sábado, 24 de junho de 2017

Quando a raposa cuida do galinheiro


O homem indica dois ministros do TSE que, na sequência o absolvem. Com a chave do cofre nas mãos compra governadores e o parlamento. E, como aperitivo, o que vai abaixo:
Temer indicará negociador de acordo da J&F
A posição de confronto assumida pelo presidente da República, Michel Temer, contra seu delator Joesley Batista, tem potencial para estabelecer uma situação de conflito de interesses - ou, na melhor das hipóteses, de criar constrangimento - na negociação do acordo de leniência que a J&F ainda terá que formalizar com a Controladoria-Geral da União (CGU).
Embora a empresa já tenha se acertado com o Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF), é a CGU que tem o papel legal de aplicar a Lei Anticorrupção e de negociar ou não acordos com as empresas envolvidas.
O órgão está hoje debaixo do Ministério da Transparência, que está com comando vago desde a ida de Torquato Jardim para a pasta da Justiça. Ou seja, Temer deverá indicar, nos próximos dias ou semanas, o nome do ministro que vai conduzir o processo contra o grupo J&F dentro da CGU.
Em nota divulgada no sábado, após Joesley chamar Temer de chefe da quadrilha do PMDB da Câmara em entrevista à revista "Época", o presidente da República fez duras críticas aos termos do acordo de leniência negociado pela J&F com o MPF-DF. "[Joesley] obtém perdão pelos seus delitos e ganha prazo de 300 meses para devolver o dinheiro da corrupção que o tornou bilionário, e com juros subsidiados. Pagará, anualmente, menos de um dia do faturamento de seu grupo para se livrar da cadeia. O cidadão que renegociar os impostos com a Receita Federal, em situação legítima e legal, não conseguirá metade desse prazo e pagará juros maiores", declarou Temer, na nota.
Conforme o acordo fechado com o MPF-DF, a J&F se comprometeu a pagar o valor nominal de R$ 10,3 bilhões, parcelados em 25 anos, com correção pelo IPCA.
A falta de histórico de aplicação da Lei Anticorrupção brasileira complica o cenário. A legislação entrou em vigor em 2014, foi regulamentada em 2015, mas até hoje não há um caso prático de aplicação da lei pela CGU tornado público, embora haja processos em andamento e em negociação.
No acordo fechado com a Odebrecht, já homologado pelo juiz Sergio Moro, o MPF cita uma série de leis - colaboração premiada, lavagem de dinheiro, duas convenções das Nações Unidas ratificadas pelo Brasil para o combate a corrupção e a própria Lei Anticorrupção, entre outras - para embasar seu poder de negociar a leniência.
Mas a procuradoria reconhece que outros órgãos também tem papel no processo de "limpeza do nome" de empresas envolvidas com corrupção - notadamente Advocacia Geral da União, Tribunal de Contas da União e também a CGU - e se compromete a fazer "gestões" para que esses órgãos reconheçam de alguma forma os termos negociados com o MPF.
Uma das formas de estímulo para adesão é que as provas fornecidas pela empresa no âmbito do acordo com o MPF só podem ser usadas por outros órgãos se eles aceitarem seus termos.
Em manifestação pública anterior, a CGU já disse que os acordos de leniência que negocia "pautam-se pela rigorosa e estrita observância de critérios técnicos, além da constante interlocução com outros órgãos de controle". "E neste contexto de permanente colaboração e diálogo, é certo que não há impedimento para que, sem prejuízo das competências atribuídas pela Lei Anticorrupção, a CGU também considere a colaboração ofertada pelas empresas com esses outros órgãos (MPF e TCU), não só nos acordos de leniência aqui celebrados, mas também nos próprios processos de responsabilização em curso ou que vierem a ser iniciados por esta Pasta", diz o Ministério da Transparência em seu site.
Em consulta por e-mail feita pelo Valor antes da entrevista de Joesley - mas já depois da saída de Torquato Jardim -, a CGU respondeu, sem citar caso específico, que "tem defendido a possibilidade de compensação dos valores já pagos a partir dos acordos celebrados com o MPF em relação aos mesmos fatos ilícitos".
A Lei Anticorrupção prevê aplicação de multa de até 20% do faturamento da empresa no ano anterior ao da abertura do processo. O decreto 8.420 regulamenta o cálculo da pena, listando fatores que aumentam e reduzem o percentual a ser cobrado (ver tabela acima).
Isso limita, mas não elimina, a discricionariedade de quem vier a aplicá-la. Resta o poder para calibrar a redução da pena pela existência do acordo de leniência. A lei fala em diminuição de "até dois terços" no valor da multa calculada conforme o decreto. Mas não exige redução de dois terços.
Quando fixou o valor nominal recorde de R$ 10,3 bilhões para a leniência, o MPF mencionou, sem citar o critério da conta, que a cifra representava 5,62% do faturamento do grupo J&F em 2016, e que este percentual era o médio do que havia sido aplicado nos acordos de Odebrecht, Braskem, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.
Quando a multa da J&F é calculada a valor presente (ainda prevendo correção pela Selic), ficaria com valor próximo de R$ 7 bilhões, o que ainda seria o maior do tipo já aplicado a uma empresa por corrupção no mundo.

Por Fernando Torres, no Valor Econômico

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