domingo, 21 de novembro de 2021

"A máquina de moer carne" seria o conto perene?

 


    João Deodato, do quarto do hotel que escolhera para se despedir da vida, olhava a fila que cingia, qual serpente peçonhenta, cinco gigantescos quarteirões do centro da cidade. Eram milhares de adolescentes ávidos por uma oportunidade, sequiosos pelo primeiro emprego. Dia após dia alimentavam todo um comércio paralelo, um camelódromo aberto que ali se estabelecera em função do volume e da aglomeração de pessoas. Havia um exército de biscateiros e camelôs, ambulantes e embusteiros, uma horda de oportunistas que comercializavam de tudo. Picolé, amendoim, guloseimas, bolo, suco, refrigerante, cerveja, pinga, cigarro, bugigangas do Paraguai; lotes em favelas, invasões e assentamento de sem terra; licenças e alvarás da prefeitura; carteira de motorista e anistia de multas de trânsito; indulto de natal e até senha para audiência com o tesoureiro de campanha do candidato a presidente da República, a individual ao preço mil vezes maior que a coletiva. Mas o pequeno empreendedor mais vistoso e cobiçado era o que comercializava vagas na fila infinita. E cobrava em dólar utilizando uma tablita atualizada a cada 20 minutos para computar com precisão a desvalorização da moeda brasileira.

   Como era período de campanha eleitoral acorriam, também, os candidatos aos cargos de prefeito e vereador. Em troca do voto prometiam a realização dos sonhos, sem limitações de qualquer espécie. Emprego em primeiro lugar. Depois, pela ordem, a casa própria, a cadeira de rodas, a bolsa de estudos, a bicicleta ou a motoneta para fugir do caos do transporte coletivo, o remédio sempre inexistente no posto de saúde, a cirurgia inevitável, a internação determinada, a aposentadoria desdenhada pelo governo, o retorno do marido que abandonou a família, a reabilitação da filha que se prostituiu, a recuperação do filho que caiu no crack, uma indulgência para o convertido, o perdão para o infeliz que se apaixonou pela madrasta, e para cada sonho o compromisso registrado em cartório assegurando plena materialização tão logo se confirmasse a vitória nas urnas.  

   Os jovens que saciavam a fome da hidra jogavam ali, na fila do primeiro emprego, suas ultimas esperanças. Já adentrando a fase adulta tinham diante de si o desafio de viabilizar o futuro, de se afirmarem, de dizerem presente ao mundo, de se livrarem do domínio dos pais, e de provarem a si mesmos que, apesar dos obstáculos, das barreiras, e das dificuldades, ainda era possível lograr êxito na vida.




   Seus pais, cansados da labuta bruta e da batalha desigual, eram os que municiavam as estatísticas do desemprego, ilustradas em curvas sempre ascendentes; eram os mesmos que subsidiavam calhamaços de teorias sociais e teses acadêmicas; os que embasavam a implementação de programas sociais talhados para sustentar a corrupção endêmica e o enriquecimento ilícito. Os pais - que em outras épocas constituíam a base, o esteio, a âncora da família, que mantinham a mesa farta e as esperanças em dia - passavam agora o tempo batendo perna em busca de um posto de trabalho quimérico, fazendo um bico aqui e um biscate acolá; e na fila do abismo acompanhavam a angústia dos filhos, fazendo companhia, andando nervosamente de um lado para o outro, anunciando roupas de seda barata, relógios de quinta linha, e CD`s piratas, intentando extrair do nada os trocados da sobrevivência vegetativa. Famílias inteiras jaziam ali naquele universo absurdo e deplorável. Pai e mãe desempregados, cabelos e corpos ressequidos pelo sol escaldante, biscateando meias de nylon e pilhas de rádio, e os filhos na fila em busca da única fonte de renda fixa, aquela capaz de assegurar o prato de comida, o passe do ônibus, ou o remédio de raiz, genérico do genérico do genérico. Era o máximo que a situação possibilitava, um fugaz e efêmero flerte com o universo dos sonhos.

   Deodato, impávido como um soldado que tira vigília no posto de observação encravado no segundo andar do desvalido Hotel Luxor, observava os detalhes da vida comezinha que se desenrolava lá em baixo. Chamou a atenção o ritual da refeição miserável entronizada no meio da rua à vista de todos. As famílias, em cada vértebra da cascavel, se reuniam sem trocar palavras, sem permutar impressões; sem proferir orações, agradecimentos ou qualquer outro tipo de condolência. Uma cerimônia fria e indevassável. De um saco opaco do empório mais distante extraiam os pães amanhecidos untados com óleo de cozinha, bolos bolorentos, iogurtes com data de validade vencida vendidos a preços módicos pela rede multinacional de supermercados... E faziam daquela mistura uma inhaca que descia goela abaixo a custa de ki suco de groselha e tangerina.




   Terminada a refeição primeiramente se retirava o pai, apequenado, cabisbaixo, envergonhado, parceiro de um silêncio injurioso; e a seguir partia a mãe, não sem antes acariciar os filhos com um beijo, um abraço, um olhar singelo, ou um sinal qualquer de ternura e compaixão. As progenitoras partiam olhando para trás sem conseguir romper o feixe de luz que conduzia suas visões aos rebentos amados, como se a todo instante se desculpassem pela miséria, pela humilhação, pela tragédia estúpida e imoral, desgraça tal qual um sorvedouro sequioso sugando diuturnamente o corpo e a alma das pessoas.


   Deodato passava o dia na mesma posição, olhando da janela do quarto a serpente venenosa que não parava de crescer. Cruel serpente que se alimentava do que de melhor havia naquelas crianças espichadas, pré-adultos que ostentavam ainda os trejeitos da puberdade. A víbora inchava rodopiando mais quarteirões, enfunando voluptuosamente, engolindo a virilidade, a energia, a juventude, os cândidos ideais, as esperanças daqueles jovens nascidos para perder. Eram mais de setenta mil candidatos disputando sete vagas, meras sete vagas para um emprego que remunerava o minimum minimorum. O boato que corria a fila dava a informação que a empresa disponibilizaria também vale educação, vale vestuário, vale sapato, vale refeição, vale saúde, vale dentifrício, vale camisinha, vale cultura, vale transporte... Mas a minúscula nota veiculada no jornal convocando os interessados ao emprego era clara quanto aos benefícios oferecidos: remuneração de um salário mínimo e mais vale transporte. Os candidatos deveriam se submeter a um processo seletivo que incluía provas discursivas de inglês, espanhol, português, matemática, raciocínio lógico, estatística, administração, relações humanas, ciências sociais, geografia, história, química, física e duas baterias de testes de resistência física. Só a resignação ancorava aquele tormento, e ali permaneciam mais para desencargo de consciência. O pior era que se imaginavam os responsáveis por todo aquele calvário: os pais e eles próprios que não se esforçaram o suficiente, não se entregaram o necessário para escapar do flagelo. Na fila do infortúnio estavam várias gerações de fracassados, todos os que sorveram o cálice da amargura (Para ler o conto completo, clique aqui).


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Dramaturgo, o autor transferiu para seus contos literários toda a criatividade, intensidade e dramaticidade intrínsecas à arte teatral. 

São vinte contos retratando temáticas históricas e contemporâneas que, permeando nosso imaginário e dia a dia, impactam a alma humana em sua inesgotável aspiração por guarida, conforto e respostas. 

Os contos: 
1. Tiradentes, o mazombo 
2. Nossa Senhora e seu dia de cão 
3. Sobre o olhar angelical – o dia em que Fidel fuzilou Guevara 
4. O lugar de coração partido 
5. O santo sudário 
6. Quando o homem engole a lua 
7. Anos de intensa dor e martírio 
8. Toshiko Shinai, a bela samurai nos quilombos do cerrado brasileiro 
9. O desterro, a conquista 
10. Como se repudia o asco 
11. O ladrão de sonhos alheios 
12. A máquina de moer carne 
13. O santuário dos skinheads 
14. A sorte lançada 
15. O mensageiro do diabo 
16. Michelle ou a Bomba F 
17. A dor que nem os espíritos suportam 
18. O estupro 
19. A hora 
20. As camas de cimento nu 


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A Coleção Mundo Contemporâneo: os livros infantis para pirralhos, adultos e idosos que preservam uma criança dentro de si.

A Coleção Mundo Contemporâneo contém 10 livros infantis. Cada um dos volumes aborda uma questão estratégica para o avanço da civilização.

O objetivo é oferecer às crianças e à juventude uma panorâmica sobre questões candentes da contemporaneidade, desafios que exigem atitude e posicionamento por parte dos que, amanhã, serão responsáveis por conduzir a humanidade e o planeta em direção à sustentabilidade. 


Veja aqui as obras da Coleção:

1 - O sapinho Krock na luta contra a pandemia

2 - A onça pintada enfrenta as queimadas na Amazônia e no Pantanal 

3 - A ariranha combate a pobreza e a desigualdade

4 - A hárpia confronta o racismo

5 - O boto exige democracia e cidadania

6 - O jacaré debate educação e oportunidades

7 - O puma explica trabalho e renda

8 - A anta luta contra o aquecimento global

9 - O tucano denuncia a corrupção e os narcoterroristas

10 - O bicho preguiça e a migração


Clicando aqui, você acessa a coleção em inglês. 

 

Coleção

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autor

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A coleção da bruxinha serelepe: 

 




1.    Planejar       

2.    Organizar    

3.    Estudar        

4.    Exercitar      

5.    Leitura         

6.    Cultura        

7.    Meditar        

8.    Interagir       

9.    Fazer amigos

10. Respeito e motivação

 

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O autor

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Veja os vinte livros da Coleção Ciência e espiritualidade para crianças:


Livro 1 - Panda Zen e a menina azeda

Livro 2 - Panda Zen e o verdadeiro valor

Livro 3 - Panda Zen e as mudanças

Livro 4 - Panda Zen e a Maria vai com as outras

Livro 5 - Panda Zen e a estrelinha cintilante

Livro 6 - Panda Zen e a verdade absoluta

Livro 7 - Panda Zen e o teste das três peneiras

Livro 8 - Panda Zen e os ensinamentos da vovó

Livro 9 - Panda Zen e os cabelos penteados

Livro 10 - Panda Zen e a magia da vida feliz

Livro 11 - Panda Zen e as paixões enganosas

Livro 12 - Panda Zen entre a reflexão e a ação 

Livro 13 - Panda Zen e o mais importante

Livro 14 - Panda Zen, a gota e o oceano

Livro 15 - Panda Zen e a indecisão

Livro 16 - Panda Zen e o vaga-lume

Livro 17 - Panda Zen e a busca da identidade

Livro 18 - Panda Zen entre o arbítrio e a omissão

Livro 19 - Panda Zen e o trabalho

Livro 20 - Panda Zen e a falsa realidade