domingo, 17 de outubro de 2021

Impulsionados pela pandemia, professores se tornam também youtubers

Emerson Rossetti, professor de Língua Portuguesa e Literatura há 30 anos, tem mais de 1.200 inscritos no YouTube

Na rotina de aulas on-line em meio à crise da covid-19, educadores brasileiros passaram a publicar conteúdo em plataformas abertas. Vídeos atingem não só seus alunos, mas também estudantes, professores e curiosos.

 

Em março de 2020, a pandemia de covid-19 impôs uma nova configuração para as salas de aula. No contexto dos lockdowns, as atividades passaram a ocorrer de forma on-line. De um dia para o outro, os professores também precisaram se reinventar – giz e lousa deram lugar a um ambiente novo, cheio de cliques e ícones. E, claro, uma câmera como janela ao mundo dos alunos.

Muitos profissionais que antes eram alvo de piadinhas dos estudantes por mal conseguirem configurar corretamente um projetor multimídia em sala de aula então passaram a se comportar como autênticos youtubers, tais e quais os ídolos da garotada contemporânea.

Alguns educadores levaram isso mais a sério e decidiram não ficar restritos às paredes virtuais das plataformas on-line de reunião, as novas salas de aula. É o caso de Emerson Calil Rossetti, professor de Língua Portuguesa e Literatura há 30 anos, que atualmente leciona em quatro escolas da cidade de Avaré, no interior de São Paulo – Anglo, Portinari, FREA e Sudoeste Paulista. Ele criou, no YouTube, o canal Elite da Língua.

"A experiência ocorreu como uma resposta às dificuldades impostas pela pandemia. Na impossibilidade de mais encontros presenciais, pensei que o canal poderia ser uma forma de manter contato com as pessoas interessadas em questões de literatura, escrita e gramática", afirma. "E os resultados têm sido bons."

Com atualização quinzenal, o Elite da Língua já tem mais de 1.200 seguidores, e Rossetti afirma que tem "reencontrado" muitos ex-alunos, além de "amigos, parceiros interessados nas mesmas causas".

"No canal, não preciso ficar preso a determinados 'protocolos' que o ensino escolar exige. Os recursos, a dinâmica, a liberdade e a didática são diferentes, mais flexíveis e, portanto, oferecem outras possibilidades de criação de um produto", acredita.

O professor observa que o ensino remoto foi desafiador, "não só em termos da utilização do aparato tecnológico, mas também relativamente à metodologia e, principalmente, no que se refere a uma nova forma de relação entre professor e aluno". A experiência, contudo, foi estimulante, afirma.

Popularização do conhecimento

Com quase 5 mil assinantes em seu canal Pandêmicos, Tarik Godoy Dangl Plaza, professor de Biologia e Ciências da Natureza no Sesi São Paulo, concorda que foi estimulado pelo início das aulas on-line, pois se viu obrigado a organizar seu tempo entre salas virtuais, gravações e edições de vídeo.

Quando abriu o canal, Plaza tinha em mente atender a um pedido que já lhe era recorrente. "Vários alunos de escolas públicas que eu conhecia devido a trabalhos anteriores entravam em contato comigo pedindo ajuda com matérias para o vestibular, já que não tinham ou era deficitário esse conteúdo [no sistema público de educação]", relata Plaza.

De forma descontraída, o professor apresenta desde assuntos mais sérios presentes na ementa padrão, como o que é um retículo endoplasmático e como funcionam os ribossomos, até curiosidades pop – o que aconteceria, por exemplo, se a lua sumisse? No meio disso, há espaço para explicar "cientificamente" personagens da ficção, como o Homem-Aranha e os Pokémons, e tratar de temas contemporâneos, como a importância da Organização das Nações Unidas (ONU) e a eficácia das vacinas.

Plaza percebe que a maior parte de seu público é formada por adolescentes em fase pré-vestibular. Também nota que muitos professores consomem seu conteúdo, seja para prepararem suas aulas, seja inclusive reproduzindo os vídeos para seus alunos. Ele gosta: quer mais é que a informação circule mesmo.

"Temos em nosso âmago passar conhecimento para frente. Quando ficamos impossibilitados de fazer isso [por conta da pandemia], alguns ficaram muito chateados e deprimidos. No geral, as aulas pioraram em termos de qualidade, em grande medida pela falta de incentivo da participação dos alunos", avalia Plaza.

"Isso não foi culpa do professor, e sim da situação. Ninguém estava preparado para lidar com uma realidade como essa", comenta. "Muitos fizeram diversas atividades a mais do que a sala de aula e pouca gente fala sobre isso. Vangloriamos os médicos e outros profissionais da saúde pelo empenho durante a pandemia e esquecemos completamente de todos esses profissionais que fizeram muito mais do que deveriam para o bem dos filhos de outras pessoas."

Solução para quem tem pouca internet

Professor de História na Escola Estadual Coronel Paiva, em Ouro Fino, interior de Minas Gerais, Pedro Zarotti Moreira passou a utilizar o YouTube como plataforma sem nenhuma intenção de que os vídeos viralizassem. No caso dele, foi uma maneira de solucionar um problema enfrentado por seus alunos.

No regime de aulas on-line, muitos passaram a reclamar que não conseguiam acompanhar os encontros realizados via Google Meet porque contavam com pacotes de dados limitados – a maioria usava um aparelho celular de alguém da família.

"Já as aulas gravadas e colocadas no YouTube acabam tendo um consumo muito menor de internet, já que o aluno pode configurar para ver numa resolução menor. Esse foi o motivo principal de eu ter aberto o canal", explica Zarotti.

O professor conta que, no início, ponderou se era melhor encontrar vídeos já prontos sobre os temas e compartilhar com os alunos, ou ele mesmo gravar as videoaulas. Optou pelo segundo formato "porque eles já estavam acostumados com meu ritmo, com minha voz" e era uma maneira de manterem contato, mesmo no período de isolamento social.

Espaço para o lúdico

Também houve quem fez das plataformas digitais um espaço para compartilhar conteúdo artístico, de forma lúdica e didática. Dessa forma, esses materiais não se limitam a atingir alunos, mas acabam envolvendo a família. E, principalmente nos períodos de lockdown, acabaram se tornando fonte de ideias para passar o tempo de forma mais inteligente.

Professora de artes visuais no Instituto Singularidades, de São Paulo, e autora dos livros Brincadeiras para tirar o bumbum da carteira e 300 propostas de artes visuais, entre outros, Ana Tatit conta que a pandemia fez com que ela "se trancasse em casa" e se sentisse "um pouco sozinha". "Aí resolvi ensinar as brincadeiras que estão nos vários livros que escrevi", diz.

"Foi uma maneira de brincar, mesmo que fosse com quem está em casa nessa situação", acrescenta Tatit, que está tanto no Instagram quanto no YouTube.

Pela própria temática, esse tipo de conteúdo acaba transcendendo o tempo escolar e misturando-se também ao passatempo, aos momentos de brincar. Professora no Colégio Vital Brazil e formadora na Escola Eduque e no Colégio Bandeirantes, todos em São Paulo, Juliana Carvalho Carnasciali, mais conhecida como JulliPop, levou para o Instagram um projeto que mescla ateliê de arte com fabricação de brinquedos – em parceria com seu companheiro, o também arte-educador Guilherme Rossi.

Para sua surpresa, o público acabou se expandindo. No início ela percebia uma repercussão somente entre educadores, pedagogos e pessoas que trabalham com crianças, mas agora seu conteúdo passou a alcançar famílias e também adolescentes. "A gente não imaginava que podia atingir [esses públicos]", comenta.

Mas se o impulso foi dado pela crise da covid-19, esses canais devem continuar mesmo em um futuro pós-pandêmico. Pelo menos é o que esses professores esperam.

"Não tenho absolutamente a pretensão de ser youtuber", diz, entre risos, o professor Rossetti. "Mas acho que difundir informação, leitura, técnicas de escrita, esclarecer coisas que pareciam tão difíceis, contribuir para a formação das pessoas, tudo isso tem a ver com responsabilidade social. É uma coisa que me agrada e que eu posso fazer."

Edison Veiga, Deutsche Welle


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Livro 19 - Panda Zen e o trabalho

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