Imagens feitas por jornalistas investigativos mostram policiais da Croácia conduzindo grupos de migrantes ilegais de volta para a Bósnia e reacendem debate sobre os chamados "pushbacks".
Jornalistas investigativos registraram ações brutais para repelir
migrantes em cinco locais na fronteira entre a Bósnia e a Croácia. As
gravações, feitas entre maio e setembro de 2021, documentam 11 casos em que
pessoas que entraram de forma irregular são expulsas à força. Ao todo, mais de
140 pessoas teriam sido deportadas dessa forma, aparentemente sem a verificação
das autoridades se elas seriam elegíveis para receber refúgio.
De acordo com organizações de direitos humanos, houve mais de 16 mil
pushbacks – como são chamados os retornos forçados de refugiados e migrantes
pela fronteira – apenas na fronteira entre a Croácia e a Bósnia no ano passado.
Incidentes semelhantes foram observados recentemente na fronteira entre Belarus
e Polônia e são repetidamente objeto de relatórios na fronteira entre Turquia e
Grécia e no alto-mar.
Há vários anos que a expulsão violenta de migrantes irregulares é
criticada por políticos e organizações de direitos humanos. "Os pushbacks
são simplesmente ilegais", diz Gillian Triggs, alta comissária adjunta da
ONU para Refugiados. Mas pushback é um termo político sem uma definição
jurídica clara.
Um país pode impedir à força a entrada de pessoas?
Em princípio, um Estado pode decidir livremente sobre a entrada de
cidadãos de outro Estado. A defesa das fronteiras – e, assim, da soberania
territorial – está nas mãos de cada país, e isso vale também na União Europeia.
Cada governo decide quão "robusta" será a gestão de sua fronteira,
mas as autoridades fronteiriças devem cumprir a legislação internacional: elas
devem agir de forma adequada e manter a proporcionalidade – quer dizer, a ação
do Estado não pode violar os direitos humanos.
Nem todas as pessoas que cruzaram ilegalmente as fronteiras de um Estado
podem ser empurradas de volta para o Estado vizinho: essa ação é impedida,
sobretudo, pela Proibição da Expulsão Coletiva e pelo chamado Princípio da Não
Devolução.
O Princípio da Não Devolução, mencionado na Convenção de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados, de 1951, está ancorado no direito internacional e
válido em todo o mundo. Ele proíbe os Estados de retornar pessoas a países onde
elas correm o risco de sofrer tortura ou outras violações graves de direitos
humanos.
Quais leis protegem os migrantes irregulares?
A Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), assinada por 47 Estados,
define a proibição de expulsão coletiva em seu quarto protocolo adicional. No
entanto, os imigrantes ilegais não podem simplesmente invocar essa proibição
para impedir sua repatriação ou para forçar sua re-entrada. Numa decisão que
recebeu muita atenção, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) legalizou
os pushbacks em fevereiro de 2020.
Os autores da ação, requerentes do Mali e da Costa do Marfim, não puderam
invocar a proibição de expulsões coletivas porque eles teriam usado de
violência e meios irregulares para cruzar a fronteira para o enclave espanhol
de Mellila, no Marrocos – embora houvesse uma passagem de fronteira legalmente
aberta.
Enquanto migrantes que entrarem ilegalmente apenas podem invocar a
proibição de expulsão coletiva em tribunal, refugiados – nos termos da
Convenção de Genebra – têm uma proteção jurídica muito mais ampla contra a
repatriação através do Princípio da Não Devolução.
A expulsão de requerentes de refúgio que já se encontram no território da
UE viola o Princípio da Não Devolução quando a situação de vulnerabilidade
deles não tiver sido verificada. "Quando alguém alcança o território de um
Estado-membro da UE tem o direito de apresentar um pedido de refúgio que
precisa ser analisado", explica o especialista em direito marítimo Alexander
Proelss.
A agência da ONU para refugiados (Acnur) e especialistas em direito
internacional dizem que o Princípio da Não Devolução vale já na fronteira, ou
seja, mesmo que a pessoa ainda não tenha pisado no território de um país-membro
da UE.
Expulsões em
alto-mar
No caso dos pushbacks marítimos, a distância até a costa desempenha um
papel fundamental. Como regra, a soberania de um Estado termina a 12 milhas
náuticas de sua própria costa. Se a guarda costeira – como já aconteceu várias
vezes – forçar barcos de refugiados que estão além dessa zona a dar meia-volta,
isso não constitui uma violação do Princípio da Não Devolução. Porém, todos os
capitães são obrigados a prestar socorro se avistarem uma embarcação em risco,
não importa em que águas.
Por fim, a entrada na UE sempre pode ser recusada. "Não há nenhuma
obrigação prevista no direito marítimo internacional de que o Estado alcançado
– por exemplo a Itália ou a Grécia – deva acatar que as pessoas fiquem no seu
território", explica Proelss.
No fim das contas, seja no mar, seja em terra, poucas das pessoas afetadas
por um pushback têm a disposição e os recursos para adotar medidas legais
contra a sua rejeição.
Deutsche Welle
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