sábado, 5 de março de 2016

"Toshiko Shinai, a bela samurai nos quilombos do cerrado brasileiro", o conto literário

    1945. A grande guerra que varreu o planeta acabara de terminar deixando um rastro de 50 milhões de mortos.

   De São Paulo, cinquenta famílias japonesas pertencentes à Seita Shindo Renmei – Liga do Caminho dos Súditos, resolveram fugir para o interior do cerrado.

   A seita era alvo de aguerrida perseguição. Implacavelmente a polícia combatia seus integrantes em virtude dos assassinatos promovidos contra os que reconheciam como verdadeiras as notícias sobre a derrota do império japonês.

   A Shindo Renmei era uma organização secreta que exercia forte influência ideológica sobre a colônia nipônica radicada em São Paulo, mas diluída também nos demais estados brasileiros. Com estruturação paramilitar e radical difusora das milenares tradições japonesas, a Liga do Caminho dos Súditos afirmava que a notícia sobre a derrota dos países do Eixo não passava de propaganda enganosa produzida pelos países aliados. Na realidade, as ondas de rádio da BBC de Londres divulgando ininterruptamente a rendição japonesa não passavam de artifício madraço para minar o inquebrantável moral dos saldados leais ao imperador, contra-divulgava a liderança da Shindo. E passaram a perseguir e assassinar todos os integrantes da colônia nipônica que ousassem dar crédito às notícias emanadas da rádio londrina. Para os militantes da seita radical era intolerável duvidar da invencibilidade nipônica ostentada em mais de 2600 anos de sucessivas vitórias, sem que o país tivesse perdido uma guerra sequer.

   A Shindo preparou, então, seus esquadrões de matadores – os tokkotai - e foi à caça dos que acreditaram na vitória dos países liderados pelas forças aliadas: Inglaterra, EUA e URSS. Assassinaram quase 30 imigrantes, deixando feridos mais de 150.


   A reação da polícia não demorou. O DOPS paulista encarcerou mais de 30 mil suspeitos e não menos de 400 foram condenados a penas que variaram de um a 30 anos de cadeia.

   Por interferência direta do mais alto dirigente da República um decreto presidencial deporta, para o Japão, 80 integrantes da seita. Todavia, no indulto do Natal de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek coloca todos em liberdade, imaginando, assim, virar uma página negra da história brasileira.

   Com a generosidade do ato o presidente mais popular dentre todos já havidos imaginou ter lançado uma pá de cal sobre a tragédia que assolou os 200 mil imigrantes japoneses. Ninguém percebeu - nem os serviços de inteligência das três armas - que 50 dos maiores dirigentes e matadores da Shindo Renmei migraram, com suas famílias, para o interior do cerrado brasileiro.


   No mínimo dois membros de cada uma das famílias que agora evadia para o Planalto Central foram impiedosamente torturados e mortos nos porões do DOPS paulista. Providencialmente a polícia permitiu que uns poucos sobrevivessem à tortura com o único propósito de que – libertos – relatassem, na colônia, as brutais técnicas de martírio e suplício. Afogamento, choque elétrico, estupro, pau de arara, garrote vil, simulação de fuzilamento, retirada de órgãos do corpo, era o mínimo que ocorria nos porões das delegacias de polícia.  

   Primeiramente as famílias vagaram a esmo pelos portos do Rio de Janeiro e Santos esperançosos em encontrar os prometidos navios japoneses que os levariam de volta à nação do sol nascente.  Após meses de uma angustiante espera resolveram, então, se refugiar num lugar ermo, de todos desconhecido, inatingível ou, no mínimo, inalcançável pelos braços da repressão policial. E se estabeleceram nos vales encobertos da grande serra localizada no nordeste goiano onde somente os escravos, fugindo da implacável perseguição dos capitães de mato, conseguiram alcançar.

   O local era de dificílimo acesso, habitado por descendentes de escravos, os quilombolas. Se o inacessível lugar viabilizou liberdade aos negros, por outro lado, assegurou também - aos remanescentes de escravos - completo isolamento. Foi como congelar o tempo. Os negros quilombolas, descendentes dos primeiros africanos que aqui aportaram, adentraram o século XXI vivendo como se em 1746.


   Os quilombolas, de início, estranharam aquela gente de olho puxado que se mantinha arredia a qualquer tentativa de aproximação. Mas souberam compreendê-los e não criaram desnecessários constrangimentos. Sabiam que só estavam ali - naquela terra inóspita e inacessível – por serem vítimas de implacável perseguição. E essa realidade conheciam como ninguém. Por isso os afro-descendentes respeitaram a dor de seus únicos vizinhos permitindo-os curtir em paz o isolamento escolhido.

   No seio das 50 famílias que agora dividiam com os quilombolas as serras inóspitas havia mais de 30 cientistas. Eram pesquisadores renomados no Japão, respeitados e venerados pelo número e qualidade das descobertas e invenções, sobretudo nas áreas da engenharia militar, da genética e da biomedicina.

   Cinco desses cientistas foram os que desenvolveram o avião de caça Zero que tantas baixas cominou aos aliados nas homéricas batalhas aéreas travadas nos céus do Pacífico. Mas a parte mais significativa dos cientistas migrantes orientava suas pesquisas para a área da engenharia genética.

   Na China, quando o país estava subjugado pelo Japão, esses cientistas integraram o grupo que perpetrou todo o tipo de experimentações utilizando seres humanos como cobaias, notadamente crianças e mulheres chinesas. Como receberam carta branca do imperador e do alto comando militar japonês, não havia impedimento ou limitação - fosse ético, moral ou religioso – à experimentação científica. A completa inexistência de limites levou ao sacrifício de 600 mil mulheres e de 1 milhão de crianças tragadas por experiências genéticas malsucedidas.

   Quando o grupo chegou a São Paulo trazia expertise suficiente para abrir uma nova frente no campo da pesquisa embrionária. Deram origem à partenogênese, técnica científica através da qual um ser vivo nasce a partir de um óvulo sem que haja fecundação.

   O objetivo traçado consistia em conquistar o absoluto controle sobre a reprodução humana de modo a gerar tão somente seres plenamente saudáveis, com biótipos pré-determinados e já com o ordenamento cerebral estabelecido para a obtenção da máxima performance, do máximo fator de inteligência. Os cientistas não mais toleravam a casualidade dos relacionamentos do homem com a mulher que gerava filhos imprevisíveis, às vezes com ótima desenvoltura física, mas inadequado desempenho cerebral; outras vezes com alto desempenho mental, mas capacidade física comprometida. Muitos marginais e criminosos foram criados em berço de ouro, tiveram formação rígida, pais devotados, relacionamentos seguros e confiáveis – condenavam os pesquisadores de olhos horizontais.


   Era então necessário fugir a esta lógica de incertezas e adentrar à lógica da previsibilidade matemática, rigorosamente exata, em que saberiam gerar filhos vitoriosos, física e mentalmente saudáveis, os únicos admissíveis, aceitáveis, aptos a conduzir o império japonês a um novo ciclo de conquistas e glórias. (Para ler o conto completo, clique aqui).


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Dramaturgo, o autor transferiu para seus contos literários toda a criatividade, intensidade e dramaticidade intrínsecas à arte teatral. 

São vinte contos retratando temáticas históricas e contemporâneas que, permeando nosso imaginário e dia a dia, impactam a alma humana em sua inesgotável aspiração por guarida, conforto e respostas. 

Os contos: 
1. Tiradentes, o mazombo 
2. Nossa Senhora e seu dia de cão 
3. Sobre o olhar angelical – o dia em que Fidel fuzilou Guevara 
4. O lugar de coração partido 
5. O santo sudário 
6. Quando o homem engole a lua 
7. Anos de intensa dor e martírio 
8. Toshiko Shinai, a bela samurai nos quilombos do cerrado brasileiro 
9. O desterro, a conquista 
10. Como se repudia o asco 
11. O ladrão de sonhos alheios 
12. A máquina de moer carne 
13. O santuário dos skinheads 
14. A sorte lançada 
15. O mensageiro do diabo 
16. Michelle ou a Bomba F 
17. A dor que nem os espíritos suportam 
18. O estupro 
19. A hora 
20. As camas de cimento nu 

OUTRAS OBRAS DO AUTOR QUE O LEITOR ENCONTRA NAS LIVRARIAS amazon.com.br: 

A – LIVROS INFANTO-JUVENIS: 
Livro 1. As 100 mais belas fábulas da humanidade 

I – Coleção Educação, Teatro & Folclore (peças teatrais infanto-juvenis): 
Livro 1. O coronel e o juízo final 
Livro 2. A noite do terror 
Livro 3. Lobisomem – O homem-lobo roqueiro  
Livro 4. Cobra Honorato 
Livro 5. A Mula sem cabeça 
Livro 6. Iara, a mãe d’água 
Livro 7. Caipora 
Livro 8. O Negrinho Pastoreiro 
Livro 9. Romãozinho, o fogo fátuo 
Livro 10. Saci Pererê 

II – Coleção Infantil (peças teatrais infanto-juvenis): 
Livro 1. Não é melhor saber dividir 
Livro 2. Eu compro, tu compras, ele compra 
Livro 3. A cigarra e as formiguinhas 
Livro 4. A lebre e a tartaruga 
Livro 5. O galo e a raposa 
Livro 6. Todas as cores são legais 
Livro 7. Verde que te quero verde 
Livro 8. Como é bom ser diferente 
Livro 9. O bruxo Esculfield do castelo de Chamberleim 
Livro 10. Quem vai querer a nova escola 

III – Coleção Educação, Teatro & Democracia (peças teatrais infanto-juvenis): 
Livro 1. A bruxa chegou... pequem a bruxa 
Livro 2. Carrossel azul 
Livro 3. Quem tenta agradar todo mundo não agrada ninguém 
Livro 4. O dia em que o mundo apagou 

IV – Coleção Educação, Teatro & História (peças teatrais juvenis): 
Livro 1. Todo dia é dia de independência 
Livro 2. Todo dia é dia de consciência negra 
Livro 3. Todo dia é dia de meio ambiente 
Livro 4. Todo dia é dia de índio 

V – Coleção Teatro Greco-romano (peças teatrais infanto-juvenis): 
Livro 1. O mito de Sísifo 
Livro 2. O mito de Midas 
Livro 3. A Caixa de Pandora 
Livro 4. O mito de Édipo. 

B - TEORIA TEATRAL, DRAMATURGIA E OUTROS
VI – ThM-Theater Movement: 
Livro 1. O teatro popular de bonecos Mané Beiçudo: 1.385 exercícios e laboratórios de teatro 
Livro 2. 555 exercícios, jogos e laboratórios para aprimorar a redação da peça teatral: a arte da dramaturgia 
Livro 3. Amor de elefante 
Livro 4. Gravata vermelha 
Livro 5. Santa Dica de Goiás 
Livro 6. Quando o homem engole a lua