O desmatamento da Amazônia, com a substituição das florestas por uma vegetação típica de savanas, combinado com as mudanças climáticas, pode trazer consequências fatais para o ser humano, principalmente em regiões onde residem populações vulneráveis, que poderão ficar expostas ao risco de exposição a estresse por calor, situação em que as condições ambientais não são favoráveis para que o homem possa manter sua temperatura corporal.
Essa é uma das conclusões do primeiro estudo dos impactos combinados do desmatamento
e das mudanças climáticas na saúde humana, realizado pelos pesquisadores
Beatriz Alves de Oliveira, da Fundação Oswaldo Cruz do Piauí (Fiocruz PI);
Marcus Bottino e Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe); e Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de
São Paulo (IEA/USP).
“Quando nós temos um ambiente com alta temperatura e também com alta
umidade do ar, nosso corpo tem mais dificuldade de troca de calor com o meio
externo e isso, em algumas situações, pode ser fatal. No nosso estudo,
mostramos que, com a savanização da floresta amazônica, que é traduzida aqui
pela substituição da floresta por uma vegetação do tipo savana, potencializa
esse risco de exposição a estresse por calor. E isso pode impactar,
principalmente, grupos prioritários como, por exemplo, idosos, crianças,
populações com condições pregressas e, além disso, algumas atividades, como
atividades ocupacionais e esportivas”, expôs Beatriz Alves de Oliveira.
Segundo afirmou, os efeitos vão ser sentidos a nível local e regional,
afetando municípios da Amazônia e da Região Norte, que têm baixa capacidade de
resiliência e alta vulnerabilidade social. O estudo aponta para uma necessidade
de gerar e de impulsionar ações coordenadas de alguns setores, entre os quais
saúde, energia, infraestrutura e proteção social, para evitar esses efeitos
negativos, especialmente nessas regiões que podem ser vulneráveis a esses
riscos extremos, salientou a pesquisadora de Saúde Pública da Fiocruz Piauí.
Para Beatriz, os efeitos locais das mudanças no uso da terra estão
diretamente ligados às políticas e estratégias de sustentabilidade das
florestas. “E as mudanças nessas áreas estão ao alcance da sociedade. Nessas
áreas, o setor de saúde poderia ser um importante motivador na formulação de
políticas integrativas para mitigar o risco de estresse térmico e a redução da
vulnerabilidade social”, apontou.
O estudo Desmatamento e mudanças climáticas projetam aumento do risco de
estresse térmico na Amazônia Brasileira sinaliza que existe um limite de
desmatamento da Amazônia que impactará a sobrevivência da espécie humana. Esse
limite é acompanhado por um “efeito extremo na saúde” que deixará cerca de 12
milhões de pessoas da região Norte do Brasil expostas ao risco extremo de
estresse térmico, até 2100, quando serão atingidos os limites de adaptação
fisiológica do corpo humano devido ao desmatamento. Em resumo, o que a pesquisa
quer dizer é que o ser humano não será capaz de manter sua temperatura corporal
sem adaptação.
Resfriamento
Os pesquisadores analisam que sob condições ambientais desfavoráveis, que
incluem alta exposição à temperatura e umidade, as capacidades de resfriamento
do corpo enfraquecem, ocasionando aumento da temperatura corporal. Em
consequência, isso pode provocar desidratação e exaustão e, em casos mais
graves, tensão e colapso das funções vitais, levando à morte. Além disso, o
estresse causado pelo calor pode afetar o humor, causar distúrbios mentais e
reduzir o desempenho físico e psicológico das pessoas.
De acordo com Paulo Nobre, pesquisador do Inpe, “as condições extremas de
calor induzidas pelo desmatamento podem ter efeitos negativos e
significativamente duradouros na saúde humana”. Destacou a necessidade de se
entender globalmente que “se o desmatamento continuar nas proporções atuais, os
efeitos serão dramáticos para a civilização. Essas descobertas têm sérias
implicações econômicas que vão além dos danos às lavouras de soja”, afirmou
Nobre.
No Brasil, com base em dados observacionais, os efeitos combinados do
desmatamento e das mudanças climáticas já estão sendo relatados, com os valores
de aquecimento mais extremos comprovados em grandes áreas desmatadas no período
de 2003 a 2018, indica o estudo. As modelagens climáticas feitas pelos pesquisadores
evidenciam que a combinação de mudança no uso da terra e aquecimento global
pode ampliar ainda mais os riscos ocupacionais.
Os fatores induzidos pelo homem e responsáveis pela savanização da
Amazônia, como aumento do número de incêndios florestais, expansão de áreas
agrícolas e atividades de mineração, tendem a impulsionar o crescimento
desordenado e um processo de urbanização sem planejamento, com falta de
infraestrutura sanitária básica e trabalho informal mais frequente. “Esses
fatores estão associados ao processo de desmatamento e ao aumento da
desigualdade e da vulnerabilidade, que atuam em sinergia com os efeitos das
mudanças climáticas, aumentando ainda mais a demanda por serviços de saúde e
proteção social na região da Amazônia brasileira”, explicam os pesquisadores.
Impactos
Os maiores impactos diretos serão sentidos na Região Norte do país. Do
total de 5.565 municípios brasileiros, 16% deles, ou o correspondente a uma
população de 30 milhões de pessoas, sofrerão impactos por estresse térmico com
a savanização da Floresta Amazônica. Da população impactada, 42% residem em
municípios do Norte brasileiro, que apresenta baixa capacidade de resiliência e
alta vulnerabilidade social. Com a savanização da Amazônia e as limitações na
capacidade de adaptação da Região Norte do Brasil, a população dessa área
poderá viver em condições precárias de sobrevivência, impulsionando efeitos
como a migração em massa, analisa o estudo.
Várias áreas da economia poderão ser impactadas pelo aumento da exposição
ao estresse térmico, ocasionando redução da produtividade do trabalho, porque
os trabalhadores estarão expostos a condições térmicas fatais. No Brasil, os
trabalhadores ao ar livre já estão expostos ao estresse térmico, e as projeções
apontam para um aumento da exposição a alto risco nas próximas décadas. O
aumento de 1,5°C na temperatura média global, com base nas projeções dos
modelos climáticos dos pesquisadores, poderá representar 0,84% das perdas de
jornada de trabalho até 2030, o que corresponde a 850 mil empregos de tempo
integral, principalmente nos setores agrícola e de construção civil. O estudo
mostra que, na área agrícola, o alto risco associado ao trabalho intenso e à
sobrecarga térmica já foi observado entre cortadores de cana-de-açúcar.
Os pesquisadores não consideraram no estudo o crescimento populacional ou
mudanças na estrutura demográfica, nem tampouco expectativa de vida. Por isso,
os resultados do trabalho refletem os efeitos isolados da mudança climática e
da savanização e podem ser interpretados para representar os efeitos que seriam
observados se a população atual fosse exposta às distribuições projetadas de
estresse térmico. Em relação à vulnerabilidade da população exposta, essa
variável foi avaliada por meio do Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) dos
municípios brasileiros, que é baseado em 16 indicadores que refletem
fragilidades no sistema de saúde e educação (capital humano), infraestrutura
urbana e renda e trabalho, informou a Fiocruz.
Alana Gandra, Agência Brasil
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