segunda-feira, 21 de março de 2016

Lampião e Prestes combatem no interior do Ceará



O sinal divino ecoa no sertão
Por Rodoux Faugh

Um brado, um sinal divino ecoa no sertão
Uma luz, uma chama intensa ilumina a escuridão
Há que defrontar, fustigar, destruir as trevas
Há que colocar fim ao desairoso negrume do miserê e da ignorância

Mas arre! Arre! Deus do céu! Pandemônio, tumulto, efervescência, tragédia
Eis uma terra indiferente à ética, à justiça e à moral
Eis um torrão voraz por desigualdades, ilicitudes, falta de oportunidades
Eis o lugar onde habita e se diverte belzebu
Eis o espaço onde a tendenciosidade, o desrespeito e a arbitrariedade são lugares comuns, onde a exceção – quando é pernóstica – se faz regra inquebrantável

E no antro profundo, imundo, o roubo e a rapina passam por virtudes
O saque e a pilhagem são tidos como valores nobres, expressão de honestidade e candura
A extorsão tomada como um atributo dos honrados
E o crime brutal e a barbárie como revelação de alta solidariedade, de grandeza, harmonia e retidão

É o mundo onde os princípios e os valores foram tomados pelo avesso, pelo reverso, pelo contrário malfeito
É o tempo em que o lúgubre e o soturno aplacaram a claridade
São os idos do “valha-me Deus!”, do desalento, da frustração
É a quadra do “Deus, minhas forças se exauriram, suplico, socorra-me!”

E eis que no mundo inclemente e no tempo impiedoso e intolerante
Emerge Lampião, o rei do cangaço

E eis que num mundo autoritário e num tempo desumano e implacável
Rompe Virgulino Ferreira da Silva, o senhor do sertão

História, causos e estórias que não escaparão jamais da memória e do imaginário popular
Desventuras, desgraceira, infortúnios, tragédias
Pequenas frações, minúsculos fragmentos de favores, gratidão, clemência, perdão, estima e apreço
Porque à vida, ao bem mais precioso da humanidade, à presença e ao movimento, Lampião também antepõe preço
Eis que a simples existência continua engalfinhada no ciclo insano da precificação

Basta ter calibre, ostentar poderio, firmar o coronel político a solicitação
Ou um qualquer desembolsar os contos, o dinheiro, o vil metal
E lá esta Lampião, o justiceiro, vendendo vingança, ajustando as contas, pactuando orquestrações
Mercador de almas, contratador de juras, pagador de promessas alheias
Lá vem a tropa, lá vem o bando, a nuvem de bandoleiros numa cortina cerrada de poeira, o cangaceiro tem pressa
Porque o achaque, a extorsão, a vingança urgem

O sertão tem dono?, tem sim senhor
O sertão tem senhorio e possessor?, não há quem ignore, não há, não senhor
É o graúdo poderoso, o coronel prepotente, o latifundiário aristocrata e opressor, o cão tinhoso do maldito
Por uma fresta efêmera um raio de sol cintila
No império do agreste, na caatinga bravia e inculta 
Um valente famoso quer se fazer imperador
Os adversários, os inimigos, os macacos da volante o temem e tremem, tiritam, lançam-se ao chão de joelhos pois atinam, chegou o vingador

“Num sei pruquê eu nunca vi home corado na minha frente”, ameaça o capitão Virgulino em Queimadas, na Bahia, enquanto sangra sete soldados da polícia do estado

Não, não, o bando dos cangaceiros desconhece clemência, piedade, indulgência ou misericórdia

Porque com o rei dos cangaceiros não cabe brandura ou comiseração
A peixeira desliza suave escorreita na carne quente enaltecendo a morte
E a bala fumegante adentra expedita o peito inerme prenuncio do estiolar, do perecer, do desencarnar
A lei do cangaço não tem dois pesos, a lei da insídia não tem duas medidas
Ou a peixeira afiada fura e sangra ou a bala agulhada cavouca e verte a seiva da vida
Tiro, estampido, espouco, disparo, explosão: range e estala os portões do inferno
Ponta e pontaria é o que não escasseia nos cangaceiros de Lampião
E tanta dor, agonia e aflição
Tanta tortura, desgraça e judiação pode avocar arrependimento?
Qual?

“Quando cubro um macaco na mira do meu rifle, ele morre porque Deus quer; se Ele não quisesse, eu errava o alvo.” – é o que apregoa solene o matador

Esperto, vigilante, diligente ensina “Cidade com mais de uma torre não é para mim”.

Porque sabe que lá do alto pode se acantoar o franco atirador
E nas batalhas, é quando um só homem vale muito mais que mil

Pobreza, necessidade, miserê? Isso é para o sertanejo, a gente simples, o povo humilde e explorado do sertão, não para Lampião que extorque, rouba, saqueia para poder encantar

“Dinheiro eu tenho que só bosta de cabra em chiqueiro velho.” Foi o que disse o senhor do sertão para um morador de uma pequena cidade de Sergipe. O pobre estranhou a quantidade de dinheiro que Lampião carregava.

Ironia, provocação. O cangaceiro é senhor do combate, é o soberano do confronto

“Lá vêm os macaquinhos. Vamos pegar para criar que eles são bonitinho”, referia-se aos policiais da força pública que os cangaceiros chamavam de macacos.

Um bandido vingador baluarte da justiça? Não? Sim? Talvez? Um e outro? Nem um e nem outro?

“Premero de tudo, querendo Deus, Justiça! Juiz e delegado que não fizer justiça só tem um jeito: passar ele na espingarda!”

Discriminação e preconceito, hostilidade e intolerância, capitão Severino desdenha São Benedido

Duvidou que um juiz de direito do interior da Bahia fosse mesmo uma autoridade do judiciário. E enquanto examinava as suas mãos sentenciou sarcástico:
“Que negro bom para uma enxada.”
E quando recebeu recado do tenente João Bezerra, o homem que lhe extirparia a cabeça em Angico, não se fez de rogado: “Diga a ele que eu não tenho medo de boi velhaco, quanto mais de bezerra.”

Pois é esse homem vezes temido, vezes respeitado
Vezes amado, vezes odiado
Vezes bandido, vezes herói
Matando gente boa, mas também gente ruim
Emprestando suas balas aos poderosos, mas também aos de tino simples, aos de tino humilde
Que cavalgando pelo sertão
Foi tecendo dores, foi fazendo justiça com as calejadas mãos
Vou dizer ao sertão, vou dizer ao Brasil, vou dizer ao mundo
Lampião vive
Lampião vive
Lampião vive
Pois que permanecem inalteráveis a desídia, a infâmia, a corrupção, o clientelismo e a brutal ignorância 





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