sexta-feira, 1 de março de 2024

"Quando o homem engole a lua" - a libertação, os quilombos

 


    

    As bombas sibilavam singrando o espaço, exalando o inconfundível odor de pólvora, legando ao ar um sinistro rastro de fogo. A batalha seguia ininterrupta, rompendo a semana sem prenúncio ou sinal de armistício ou trégua. O cheiro nauseante de sangue coagulado em carne putrefata; os cadáveres desfigurados, esmarridos, condensando os grãos de terra, compunham a grotesca barbárie que conforma os campos de guerra. Em todos os quadrantes, todas as direções, independente do sentido, ali estavam claramente expostas todas as variações possíveis da dor, sofrimento, agonia, e desgraça humana. O terrível cenário de terra arrasada e o horizonte hediondo não sensibilizavam os lados em conflito. Sequer trégua - historicamente acordada em todos os conflitos que a humanidade experimentou - destinada a enterrar os mortos e recolher os feridos era ventilada, tamanha a virulência da batalha.


   O recôncavo onde se improvisou a enfermaria mais parecia um abatedouro de suínos. Gritos de dor, histeria e desespero, ranger de dentes, corpos sem vida empilhados sobre o piso de madeira aguardando enterro coletivo. A simples pá de cal cuidava de substituir as exéquias. Feridos de morte eram esquecidos em macas espalhadas por todas as partes do enorme barracão. Lençóis antes alvos e límpidos se fizeram turvos, emborrachados a sangue. Enfermeiros e auxiliares em movimento caótico esbarrando uns nos outros. Escorrendo nos estreitos corredores formados pelas macas enfileiradas, dois médicos velando de mais de 100 feridos de guerra.




   Exímio no manejo do ferramental médico, o Dr. Gustavo operava sete pacientes ao mesmo tempo. Tentava o impossível. Quando se aproximou do combalido seguinte, o oitavo, não encontrou reação que fosse. Viu um soldado da cavalaria, negro, forte e alto, mais de 100 quilos, as duas pernas dilaceradas com fraturas múltiplas e expostas, certamente esmigalhadas por uma bala de canhão. Como em todos os demais casos, quase nada havia a fazer. Tomou o serrote para iniciar a amputação, aproximou, vergou-se sobre o ferido esperando auscultar um sopro qualquer, um suspiro de vida. A estafa e a deplorável situação das pernas do negro o fizeram desejar que o coitado estivesse já no plano superior, onde as guerras e a dor não vicejavam. De modo que se surpreendeu quando o paciente abriu um dos olhos e depois o outro. E então falou com extrema dificuldade, a voz, a alma e o corpo tomados de ulcerações:

- Doutô... um preto com perna é escravo, mas sem as perna não é coisa arguma. Pelo amô de Deusi... o sinhô credita não é, credita no Todo Poderoso?... entonce não corta minhas perna. Se eu tivé que morrê, que seja... deixa que eu morra em paiz... com as minhas perna... pelo amô de Nossa Senhora Mãe de Jesus Meninu, não me deixe vivo sem as perna que Deusi me deu.




   Mal terminou a súplica e José Jorge desfaleceu. Recobrou os sentidos num relance para novamente surpreender o experiente médico:

- Doutô, meu nome é Zé... José Jorge. Pelo amô de sua mãe não corte as minhas perna. – E desfaleceu repetindo seu nome com a voz quase inaudível: - Eu tenho um nome, doutô... É José Jorge.




   Dr. Gustavo por um instante tornou-se um amontoado de indecisões. E estancou os gestos mecânicos que o movimentavam desde que as batalhas se intensificaram. Deixou-se imóvel com o serrote estendido a meia altura. De alguma forma as palavras do negro calaram fundo em seu âmago. Conseguiu se olhar - jamais entendeu como - e viu um trapo, um farrapo, uma coisa medonha, um restolho de gente, noites e noites sem dormir entremeadas com outras mal dormidas, avental encardido de suor e coberto por camada sobre camada de sangue, rosto respingando um cansaço endêmico, e as mãos feridas pelo manuseio continuado do instrumental cirúrgico. A enfermaria era um estuário do inferno, a vida esvaindo, evaporando celeremente, engrossando os pelotões do exército que marchavam para o paraíso. Olhando para si, Dr. Gustavo se viu uma maca improvisada, um esparadrapo que inexistia, o frasco de éter que há tempos acabara, a anestesia que faltava, medicamentos que jamais chegariam... Quando jovem imaginara para si um futuro diferente: seria um guardião da vida, um predestinado a suprimir a dor das pessoas, cuidando, curando e revitalizando doentes e enfermos. Mas a guerra determinou um outro futuro e fez dele um despachante da morte, um guia subalterno do purgatório, o aprendiz do auxiliar do capelão... a missão não se diferenciava, se reduzindo a aplicar a extrema unção. Enquanto se permitia mergulhar nos sentimentos, Dr. Gustavo atinou para o quanto alguma coisa no olhar e no fugaz colóquio do negro o melindrara. Quisera uma conferência ligeira com o colega João Campos, o outro médico do hospital militar, como ele prisioneiro daquele lugar em que ninguém se encontrava, de fato, liberto. Enquanto todos os prostrados eram soldados condecorados pelo número de mortes; os parcos sobreviventes – auxiliares, enfermeiros e médicos – estavam como zumbis, condecorados pelo número de vidas que permitiam vegetar. Mas como deliberar com o colega João Campos se cada um tratava, simultaneamente, de cinquenta desgraçados moribundos. Caiu em si, encostou o instrumento dilacerante na primeira perna de José Jorge tencionando serrar, mas não teve forças para dar movimento aos braços. De novo imóvel, paralisado, refletindo sobre as palavras do negro. “José Jorge é o seu nome”, relembrou. Respirou recolhendo em suas profundezas o que restava de forças e insinuou dar ao serrote o necessário movimento. Na terceira tentativa, desistiu. Voltou-se para o atendimento simultâneo aos demais sete esquartejados que assistia e gritou à enfermeira:

- Aplique o que restou neste aqui e deixe-o em paz. (Para ler o conto completo, clique aqui).



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Dramaturgo, o autor transferiu para seus contos literários toda a criatividade, intensidade e dramaticidade intrínsecas à arte teatral. 

São vinte contos retratando temáticas históricas e contemporâneas que, permeando nosso imaginário e dia a dia, impactam a alma humana em sua inesgotável aspiração por guarida, conforto e respostas. 

Os contos: 

1. Tiradentes, o mazombo 
2. Nossa Senhora e seu dia de cão 
3. Sobre o olhar angelical – o dia em que Fidel fuzilou Guevara 
4. O lugar de coração partido 
5. O santo sudário 
6. Quando o homem engole a lua 
7. Anos de intensa dor e martírio 
8. Toshiko Shinai, a bela samurai nos quilombos do cerrado brasileiro 
9. O desterro, a conquista 
10. Como se repudia o asco 
11. O ladrão de sonhos alheios 
12. A máquina de moer carne 
13. O santuário dos skinheads 
14. A sorte lançada 
15. O mensageiro do diabo 
16. Michelle ou a Bomba F 
17. A dor que nem os espíritos suportam 
18. O estupro 
19. A hora 
20. As camas de cimento nu 

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A Coleção Mundo Contemporâneo: os livros infantis para pirralhos, adultos e idosos que preservam uma criança dentro de si.

A Coleção Mundo Contemporâneo contém 10 livros infantis. Cada um dos volumes aborda uma questão estratégica para o avanço da civilização.

O objetivo é oferecer às crianças e à juventude uma panorâmica sobre questões candentes da contemporaneidade, desafios que exigem atitude e posicionamento por parte dos que, amanhã, serão responsáveis por conduzir a humanidade e o planeta em direção à sustentabilidade. 


Veja aqui as obras da Coleção:

1 - O sapinho Krock na luta contra a pandemia

2 - A onça pintada enfrenta as queimadas na Amazônia e no Pantanal 

3 - A ariranha combate a pobreza e a desigualdade

4 - A hárpia confronta o racismo

5 - O boto exige democracia e cidadania

6 - O jacaré debate educação e oportunidades

7 - O puma explica trabalho e renda

8 - A anta luta contra o aquecimento global

9 - O tucano denuncia a corrupção e os narcoterroristas

10 - O bicho preguiça e a migração


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Coleção

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A coleção da bruxinha serelepe: 

 




1.    Planejar       

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5.    Leitura         

6.    Cultura        

7.    Meditar        

8.    Interagir       

9.    Fazer amigos

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Veja os vinte livros da Coleção Ciência e espiritualidade para crianças:


Livro 1 - Panda Zen e a menina azeda

Livro 2 - Panda Zen e o verdadeiro valor

Livro 3 - Panda Zen e as mudanças

Livro 4 - Panda Zen e a Maria vai com as outras

Livro 5 - Panda Zen e a estrelinha cintilante

Livro 6 - Panda Zen e a verdade absoluta

Livro 7 - Panda Zen e o teste das três peneiras

Livro 8 - Panda Zen e os ensinamentos da vovó

Livro 9 - Panda Zen e os cabelos penteados

Livro 10 - Panda Zen e a magia da vida feliz

Livro 11 - Panda Zen e as paixões enganosas

Livro 12 - Panda Zen entre a reflexão e a ação 

Livro 13 - Panda Zen e o mais importante

Livro 14 - Panda Zen, a gota e o oceano

Livro 15 - Panda Zen e a indecisão

Livro 16 - Panda Zen e o vaga-lume

Livro 17 - Panda Zen e a busca da identidade

Livro 18 - Panda Zen entre o arbítrio e a omissão

Livro 19 - Panda Zen e o trabalho

Livro 20 - Panda Zen e a falsa realidade



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E aqui os vinte e quatro livros da Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia:

A COLEÇÃO: Folclore da Amazônia

coleção “As mais belas lendas dos índios da Amazônia” contém 24 livros infantis. As obras mergulham no imaginário popular dos povos da floresta para de lá extrair o mais genuíno folclore do índio amazônico. 

Veja aqui as obras da Coleção:

1.    Boitatá       

2.    O Boto       

3.    O Caipora 

4.    O Cairara  

5.    A Cidade encantada       

6.    O Curupira

7.    A Galinha Grande

8.    O Guaraná

9.    Iara

10. O Lobisomem       

11. A Mandioca          

12. A Princesa do Lago        

13. Saci Pererê           

14. O Uirapuru

15. O Velho da Praia 

16. O Velho e o Bacurau      

17. A Vitória-Régia    

18. O Açaí        

19. As Amazonas       

20. Mapinguari

21. Matinta Perera     

22. Muiraquitã 

23. O Rio Amazonas

24. Anhangá

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