.
A intenção da PEC de controlar as decisões do Ministério Público está
revelada na proibição de seus membros 'interferirem na ordem política e nas
instituições constitucionais com finalidade exclusivamente política', o que
seria uma definição vaga que daria pretexto para uma intervenção do CNMP.
Segundo mais de cem entidades ligadas ao meio ambiente, para cujo trabalho o
MP tem sido fundamental, 'são princípios institucionais do Ministério
Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional'. E
esses princípios 'formam a espinha dorsal do modelo constitucional do Ministério
Público'.
A PEC, que pode ir a votação ainda nesta semana, é conhecida como 'PEC do
Gilmar', referência ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), que, no entanto, garante que nada tem a ver com ela. Pode ser que não
tenha colocado a mão na massa, mas a inspiração é, sem dúvida, sua ojeriza, tão
grande quanto a dos parlamentares atingidos, aos procuradores do Ministério
Público de Curitiba que, junto com o ex-juiz Sergio Moro, levaram adiante
a Operação Lava-Jato. Gilmar chegou ao ponto de afirmar, dias atrás, que
estivemos mais próximos de um golpe durante a Operação Lava-Jato que no governo
Bolsonaro.
"Desfiguramento do CNMP é mais uma obra do presidente da Câmara, Arthur
Lira, que controla o Centrão, em parceria com o PT"
Merval Pereira, O Globo / Opinião
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