quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Especialistas apontam falhas em medidas de combate à corrupção sugeridas pelo MP


O professor de ética e filosofia da Unicamp Roberto Romano e o advogado criminal Augusto Botelho criticaram algumas das medidas contra a corrupção em análise na Câmara dos Deputados. Eles participaram, nesta segunda-feira (22), de audiência pública da comissão especial sobre as dez medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público (PL 4850/16).
Romano disse que a proposta tem aspectos positivos, como o aumento da transparência, mas frisou que alguns pontos levam à desmoralização da ética pública. O docente citou o exemplo do artigo que prevê retribuição financeira para quem contribuir para a obtenção de provas ou colaborar para a localização de bens em ação penal. Ele destacou que essa prática é condenável desde a Grécia Antiga, que já reprimia os chamados "sicofantas", que difamavam em troca de lucro.
"Dada a experiência do uso de delatores e de instrumentos de delação por regimes democráticos ou por regimes autoritários, como é que nós podemos aceitar a proposta desse artigo? Foi refletido, na redação, o passivo moral que a prática instaura ou reitera? É contra a fé pública mover profissionais à delação paga", argumentou.
Roberto Romano criticou ainda algumas medidas que usam a boa-fé como justificativa para a obtenção de provas ilícitas. O professor da Unicamp sugeriu "prudência" na análise das propostas por temer que "sistemas punitivos se tornem autoritários".
Direito de defesa
Na mesma linha, Augusto Botelho, que é conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, viu nas propostas uma série de entraves à atuação dos advogados criminais. Os principais problemas, na visão dele, estão nos dispositivos que tratam dos recursos judiciais e das nulidades penais.
"São propostas que vão valer para o crime de corrupção, de sonegação de impostos, furto de galinha, tráfico de drogas, enfim para todos os crimes. Na verdade, o que o Ministério Público propõe é um Código de Processo Penal altamente voltado ao interesse da acusação”, sustentou. “É preciso deixar claro que estamos tratando aqui de uma reforma ampla, radical e perigosíssima da lei, sob o manto de se estar combatendo a corrupção", continuou.
Outra medida criticada pelo conselheiro foi a previsão de prisão preventiva para se garantir a devolução de dinheiro desviado. "Isso tornaria a prisão preventiva uma antecipação de condenação, porque, de preventiva, não tem nada", defendeu Botelho.
Mudanças no texto
Na audiência pública, vários deputados garantiram que, apesar do apoio de 2 milhões de brasileiros que assinaram as medidas anticorrupção, as propostas enviadas pelo Ministério Público serão aperfeiçoadas na Câmara. O relator da comissão especial, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), ressaltou que o tema é complexo e está sendo examinado com rigor no combate à corrupção, mas sem afetar direitos.
"É claro que as salvaguardas constitucionais devem ser todas preservadas. A reflexão e esse contraponto em relação às propostas do Ministério Público vão nos ajudar a acertar exatamente a graduação das coisas”, ressaltou Lorenzoni. “Mas não dá para continuar com os atuais instrumentos, achando que eles são suficientes. Esse é um país que rouba R$ 100 bilhões por ano da administração pública", acrescentou.
O parlamentar citou o exemplo do polêmico teste de integridade, inicialmente proposto como uma simulação de oferta de vantagens, sem o conhecimento do servidor público, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer ilícitos. A medida, criticada em outras audiências da comissão, agora avança na Câmara no sentido de se admitir o instrumento, desde que seja aplicado em situações objetivas e pontuais, baseado em suspeita real e com prévia autorização judicial.
Quanto a essa alternativa para o uso do teste, Botelho viu avanços significativos, enquanto Romano mantém a preocupação de que a medida pode provocar situações semicaluniosas.
Insatisfação
Os deputados Carlos Marun (PMDB-MS) e Domingos Sávio (PSDB-MG) reclamaram de recentes entrevistas em que alguns procuradores cobraram a aprovação das dez medidas anticorrupção na íntegra e criticaram a intenção de parlamentares em alterar o texto encaminhado ao Congresso com o apoio de 2 milhões de assinaturas.
O presidente da comissão especial, deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), argumentou que as manifestações dos procuradores devem ter sido individuais, pois os representantes do Ministério Público que trouxeram as propostas ao Congresso sempre deixaram clara a intenção de contar com os parlamentares para debatê-las e aperfeiçoá-las. O relator, Onyx Lorenzoni, reforçou que as medidas serão debatidas "à exaustão" com os mais variados setores.
Hoje, a comissão aprovou 14 requerimentos de audiência pública, a serem realizadas nas próximas semanas. Entre os convidados, estão representantes do movimento "Mude - Chega de Corrupção", da Comissão de Combate à Corrupção da Ordem dos Advogados do Brasil, da Federação Nacional dos Policiais Federais e da Advocacia-Geral da União.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:


Por José Carlos Oliveira da Agência Câmara Notícias

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