domingo, 28 de fevereiro de 2016

A sorte lançada, o conto dramático


Sua vez se aproximava e, à medida que os minutos corriam, a tensão aviltava. A fila curta, com poucas pessoas, inexplicavelmente parecia gigantesca porque em seus pensamentos a queria longa, distante, infindável. Os pés formigavam, as pernas ardiam, o rosto explodia em tiques nervosos que rompiam por toda a face. O suor escorria pelas costas; derretia a pasta de desodorante sob as axilas; tornava a parte mais íntima das roupas, úmidas; outras, era a impressão, já estavam literalmente encharcadas. Do estômago vinha até a boca uma massa quente de ar que depois retornava à barriga, e à boca, e de novo à barriga, e mais uma vez à boca, qual uma bola fazendo do interior do corpo uma quadra do esporte indesejado.

   Concentrava-se tentando manter a calma e a tranquilidade. Rememorava os exercícios de ioga que praticara quando adolescente. “São excelentes para o domínio do período pré-menstrual”, dizia a mãe. Recordava da sequência de laboratórios de teatro que procurava conformar no ator o absoluto controle sobre o corpo e as emoções. Mas o tempo voava como bólido, absoluto e intangível, dificultando qualquer medida de proteção, retirando as parcas possibilidades de controle, deixando um rastro de insegurança, aflição e medo.


   Quanto mais se percebia vulnerável mais se atracava à mala de fundo falso onde escondera o proibido, a mercadoria que a redimiria da vida erma e sem sentido que levava. Seria flagrada, descoberta, pega com a boca na botija? Seriam seus segredos violados, revirados, expostos no gancho, à vista de todos, como carne uivando no açougue? Sua máscara exalaria como fumaça escassa, fogo pequeno?

   Por instantes tentou pensar em outras coisas, navegar pelo passado distante, impor à imaginação novos assuntos. Mas a toada da fila, a proximidade cada vez maior dos agentes de segurança... A realidade esbofeteava seu rosto delicado com a virulência do azorrague. Mais alguns minutos e estaria, frente a frente, com seu destino. Luz verde ou vermelha? Prisão ou liberdade? Brisa amena das manhãs de praia ou o ar viciado e intragável do cárcere anunciado? Que tipo de futuro a espreitava ao final do corredor? Seria guinchada, parada para a revista? Ou consentiriam que flutuasse ilesa sobre aquele muro invisível e intransponível?


   A barriga deu de roncar. Primeiramente ensaiou a toada de um instrumento solo, mas logo entoou no compasso de um samba de breque. A cabeça tinia como um cone invertido sendo ferroado pelo badalo. Pensou que talvez fosse melhor sair correndo, fugir para lugar distante, abandonar o plano tão arriscado e radical. Com certeza haveria formas mais simples e menos perigosas de mudar a vida. Talvez fosse melhor voltar para o inferno de sua casa, de seu lar.  Não, não. Não daria tempo. Agora era tarde demais. Ocupava já a terceira posição na fila da revista e todos perceberiam caso rompesse em disparada, aeroporto afora. Agora já não havia escolha. Impossível dar o passo atrás. Seria tudo ou nada. O sucesso e o fracasso desenhavam os passos cavalgando, de mãos entrelaçadas, o mesmo segundo. Quem venceria a corrida? A vitória? A derrota? (Para continuar lendo, clique aqui.)


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