terça-feira, 15 de setembro de 2015

Novos lançamentos: Todo dia é dia de índio


O livro 2: Todo o dia é dia de índio 

     A peça teatral “Todo dia é dia de índio” discorre – na forma de jogral - sobre a saga indígena desde os primórdios do descobrimento do país, em 1.500, até os dias atuais. 

     Mineiros, madeireiros e grileiros são alguns dos personagens retratados na peça, presentes desde sempre no cenário brasileiro e que, ainda hoje, têm grande parte da responsabilidade pela inaceitável situação - de abandono e miséria - que martiriza o povo indígena.

     Promovendo a discussão sobre esta grande questão da nacionalidade, os atores compartilham com a plateia a compreensão de que o assunto deve galvanizar a opinião pública, condição necessária para sua cabal solução. 


     O livro está disponível para venda aqui.


Coleção Educação, Teatro & História 

     A coleção - desenvolvida especialmente para estudantes - compõe-se de 4 livros, num mergulho pela história do Brasil, desde os idos da colônia, até chegar a terra Brasilis contemporânea.

     São 4 peças teatrais completas, escritas no formato de jogral, integrando canto e coro, poesia e trova, oratória e interpretação dramática. 

     Integram a coleção: 
• Livro 1 – Todo o dia é dia de independência 
• Livro 2 – Todo o dia é dia de índio 
• Livro 3 – Todo o dia é dia de consciência negra 
• Livro 4 – Todo o dia é dia de meio ambiente 


     A Coleção Educação, teatro & História está disponível para venda aqui.

Coleção Educação, Teatro & Democracia 
     Teatro e democracia são dois valores cultuados pelas civilizações modernas e desenvolvidas. 

     Não por acaso, ambos se originaram na região geográfica tida como o berço da civilização ocidental: a Grécia antiga; a Grécia de Sófocles, Ésquilo, Aristóteles, Platão... 

     É bem verdade que a história registra a existência, tanto de um como de outro, permeando outras civilizações da antiguidade como a Índia, Egito e povos do continente asiático. 

     Mas no formato como teatro e democracia se apresentam hoje, dentre nós, esta herança - sem dúvidas - devemos aos helenos. 

     Portanto, ambos nasceram na Grécia antiga, oriundos de movimentos genuinamente populares, sorvendo das praças e logradouros públicos, colocando a grande arte e a grande política num patamar substancialmente superior. 

     Nesta Coleção, se reverencia o teatro e a democracia com quatro peças teatrais completas. Todas elas conduzem o leitor a este universo político em que latejam nossos direitos e nossos deveres. 

     Os conteúdos apropriados no formato de peças teatrais possibilitam, também, que pais & filhos, alunos & professores, a comunidade de forma geral, incorpore os fundamentais conceitos e assuntos aqui enfocados.

     Quatro livros compõem a Coleção: 
Livro 1 – A bruxa chegou... peguem a bruxa 
Livro 2 – Carrossel azul 
Livro 3 – Quem tenta agradar todo mundo, não agrada ninguém 
Livro 4 – O dia em que o mundo apagou 

     A Coleção Educação, teatro & Democracia está disponível para venda aqui.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

As “passagens” do teatro de bonecos Mané Beiçudo



A metodologia de produção do teatro popular de bonecos Mané Beiçudo não se limita aos instantes da apresentação dramática propriamente dita.

Na semana anterior à apresentação do espetáculo, é elaborado um diagnóstico sobre a realidade da comunidade, quando se obtém informações importantes que comporão o núcleo, o esqueleto do texto dramático. Neste primeiro momento, denominado Fábrica Ex-Ante, subsídios são colhidos, pesquisas realizadas, questionários aplicados, dados recolhidos, tabulados e tratados transformando-os em informações que serão utilizadas para compor o texto improvisado.

Nesta oportunidade, os valores, manifestações e tradições culturais locais são resgatados e os artistas locais identificados e convidados a participar do projeto. No caso dos artistas locais, contando causos, relatando a história da comunidade, reproduzindo seu fazer artístico.

Este trabalho estrutura então a coluna dorsal do espetáculo, enfatizando a realidade específica da comunidade, seus problemas, sua cultura e sua história. Portanto, a identificação da platéia com o espetáculo ocorre de forma intensa e integral.

Toda a estrutura do Mané Beiçudo gira em torno da improvisação, com os bonecos provocando a platéia de modo a radicalizar o processo de participação. Entre as passagens, pequeninos atos que dividem o espetáculo, são então incorporadas inserções específicas que retratam o modo de ser, agir e pensar dos integrantes da comunidade abordada.

As passagens do espetáculo

É da essência do Teatro Mané Beiçudo transmitir uma massa de dados e informações estratégicas para que platéia e a comunidade consigam processar tanto o espetáculo como a realidade na qual se inserem.

Para que o espetáculo teatral não deixe de expressar seu fundamental componente plástico, lúdico e onírico, é utilizado um conjunto de mecanismos, cujo objetivo é diluir uma eventual rigidez das mensagens, torná-las fluídas, leves, retirando delas tudo que lembre formalidade burocrática. Daí a importância de radicalizar elementos cênicos como a iluminação, a sonoplastia, a cenografia, a maquiagem, a expressão corporal,...

Para quebrar a rigidez das mensagens, utilizamos entre uma e outra, pequenas cenas, passagens geralmente caracterizadas pelo humor e pela leveza. Por isto se recorre aos habitantes mais antigos, aos artistas populares mais experientes da localidade para recolher, da própria comunidade, estórias, causos, narrativas, piadas que – reelaboradas e contextualizadas, se transformarão nas passagens hilárias do espetáculo.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Uma platéia salafra?


O teatro na forma como o conhecemos no ocidente, originou-se das grandes marchas carnavalescas em homenagem ao deus grego Dionísio.

Nessas ocasiões o povo acorria em massa e participava intensamente, rompendo com os padrões vigentes: num passe de mágica, eis que o despossuido estava investido do poder e da riqueza; o feio e rejeitado transformava-se em belo e querido; o fraco em rei e a devassa em vestal.

As ruas e os largos espaços públicos foram os templos primeiros dessa milenar arte popular.

Com o correr do tempo, novas necessidades delimitaram outros compromissos e o arranjo sucessivamente repactuado desafogava novas demandas.

A ruptura com as antigas origens ia conformando espaços mais restritos, até que o palco à italiana aprisionou o teatro entre quatro paredes.

A pujança e o vigor do Renascimento medieval deram origem à Commedia dell’art que, novamente reintroduziu no panorama teatral o caráter libertário do teatro: a improvisação, as ruas e praças públicas como espaços prioritários, a alegria intensa, a magia, a fantasia,...

Em raros momentos da história, atores e platéia conseguiram estabelecer uma relação bem resolvida.

Um ou outro, quando não os dois, quase sempre se mostram insatisfeitos, com as expectativas sempre por atender. E não me refiro simplesmente à satisfação emocional, a tornada visível com a vaia e o aplauso. E sim aquela mais profunda, que tem a ver com a essência da relação que se espera de um e outro: postura diante das grandes questões existenciais e políticas, visão de vida, compromissos sociais.

Este descompasso levou ao que, no teatro contemporâneo, os artistas e encenadores passaram a denominar descompromisso, alienação ou apatia da platéia.

E para qualificar a participação e fazer com que a platéia rompa com a passividade, os atores passaram a recorrer a modelos e artifícios inovadores, alternativos, que escapassem das práticas convencionais.

Antonin Artaud quando criou o Teatro Jarry, fez questão de estrear com um espetáculo de Max Robur, Gigogne. Na apresentação, o protagonista dirigia-se à platéia nos seguintes termos:

“Meus senhores, minhas senhoras, vocês não passam de uns salafrários!”

E Artaud se decepcionou com a reação do público, pois a Companhia se preparou para uma resposta instantânea, peremptória, em certo grau, violenta.

Nos dias que correm, é comum provocar o espectador para que ele abandone o estado de apatia, obliteração e indiferença ante os fatos que o espetáculo desvela.

Na realidade, os que lidam com o teatro jamais se conformaram com uma platéia cujo papel se limite a tão efêmera participação, à mera assistência bem comportada.

No Dadaísmo, movimento cultural que se originou em Zurique nos idos da 1ª guerra mundial, Tristan Tzara e Hugo Ball, dentre outros, preocuparam-se em sistematizar a idéia de uma “comunhão coletiva que abale a diferença entre poesia e teatro”, uma linguagem que agite e faça vibrar em lugar de apenas significar.

Enfurecido com as concepções reducionistas quando o texto dramático comprime ao invés de expandir o teatro, encarcerando-o inexoravelmente na literatura, Edward Gordon Graig protestava:

“... a arte do teatro nasceu do gesto, do movimento, da dança(...) o dançarino foi o pai do dramaturgo”. E rispidamente criticava os que escreviam para o teatro sem entender sua real dimensão: “nossos autores dramáticos são escritores de palavras”. No que conseguiu a cumplicidade de Artaud que condenava o teatro ocidental exatamente por viver aprisionado à ditadura despótica da palavra.

Estava evidente a diferença entre os escritores que simplesmente escreviam para teatro e os verdadeiros dramaturgos. E Áppia trata de esclarecer o descompasso:

“(...) quem diz dramaturgo diz também encenador. Seria um sacrilégio especializar as duas funções. Podemos então estabelecer que se o autor não acumula ambas, não será capaz nem de uma, nem de outra coisa, pois é na penetração recíproca que deve nascer a arte viva.”

O processo de Dada exigia uma reação diferente da platéia, uma reação viva, vigorosa, imprescindível ao processo, sem a qual a manifestação cultural não atingiria seu objetivo.

Hoje já não se apresenta estranha a idéia de que é necessário mexer com o espectador, incomodá-lo, faze-lo vibrar, pressentir, reagir aos fatos que se desenrolam diante dele, abjurando a indiferença.

No Dadaísmo a procura era pela comunhão coletiva, uma sinergia que reduzisse a pó a diferença entre texto e teatro, palco e platéia.

A busca por uma maior interação entre platéia e palco levou a uma profusão de caminhos, propostas, concepções, escolas, movimentos...

Artaud, por exemplo, perseguiu um espetáculo multifacetário, circular, capaz de pulverizar os dois mundos fechados onde se escondem palco e platéia, “um espetáculo que espalhe suas irradiações visuais e sonoras sobre a massa de espectadores”.

Mas foi Adolphe Appia um dos primeiros a insurgir, exigindo a supressão dos espaços entre artistas e platéia.

Appia chegou a desejar o desaparecimento do público, conclamando os espectadores a tornarem-se atores, apregoando uma arte dramática com ou sem espectadores.

Num diálogo de Mama de Tirésias, estreado em 1917, Guillaume Apollinaire define esta concepção cênica e este teatro que se buscava:

“Aqui tentamos infundir um espírito novo ao teatro
Uma alegria, uma volúpia, uma virtude
Para substituir esse pessimismo velho de mais de um século
O que é bem antigo para uma coisa tão aborrecida
A peça foi feita para um teatro antigo
Pois não nos teriam construído um teatro novo
Um teatro redondo com dois palcos
Um no centro, o outro formando como que um anel
Em redor dos espectadores e que permitirá
A grande apresentação de nossa arte moderna
Casando frequentemente, sem ligação aparente, como na vida
Os sons, os gestos, as cores, os gritos, os ruídos
A música, a dança, a acrobacia, a poesia, a pintura,
Os coros, as ações e os cenários múltiplos
Vocês encontrarão aqui ações
Que se juntam ao drama principal e o ornamentam
As mudanças de tom, do patético ao burlesco
E o uso racional das inverossimilhanças
E de atores, coletivos ou não
Que não são forçosamente extraídos da humanidade
Mas de todo o universo
Pois o teatro não deve ser uma arte enganosa”.


Nesta desesperada busca pelo teatro pretendido, livre de peais e entraves, os caminhos trilhados não foram poucos, muitos levando a contextos contrários aos desejados. 

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Como fazer bonecos de papier-mâché?



Esta técnica surgiu na França, no final do século XIX. Naquela época a técnica consistia em criar uma massa de modelar utilizando uma mistura de papelão pisado, cola ou farinha de trigo e alume. A massa originada do processo logo se mostrou excelente matéria prima para a criação de peças em relevo.

Hoje o processo que utiliza massa de papel para a fabricação de bonecos é bastante comum, e ganhou a preferência dos bonequeiros em virtude principalmente do custo e da facilidade.

Veja como é simples.

Pique o papel em pequenos pedaços, misture com uma xícara de água e leve ao liquidificador. Quando a mistura se apresentar uma massa homogênea, retire do liquidificador e pressione com vigor para retirar o excesso de água.

Quando desejamos confeccionar o boneco com a massa branca, basta levar ao liquidificador somente papel branco.

Mas se desejamos a massa na cor que ficará o boneco, então picamos papel da cor correspondente: marrom, preto, azul,...

Para que a massa adquira cores mais vivas e fortes, no momento em que acionamos o liquidificador, acrescentamos anilina ou algumas gotas de corante de pintura de parede.

Caso prefira o boneco com uma textura bem rústica, enquanto estiver batendo a mistura no liquidificador, acrescente pequenos gravetos e folhas secas. O efeito será surpreendente.

Esfarinhamos a massa de papel umedecida, misturamos cola branca ou farinha de trigo, um pitadinha de fungicida e está pronta a matéria prima que utilizaremos para modelar a cabeça de nosso boneco.

A partir deste momento vale a sua criatividade. Aproveite o material e crie muitas peças. Concluída a escultura da cabeça, pintamos com tinta de cor branca. Tão logo seca, aplicamos os cabelos e passamos a camada de tintura definitiva.

A fabricação de bonecos utilizando a técnica do papel maché ocorre muito frequentemente no teatro popular de bonecos Mané Beiçudo. Não tanto quanto as técnicas construtivas que trabalham com materiais mais leves, como o isopor e a cabaça.

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A linha de produção de um teatro para a educação


Em seu processo produtivo o Teatro Mané Beiçudo não se limita ao instante da apresentação teatral. Não se contenta com a efemeridade deste lapso temporal.

Num espetáculo convencional as pessoas chegam ao teatro – ou ao local demarcado – acomodam-se, assistem a apresentação cênica, aprovam aplaudindo, se mantêm indiferentes ou reprovam, vaiando, e depois se retiram para o conforto de seus lares. E acabou. Quando muito, nos dias seguintes, um ou outro comentário no local de trabalho ou de estudo. E pronto, acabou.

Já utilizando a metodologia do Mané Beiçudo, o instante da apresentação demanda pelo menos duas semanas. No mínimo minimórum.

Considerando esta possibilidade mínima: nos sete dias anteriores à apresentação propriamente dita, os atores mergulham na comunidade, interagem com o público-alvo, com os

• moradores, se o espaço-objeto for um bairro;
• estudantes, se o espaço-objeto for uma escola;
• trabalhadores, quando o espaço-objeto é uma organização governament
al ou não.


Neste primeiro momento, denominado Fábrica Ex-Ante, os atores e produtores colhem subsídios, realizam pesquisas, aplicam questionários, recolhem, tabulam e tratam os dados transformando-os em informações, resgatam os valores e tradições culturais locais, estruturam a coluna dorsal do texto a ser apresentado, identificam dentre as pessoas da comunidade os potenciais atores, promovem uma oficina compacta onde repassam a metodologia do Teatro de Bonecos Mané Beiçudo – para que o processo possa ter continuidade local – e ensaiam o espetáculo.

No segundo momento, denominado Fábrica Ex-Cursus, a apresentação do espetáculo é realizada no local definido, um teatro, uma sala de aula, um refeitório de uma unidade fabril, o hall de uma repartição pública, um logradouro público... Logo após a realização do espetáculo, ocorrem debates, oportunidade em que os atores procuram estabelecer relações entre a ficção e a realidade local. Um questionário é aplicado entre os presentes, material que servirá de subsídios para a elaboração do Documento “Diagnóstico e Diretrizes para a Produção Cultural Local”.

Ainda neste momento, a opção pode ser pelo Espetáculo-mestre e pelos Espetáculos satélites. O primeiro é uma grande marcha carnavalesca, uma grande passeata cultural que objetiva mobilizar a comunidade. Os Espetáculos satélites ocorrem no decorrer da passeata cultura, no interior do Espetáculo-mestre.

O terceiro momento, a Fábrica Ex-Post, é reservado para a avaliação de todo o processo e ao reprocessamento, à retroalimentação, para que a roda não pare, e continue girando de uma forma sempre melhor. Problemas são identificados e equacionados, soluções apontadas, medidas e deliberações com vistas a correções de curso são adotadas. Isto em nível do espetáculo propriamente dito como também em nível dos problemas objetivos que assolam a comunidade: inexistência de esgotamento sanitário; questões de saúde como o aumento descontrolado da dengue e do calazar; problemas urbanos como a falta de moradias, o transporte coletivo deficiente, o lixo doméstico, industrial e hospitalar, etc. e etc. O processo então é retroalimentado, a roda volta a rodar, mas agora com um upgrad, com um plus, com um diferencial de acréscimo positivo. Este ciclo se repede ad-eternum. Por isto o espetáculo é um processo permanente.

Antônio Carlos dos Santos é professor universitário, criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

domingo, 2 de agosto de 2015

O Teatro de sombras e o teatro de bonecos Mané Beiçudo


Dentre os diversos formatos e tipos de teatro de bonecos, temos o teatro de sombras.

O teatro de sombras utiliza bonecos confeccionados com pedaços de papelão, couro ou algum outro material consistente capaz de conformar uma figura plana. Apesar do títere no formato de modelo plano constituir maioria, com certa freqüência os grupos que praticam este tipo de teatro utilizam figuras tridimensionais.

A forma mais comum de manipulação é a que utiliza varetas fixadas em cada membro do boneco. Uma fonte de luz irradiada do fundo projeta as sombras dos bonecos, protagonistas das tramas que seduzem e encantam a platéia.

Muito comum, sobretudo na Ásia, as origens deste tipo de teatro também remontam à Grécia antiga.

No teatro de sombras chinês, ocorre a utilização de uma tecnologia diferente para a geração dos movimentos, baseada em cordões dispostos na parte posterior dos bonecos.

Esta tecnologia dificilmente é apropriada pelo teatro de bonecos Mané Beiçudo, que prioriza o formato mais ágil e dinâmico possibilitado pelos bonecos de luva.

Antônio Carlos dos Santos é professor, criador da metodologia de planejamento estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Processo produtivo do teatro popular de bonecos

A fábrica ex-post

Já no dia seguinte à apresentação do espetáculo teatral, os atores e o Núcleo Gestor mobilizarão as lideranças para, junto às autoridades competentes, promover o encaminhamento das demandas e pressionar pelo atendimento das exigências.

Este ato é realizado na grande manifestação épica-carnavalesca do Espetáculo-mestre.

De cada autoridade responsável solicitarão um cronograma onde estará discriminado, passo a passo, as etapas para o pleno atendimento da demanda, a plena solução do problema apresentado.

É fundamental a identificação dos aliados naturais neste processo e solicitar deles a adesão ao Projeto: os vereadores e parlamentares dos demais níveis como deputados e senadores, o Ministério Público, ONG’s, órgãos de representação de classe como a OAB, o CREA, o CNSS – dentre outros – e a mass-mídia, os órgãos de imprensa.

A entrega das demandas às autoridade constituídas deve se dar nesta grande marcha épica-carnavalesca, uma grande caminhada pelas ruas centrais da região, com tambores, bandeiras, estandartes, cartazes, bonecos gigantes, num ato de mobilização criativo, o teatro de rua, o Espetáculo-mestre.

O teatro – como o conhecemos – surgiu na Grécia antiga, das grandes marchas carnavalescas em reverência ao deus Dionísio (entre os gregos)/Baco (entre os romanos). O TBMB resgata a pujança e a alegria das marchas carnavalescas como um tributo e uma reverência ao poder popular, à força dos trabalhadores, das mulheres, dos estudantes, da comunidade organizada.

Seria hipocrisia avocar ao Projeto a pretensão de poder tudo contra os mais fortes, contra os setores poderosos e melhor organizados. Nosso principal atributo é atuar como um instrumento de mobilização comunitária e de reflexão crítica. Nossa obrigação é ser um ponto aglutinador das forças que almejam as transformações necessárias, que aspiram pelas intervenções sobre a realidade com vistas a tornar a vida melhor para todos. Sem jamais perder de vista os valores que compõem o patrimônio cultural da comunidade. E todo este processo tem no centro a mais fina das manifestações artístico-culturais.

Este processo de pressionar as autoridades constituídas em busca de soluções para os nossos problemas exige persistência e flexibilidade.

Persistência porque a autoridade só se movimenta diante da pressão democrática, a pressão sistemática, compacta, ininterrupta, densa e volumosa.

Flexibilidade porque temos que ter a criatividade para, rápida e inesperadamente mudar as estratégias, alterar os instrumentos, surpreendendo o demandado o tempo inteiro. Por isto o Espetáculo-mestre pode durar uma hora, um dia, uma semana, um mês, um ...

Daí é que – neste ínterim – produziremos e apresentaremos inúmeras outras peças teatrais, mantendo acesa a chama da mobilização por mudanças, mantendo nosso conjunto de forças permanentemente acionados.

Quando a comunidade considerar o problema definitivamente resolvido é elaborado o espetáculo derradeiro deste ciclo. Será o espetáculo comemorativo que expressará o ato e a festa da vitória.

Fechado o ciclo, um outro é iniciado – a 2ª edição – com a identificação de uma nova questão que será problematizada, que será estruturada numa linguagem dramática, que terá seu curso conforme estabelecido na presente metodologia.

No TBMB a concepção é por um teatro permanente, sempre aberto, suscetível e ávido por inovações. É o princípio do Espetáculo Permanente.

Antônio Carlos dos Santos é criador da metodologia de produção de teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

O teatro de bonecos e a Commedia dell’Arte

A idade média caracterizava-se pela reverência ao divino, ao sobrenatural, pelo absoluto domínio da Igreja e da nobreza.

Um conjunto de fatores eclodindo aqui e acolá, foi – paulatinamente - gerando um movimento intenso, vigoroso, originando o que se denominaria renascimento. A difusão dos novos valores contou com a providencial alavanca da modernização da imprensa. Até então, as grandes obras eram manuseadas pelos monges copistas - nas abadias e mosteiros - restritas à pouquíssimos privilegiados. Com o aperfeiçoamento da imprensa, as grandes obras da literatura universal, sobretudo os clássicos greco-romanos, passaram a ser disponibilizados para um número maior de pessoas. Mas também as novas invenções, as grandes descobertas e os novos paradigmas passaram a correr o mundo com maior celeridade.

Com a derrocada final de Constantinopla, no ano de 1453, vários artistas e intelectuais, fugindo do antigo Império Bizantino, migram para a Europa Ocidental, auxiliando na criação de um caldo cultural propício às novas correntes de pensamento.

Mas o novo domínio muçulmano impedia que os comerciantes cristãos acessassem a Índia e a China. Surge a imperiosa necessidade de estabelecer novas rotas comerciais, passagens alternativas que acabaram levando às grandes navegações e ao novo mundo colonial.

É neste contexto – de ebulição política e acúmulo e concentração de riquezas - que príncipes, papas e a nova categoria dos ricos burgueses assumem os papéis de mecenas, estimulando através de apoio e financiamento a renascença, o movimento humanista que impactou as artes, a filosofia, a política e as ciências.

A nova escola européia tem seus marcos estabelecidos pela racionalidade, pelo rigor científico e pelos ideais humanistas; retirando Deus do centro das referências para substituí-lo pelo ser humano.

Em Hamlet, Shakespeare dá mostras do antropocentrismo, em contraposição ao teocentrismo:

“Que obra de arte é o homem: tão nobre no raciocínio; tão vário na capacidade; em forma e movimento, tão preciso e admirável, na ação é como um anjo; no entendimento é como um Deus; a beleza do mundo, o exemplo dos animais.”

A Itália foi o berço do renascimento, mas o movimento logo ganhou os demais países europeus como a Inglaterra, Espanha, Portugal, França e Países Baixos.

Dentre inúmeros outros ícones do renascimento destacam-se Dante Alighieri, Nicolau Maquiavel, Giovanni Boccacio, Miguel de Cervantes, Luís de Camões, William Shakespeare, Thomas Morus, Michelangelo, Leonardo da Vinci, Nicolau Copérnico e Galileu Galilei.

Anteriormente, no feudalismo, o homem se via na impossibilidade de acumular riqueza e fortuna, aspecto que a nova ordem passa a estimular.

Na ciência, contrapondo-se ao princípio aristotélico medieval da autoridade - o magister dixit - surge a experimentação empírica, o espírito crítico, a comprovação dos fatos e descobertas em laboratório: doravante, a verdade deveria ser comprovada, na prática. É o que determina os conflitos com a Igreja e sua Santa Inquisição.

A burguesia ascendente vai buscar em Martinho Lutero e João Calvino as referências para uma nova ordem religiosa, consentânea com o novo stabilisment, a reforma protestante.

É neste contexto, de plena efervescência política e econômica que se origina, também na Itália, a Commedia dell’Arte, uma das mais revolucionárias escolas teatrais.

A corte italiana priorizava os investimentos financeiros na criação de um novo modelo de teatro, adotando um formato e um arranjo cenográfico que culminaria no fortalecimento da ópera e do balé.

Desprovidos deste suporte e dos recursos financeiros, os artistas da Commedia dell'Arte se viram na contingência de investir no que se apresentava ao alcance das mãos: a performance do ator.

Deste novo ator é exigido habilidades especiais ou um exaustivo treinamento que o qualifique para o canto, a dança, a representação, a execução de malabarismos e contorcionismos de modo a aprisionar de maneira definitiva a atenção do público presente aos espetáculos.

Este ator deve ter pleno domínio do corpo e da mente. Deve deter as técnicas de expressão corporal e vocal, ao mesmo tempo em que deve se especializar nas técnicas da improvisação. Aqui a pantomina, a mímica e a linguagem gestual assumem importâncias estruturais: as nacionalidades estavam em formação no velho continente, de modo que a unidade lingüística ainda se encontrava em construção. Daí a prevalência da expressão corporal sobre o texto, fato que obrigou o ator a buscar a excelência na manifestação e expressão gestual.

Geralmente o ator representava os mesmos papéis por toda a vida. Eram papéis caricatos, alguns ainda hoje presentes no imaginário popular, como Arlequim, o servo atrapalhado e Brighella, o servo astuto e bom de briga.

A improvisação é outra característica latente na Commedia dell’Arte, um mandamento levado ao extremo. Por isto o texto apenas sinalizava um caminho; se prestava mais como um simples enredo a guiar os passos dos atores, sobretudo nas marcações como as que sinalizam as entradas e saídas.

Quanto à temática, caracterizava-se pela abordagem simplista e pelo viés popular, explorando o humor das cenas de traição explícita, dos episódios burlescos, dos desencontros amorosos, das paixões impossíveis ou mal resolvidas, da avareza e da exploração das diferenças, das anormalidades físicas, ...

Sobre as críticas políticas é curioso constatar que sempre as fizeram, obtendo certa liberdade e condescendência das elites religiosas e da nobreza. Desde que a crítica se apresentasse acobertada pelo humor, a prática era tolerada. As elites imaginavam que o humor retirava da crítica a reflexão, reduzindo-a à efemeridade, sem força, por conseqüência, para comprometer as estruturas vigentes.

Munidos deste “passaporte”, os artistas da Commedia dell’Arte não se faziam de rogados. Dentre piruetas, saltos mortais e contorcionismos, os atores improvisavam explorando a música e a dança, fazendo pilhéria das fragilidades humanas, provocando de maneira ferina e mordaz a platéia, questionando os costumes, obtendo como resposta da assistência não a agressão, mas a plena satisfação, o riso fácil, o encantamento, a diversão.

Cada grupo constituía-se de cerca de dez atores, que percorriam povoados e cidades, levando seus espetáculos magistrais continente adentro. É neste instante que ocorre a profissionalização do ator.

A alegria sem limites, os trajes carnavalescos, o centro do processo na plástica corporal e na improvisação dos atores, o compromisso com o imaginário popular encantaram todos os encenadores modernos, de Artaud a Meyerhold. E, nos dias que correm, ancoram as bases do teatro popular de bonecos como o Mamulengo, o Casimiro Coco e o Mané Beiçudo. Portanto, ao se divertir com uma apresentação do teatro popular de bonecos aprenda a observar nas traquinagens e peripécias de Mané Beiçudo, a pujança que apagou as fogueiras do Santo Ofício e fez eclodir o vigor cultural do renascimento, a efervescência do movimento que rompeu a noite de mil anos.

Artigo de Antônio Carlos dos Santos publicado no Jornal Opção/Goiânia

segunda-feira, 8 de junho de 2015

O teatro Mamulengo e o teatro Mané Beiçudo


O mamulengo é um teatro popular de bonecos, muito difundido no Estado de Pernambuco, de raízes históricas e origens vinculadas ao teatro medieval europeu.

Geralmente, o mamulengo utiliza a modalidade do boneco de luva. Mas encontramos também os mamulengueiros que preferem brincar – realizar apresentações - com bonecos de vara.

A tecnologia de construção da cabeça do boneco difere bastante da utilizada na fabricação dos fantoches. A cabeça dos fantoches é confeccionada utilizando o pano, o papier-maché, jornal, e outros materiais como insumos do processo de fabricação.

Por utilizar a madeira como matéria prima para a fabricação do boneco, o mamulengo adquire maior resistência e durabilidade. Resiste bem às cenas de pancadaria explícita – muito comuns neste tipo de teatro – como também resiste à ação do tempo.

O mamulengueiro mais completo é aquele que se propõe a construir seus próprios bonecos, é o ator manipulador-artesão, o ator-escultor, criador da obra prima. Além de vestir e interpretar o boneco, emprestando o sopro da vida, lida com a madeira, trabalhando-a, conformando-a, esculpindo-a para que possa receber a tinta que irá caracterizar e dar identidade ao títere.

Há casos em que o mamulengueiro esculpe todo o boneco, inclusive o corpo. O normal, contudo, é utilizar a madeira para esculpir apenas a cabeça e as mãos. O restante do corpo é representado pela luva que veste a mão do manipulador.

Para a construção dos bonecos, as madeiras mais utilizadas pelos mamulengueiros históricos:

• mulungu
• umburana
• carrapateira


Com rara freqüência encontramos bonecos fabricados de pana – raiz encontrada em mangues e brejos – pano, papier-mâché e cabaça.

Além dos mamulengos de luva, existem também os de luva e fio. Nesta estrutura, o sistema de fios é manipulado de baixo para cima, contrário ao conhecido esquema das marionetes, onde a manipulação se processa de cima para baixo.

No mamulengo de luva e fio, o boneco possui articulações que tornam possíveis diferentes formas de manipulação, sobretudo a manipulação independente das partes do corpo como a boca, a língua e os olhos. Este tipo de movimentação ocorre quando o ator-manipulador, com a mão direita, aciona um sistema de fios que traspassa o interior do boneco; mantendo a mão esquerda vestida na luva com a função de sustentar e compor o corpo do boneco.

Nos mamulengos de vara, quase sempre todo o corpo é esculpido de madeira. Mas existem variações, quando são utilizados pano, serragem, algodão e papel para enchimento.

No teatro de bonecos Mané Beiçudo admite-se a utilização de qualquer tipo de títere, inclusive o construído no formato do mamulengo. Mas, em decorrência da concepção metodológica, o Mané Beiçudo prioriza os bonecos construídos a partir da matéria prima amplamente disponível na localidade.

Antônio Carlos dos Santos - criador de metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo.acs@ueg.br

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A estrutura cênica do Teatro de Bonecos Mané Beiçudo

O teatro de bonecos Mane Beiçudo é uma metodologia que encerra inúmeras apresentações em um só contexto. São realizadas:

1. apresentações de bonecos de luva, abrigados dentro de uma empanada. Essas apresentações – quando das caminhadas de mobilização (os Espetáculos-mestes) – ocorrem em diversos pontos do trajeto, razão porque a empanada vai sendo deslocada de um lugar para outro, conforme a programação previamente elaborada. São os Espetáculos-satélites.
2. apresentação dos bonecos gigantes no grande teatro de rua que ocorre acompanhando a caminhada de mobilização. É o conceito do Espetáculo-mestre.

a. A empanada

A cabana que abrigará os atores-manipuladores pode ser erguida sustentada por uma estrutura de bambu, madeira, alumínio ou metalon. Esta estrutura é envolta por pano opaco que não permitem que a platéia perceba o que se passa em seu interior – as empanadas. O fundamental é que seja assegurada privacidade aos atores, que – em hipótese alguma – poderão ser vistos enquanto manipulam, brincam com os bonecos. Isto quebraria a magia do espetáculo.

Importa também construir a estrutura com o material mais leve, facilitando o manuseio e transporte. O ideal é que as peças da estrutura apresentem nas extremidades um sistema de pontos de encaixe, contribuindo para que o processo de montagem e desmontagem se dê com simplicidade e a necessária rapidez.

b. Os integrantes do teatro de luva do Mane Beiçudo

Dentro da empanada atuarão o manipulador principal, o mestre e dois ou três auxiliares - conforme seja o número de bonecos exigido na peça. Os auxiliares recebem a denominação de contramestres.

Do lado de fora da empanada atuam

• o conjunto de músicos, geralmente um percursionista e um violeiro ou sanfoneiro;
• o palhaço Serelepe, personagem que faz a ponte entre a platéia e os atores, passa dicas e informações cifradas para os manipuladores, responde e provoca tanto os bonecos como o público e faz a praça, recebendo a contribuição financeira da platéia. No Teatro Mamulengo recebe a denominação de Mateus, e no Teatro João Redondo, de Arrelinquim.

c. O teatro de rua

Na sistemática de produção do Teatro Mané Beiçudo, em diversos momentos ocorre a necessidade de promover mobilizações político-culturais. Essas mobilizações podem assumir a forma de caminhadas, passeatas, reuniões públicas numa praça ou logradouro ou ainda, podem assumir a forma de mega apresentações teatrais, realizadas em grandes eventos como na abertura de shows musicais ou de importantes partidas do campeonato de futebol.

Nestas oportunidades é que serão realizadas as apresentações de teatro de rua, com a utilização dos bonecos gigantes. É a categoria que aqui denominamos Espetáculo-mestre.

Como o teatro de rua acontece num grande espaço, ao ar livre, tudo deve ser exagerado. A performance, os movimentos e os gestos dos atores devem ser largos, grandiosos; a voz deve apresentar volume e impostação adequados; os adereços e objetos cênicos bastante expressivos e visíveis; os bonecos, de dimensões agigantadas, a maquilagem exagerada e a indumentária multicolorida.

Antônio Carlos dos Santos, criador da metodologia de Planejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção do teatro popular de bonecos Mané Beiçudo.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Todo mundo de volta ao teatro



Yolanda Barrasa ensaia com os atores de 'A sós'. / Divulgação
 
O microteatro, formato inovador criado na Espanha em 2009, chega ao Rio para impactar

Por Camila Moraes, no El País
 
Como trazer de volta ao teatro o público que o cinema comercial, a televisão e outros tipo de entretenimento tecnológicos e massivos desviaram das artes cênicas nos últimos tempos? A resposta, ao contrário do que se pensa, pode ser simplificar o espetáculo, em lugar de complicá-lo com pirotecnias.

Essa foi a experiência que viveu a espanhola Yolanda Barrasa e outros criadores do microteatro, um formato teatral inovador que nasceu em 2009 em Madri, dentro dos pequenos quartos de um prostíbulo abandonado. A proposta, como já foi dito, é simples: reduzir a duração da obra, a quantidade de atores em cena e de espectadores na plateia e o espaço disponível para a encenação. Assim, com três atores, 15 espectadores, 15 metros quadrados e 15 minutos de peça no máximo, nasceu uma experiência teatral que pode ser comparada ao conto na literatura e ao curta-metragem no cinema. Uma história com um punch, feita para impactar.

A novidade acaba de aterrissar no Rio de Janeiro, trazendo da Espanha e dos vários microteatros que se espalharam pelo mundo (mais de 100) a exigência de que cada encenação se repita várias vezes numa mesma noite, para que o público escolha ao que assistir. O lugar escolhido foi o Castelinho do Flamengo, onde o microteatro carioca, com várias peças curtas apresentadas ao mesmo tempo, ficará instalado por quatro semanas (de 14 de novembro a 6 de dezembro). A entrada às sessões que acontecerão sempre às sextas e sábados é gratuita.

“Foi a forma que encontramos de reconquistar o espectador e de atrair um público distinto ao que frequenta hoje em dia o teatro tradicional. Em Madri, onde fundamos um microteatro permanente, chegamos a encenar a mesma peça 20 vezes numa noite, com um público que misturava adolescentes e idosos, entre outras pessoas”, conta Yolanda sobre o Microteatro Por Dinero – referência mundial desse tipo de “teatro íntimo, que valoriza os detalhes e os sussurros”, como explica a própria diretora, responsável por uma montagem brasileira da micropeça A solas (a sós), de Lorenzo Silva, sobre um interrogatório entre um homem e uma mulher.

Não só Yolanda e seus companheiros reconheceram essa democratização do público, como que tinham revitalizado o formato teatral. Isso se deve, principalmente, à experiência de um teatro simultâneo, que implica que o espectador escolha livremente suas obras preferidas. “O teatro curto existe desde Cervantes, mas essa proposta dinâmica e democrática foi para nós o surgimento de algo insólito. É uma grande emoção ver que o formato foi amplamente adotado”, diz.

A ideia de um microteatro carioca surgiu casualmente, quando Yolanda veio ao Brasil para dar um dos workshops extramuros da Escuela de Cine y Televisión de SanAntonio de los Baños, de Cuba. Depois da estreia no Rio, é possível que se abra uma temporada em São Paulo e em Curitiba, mas por hora nada está confirmado. Só que o show vai durar 15 minutos, com três atores, 15 pessoas na plateia... E que pretende emocionar.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

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O ventríloquo e o teatro de bonecos Mané Beiçudo


Quem transita nas médias e grandes cidades não mais se surpreende quando, numa praça ou logradouro público, se depara com um aglomerado de gente.

Não é raro encontrar um amontoado de pessoas, atentas ao que se passa no centro da roda. Das duas, uma: ou é um encantador de serpentes, assustando todos com sua caixa escura repleta de cobras peçonhentas; ou é um animado senhor que, de forma encantadora, conversa, discute e briga com um boneco histriônico que carrega no colo, sentado sobre a perna.

No circo e nas praças dos núcleos urbanos, com relativa facilidade nos deparamos com essas aglomerações humanas, um amontoado de curiosos tendo no centro um ventríloquo.


Com a utilização desta tecnologia, o ator apresenta-se, geralmente, sentado em um banco ou cadeira, mantendo sobre seu colo um boneco, com quem brinca e conversa, provocando-o de forma acintosa e contundente e recebendo do boneco apimentadas réplicas e tréplicas. À medida que fala, dando mínimos movimentos aos seus lábios, o manipulador mexe a boca do boneco, com o que lhe empresta voz e vida. Para executar este movimento de abrir/fechar a boca do boneco, um mecanismo interno é acionado pelo ator.

O teatro de bonecos Mané Beiçudo raramente utiliza-se desta tecnologia. Dado a plasticidade e as características intrínsecas da tecnologia, prioriza os bonecos de luva, notadamente os confeccionados com sucata, com o que empresta um sentido educativo até mesmo à rotina de fabricação dos títeres.

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia dePlanejamento Estratégico Quasar K+ e da tecnologia de produção do Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo.acs@ueg.br

domingo, 17 de agosto de 2014

A linha de produção do Teatro de Bonecos Mané Beiçudo

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(...)
Humilhas, avanças, provocas, agrides, espancas, torturas, aprisionas indefesos – e quem bate e violenta é a tropa de choque?
Te tornaste carne, sexo e prostituta de incubo de Saturno –
e ensandecidamente acusas o outro de estupro? (...)

Leia o poema Uma oração para canalhas clicando aqui.
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Em seu processo produtivo o Teatro Mané Beiçudo não se limita ao instante da apresentação teatral. Não se contenta com a efemeridade deste lapso temporal.

Num espetáculo convencional as pessoas chegam ao teatro – ou ao local demarcado – acomodam-se, assistem a apresentação cênica, aprovam aplaudindo, se mantêm indiferentes ou reprovam, vaiando, e depois se retiram para o conforto de seus lares. E acabou. Quando muito, nos dias seguintes, um ou outro comentário no local de trabalho ou de estudo. E pronto, acabou.

Já utilizando a metodologia do Mané Beiçudo, o instante da apresentação demanda pelo menos duas semanas. No mínimo minimórum.

Considerando esta possibilidade mínima: nos sete dias anteriores à apresentação propriamente dita, os atores mergulham na comunidade, interagem com o público-alvo, com os

• moradores, se o espaço-objeto for um bairro;
• estudantes, se o espaço-objeto for uma escola;
• trabalhadores, quando o espaço-objeto é uma organização governamental ou não.

Neste primeiro momento, denominado Fábrica Ex-Ante, os atores e produtores colhem subsídios, realizam pesquisas, aplicam questionários, recolhem, tabulam e tratam os dados transformando-os em informações, resgatam os valores e tradições culturais locais, estruturam a coluna dorsal do texto a ser apresentado, identificam dentre as pessoas da comunidade os potenciais atores, promovem uma oficina compacta onde repassam a metodologia do Teatro de Bonecos Mané Beiçudo – para que o processo possa ter continuidade local – e ensaiam o espetáculo.

No segundo momento, denominado Fábrica Ex-Cursus, a apresentação do espetáculo é realizada no local definido, um teatro, uma sala de aula, um refeitório de uma unidade fabril, o hall de uma repartição pública, um logradouro público... Logo após a realização do espetáculo, ocorrem debates, oportunidade em que os atores procuram estabelecer relações entre a ficção e a realidade local. Um questionário é aplicado entre os presentes, material que servirá de subsídios para a elaboração do Documento “Diagnóstico e Diretrizes para a Produção Cultural Local”.

Ainda neste momento, a opção pode ser pelo Espetáculo-mestre e pelos Espetáculos satélites. O primeiro é uma grande marcha carnavalesca, uma grande passeata cultural que objetiva mobilizar a comunidade. Os Espetáculos satélites ocorrem no decorrer da passeata cultura, no interior do Espetáculo-mestre.

O terceiro momento, a Fábrica Ex-Post, é reservado para a avaliação de todo o processo e ao reprocessamento, à retroalimentação, para que a roda não pare, e continue girando de uma forma sempre melhor. Problemas são identificados e equacionados, soluções apontadas, medidas e deliberações com vistas a correções de curso são adotadas. Isto em nível do espetáculo propriamente dito como também em nível dos problemas objetivos que assolam a comunidade: inexistência de esgotamento sanitário; questões de saúde como o aumento descontrolado da dengue e do calazar; problemas urbanos como a falta de moradias, o transporte coletivo deficiente, o lixo doméstico, industrial e hospitalar, etc. e etc. O processo então é retroalimentado, a roda volta a rodar, mas agora com um upgrad, com um plus, com um diferencial de acréscimo positivo. Este ciclo se repede ad-eternum. Por isto o espetáculo é um processo permanente.

Antônio Carlos dos Santos - criador da metodologia Quasar K+ de Planejamento Estratégico e da tecnologia de produção de Teatro Popular de Bonecos Mané Beiçudo.acs@ueg.br

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Entrevista com o autor

Entrevista com o autor, publicada na Revista Bula (www.revistabula.com)

Pioneiro do Teatro de Bonecos na região central do país, o escritor e dramaturgo Antônio Carlos dos Santos, lançou em Goiânia, no ano de 2005, a coleção Brincando de Teatro. A obra compõe-se de 37 volumes, sendo 7 de teoria do teatro e 30 volumes com a reprodução de 30 peças teatrais completas. Todo esse trabalho foi reunido em um único CD-Rom, se constituindo numa obra de referência, a maior coleção sobre teatro já lançada no país, em formato digital, de e-book. Reunindo peças em variados formatos e propostas, a coleção Brincando de Teatro ajuda alunos, professores, trabalhadores e a comunidade em geral a montar um espetáculo e a se apresentar no palco. E tem ainda, como um dos seus principais objetivos, a meta de enfatizar a necessária vinculação entre Cidadania, Educação e Teatro. Apresenta também teoria, exercícios e laboratórios dramáticos. Além de dramaturgo, Antônio Carlos é engenheiro civil e mestrando em ciências políticas. Sua estréia na literatura aconteceu em 1969 com a publicação da peça de teatro “A Chibata".

Onde tudo começa?

Nasci em Goiânia, em 1956. Meu pai, Luiz Martins era militar da Aeronáutica e minha mãe, dona Geralda, a guerreira que me fez ver o mundo de uma outra forma. Fiz o primeiro grau na Escola-Parque, em Brasília, onde comecei a atuar no teatro, nos anos 60. Nos anos 70 já estava cursando Engenharia em Goiânia. Tão logo concluí engenharia, me especializei em planejamento e administração pública e fui batalhar a vida em outros lugares, Palmas, Brasília, ... Passei cerca de quinze anos fora. Nesse ínterim lancei o romance "Os Anjos Esquecidos por Deus", o livro de poemas "Canto da Terra" e o de teatro, "Teatro Vivo", além de alguns livros técnicos. Há cerca de três anos fui convidado para criar os dois Pólos da Universidade Estadual de Goiás em Goiânia. Estruturei e fui o primeiro diretor do Pólo de Projetos Especiais, e do Pólo de Formação de Professores, que funciona no CAIC da Chácara do Governador.

Qual sua definição para Teatro? Sobre o envolvimento ou distanciamento do personagem com o ator, existem duas teorias de se representar. Uma que tem a identificação do ator com o personagem, Stanislavisky; e outra, que é o ator distanciado, Brecht. Qual teoria o senhor mais se identifica?

O que não faltam são definições para teatro. A palavra vem do grego e significa "lugar aonde se vai para ver". Os mamulengueiros costumam se referir ao teatro como uma brincadeira. Eu diria que é um processo de representação em que o ator e o espectador estão conscientes do papel de cada um. Não gosto do teatro formulado por Aristóteles, o teatro dramático tradicional, baseado na catarse e na empatia. Dois dramaturgos alemães, Erwin Piscator e Bertolt Brecht, criaram o que ficou conhecido como "efeito de distanciamento". Na realidade este artifício já era bastante comum no teatro antigo e medieval. Piscator e Brecht aprimoraram esse efeito para forçar um distanciamento do ator em relação à personagem que interpreta, e destes com o espectador. Isto para possibilitar a reflexão crítica. Também Jerzy Grotoviski enriquecem a relação ator-espectador. Não se pode deixar de lado nem Stanislawsky e nem Artaud. Teve também o Living Theater que esteve no Brasil na década de 70; o Arena; o Oficina,... O teatro que denomino Mané Beiçudo é um pouco de tudo isso.

Como era fazer teatro em Goiás nos anos 70, época em que Goiás e Tocantins constituíam ainda uma única unidade da federação?

Não era nada fácil. Não tínhamos acesso à informação de forma geral, e muito menos às informações e conteúdos teatrais. Os grupos de teatro davam murro em ponta de faca para conseguir uma peça para montar. Mas conseguimos aglutinar os que produziam teatro e estruturamos a Federação de Teatro de Goiás, que chegou, na época, a ter mais de 50 grupos filiados. O Governo, desde sempre interage com os grupos locais, mas desprezando-os, praticando a política pequena, miúda, de privilegiar panelinhas, de promover o que é insosso e medíocre. Aquele ditado de que "santo de casa não faz milagre" sempre caiu como luva por aqui. Naquela época vivíamos uma realidade esdrúxula, escrota. Para você ter idéia, em 1967, a Antígona de Sófocles, foi vetada pela Polícia Federal sob a argumentação de ser perigosa à Segurança Nacional. A Megera Domada de Shakespeare foi proibida porque os censores avaliaram que deveriam "defender" a imortalidade do autor, "conspurcada" através de palavrões. Palavrões que constam no texto original, em Inglês. Coisas inacreditáveis aconteciam diuturnamente. Em 1968 Cacilda Becker foi demitida da TV Bandeirantes e da Comissão Estadual de Teatro. E sabem o motivo apresentado? "Interpretação subversiva". Esses eram aqueles tempos.

Quem fazia teatro no Estado nessa época?

Éramos muitos. Dos grupos havia o Espantalho, que era o grupo em que eu atuava; havia o Terra da Selma Ferreira; o Quilombo de Solange Oliveira. Nessa época já atuavam o Divanir Pimenta, o Carlos Moreira, Zoroastro, Eurípedes, Ademir Faleiros, o Delgado, Odilon, o Tonzé. Sem que eles soubessem, tínhamos como referência Hugo Zorzetti e Carlos Fernando, dois grandes encenadores goianos. Olhe, não éramos poucos, e estou cometendo uma tremenda injustiça ao não citar todos.

E o teatro de bonecos, como chegou ao Brasil?

O teatro de bonecos sempre foi uma manifestação cultural eminentemente popular. Muitos chegam a afirmar que o teatro de bonecos é tão antigo quanto o de atores. É praticado desde a antiguidade. Supõe-se que tenha originado no Oriente e depois conquistado a Europa e as Américas. Na idade média, na Europa, o Teatro de Bonecos experimentava uma forte expansão. Com a colonização portuguesa, recebemos também essa herança. No velho continente as apresentações ocorriam nas praças e logradouros públicos, nas feiras livres. Mas ocorriam também nas cortes e nos palácios reais. Nesse período, a Igreja Católica, então onipresente, se apropriou das técnicas teatrais como instrumento de evangelização e catequização. Por isso, a versão mais coerente é que o Teatro de Bonecos tenha chegado por aqui na forma de presépio, no esteio das apresentações da cena do nascimento de Jesus.

A frase "Assim, os fios que dão movimento aos bonecos, a música, a narração - tudo conspira para que os sentimentos também movam-se com a história enquanto ela segue seu curso." de S. Marra e S. Crepaldi. É uma boa definição para o Teatro de Bonecos?

Acredito que sim. Bert Brecht já dizia que qualquer definição vale a pena; que se fosse necessário chamar "teatro" de "taetro" que se fizesse. Tudo para nos fixar no que é determinante, no que é essência e fundamento. Tudo no sentido de não perdermos o foco, de não perdermos tempo com o que é meramente circunstancial, acessório. E no teatro, a essência e o fundamento é o conflito. Seja teatro de bonecos ou não, um bom conflito já enseja um bom começo.

No inicio o Teatro era uma manifestação ligada a igreja, como foi essa desterritorialização?

A jornada do teatro na história da humanidade é recheada de contradições. Na Grécia e em Roma, o teatro era livre e cultuado. Nos inícios do cristianismo foi excomungado e banido da Igreja. Mas, na Idade Média, foi novamente incorporado à liturgia como mecanismo de pregação religiosa. Desde que se limitasse ao contexto religioso passou a ser estimulado. Mas, como o povo não se deixa encabrestar por muito tempo, logo ganhou as ruas, as praças, incorporando temas outros que não somente os preconizados pela igreja. Foi assim que surgiu, na Europa, o movimento preconizado pela commedia dell’arte.

E os mamulengos?

Sim, e os mamulengos. Quando o teatro de bonecos abandona os temas sacros, passa a abraçar o mundo, o universo popular, os temas que tocam a alma do povo simples. Surge então um teatro simples, mas forte, pujante, repleto de reflexão crítica, tomado de muita alegria e humor. Esse teatro no Estado de Pernambuco, recebe o nome de "Mamulengo". Na Paraíba e no Rio Grande do Norte, é denominado "João Redondo". Na Bahia recebe o nome de "Mané Gostoso"; no Piauí, "Cassimiro Coco"; em São Paulo, Rio e Espírito Santo, "João Minhoca" ou "Briguella", e assim vai...

E isso tudo vem lá de trás, da idade média.

É verdade, este movimento sim. É de origem italiana, as características baseadas na commedia dell’arte. As companhias italianas viajavam por toda a Europa, se apresentando. Logo o movimento começou a incorporar valores das culturas locais, o que resultou nos teatros de bonecos nacionais. Na Inglaterra, o Punch; na Holanda, o Pickelhering; na Rússia, o Petruchka; no Brasil, o mamulengo, dentre outros aos quais já me referi.

Foi esse teatro que o senhor trouxe para a região central do país, para Goiás, Brasília, Tocantins e os dois Mato Grosso?

Sim e não. Sim porque aproveitei como eixo a mesma estrutura, a coluna dorsal, digamos assim. Do mamulengo tomei o "mestre", que é o responsável, o principal ator. Tomei também o contramestre, que é o ajudante, e o Mateus, que denomino palhaço Serelepe. O Mateus é um personagem que migrou do bumba-meu-boi. No mamulengo ele chama Mateus e no Teatro João Redondo recebe o nome de Arrelinquim. Essa estrutura básica eu recheei com elementos da nossa cultura regional, elementos das cavalhadas, da congada, da catira. Qual foi o resultado? Deu num formato de teatro de bonecos que denominei "Mane Beiçudo". Neste formato de teatro, a platéia é convidada a estender sua participação, passando do espetáculo teatral para o espetáculo real. Nos anos 70 eu era um sonhador inveterado, um idealista juramentado. Queria mudar o mundo, derrotar a ditadura, levar justiça e felicidade aos excluídos com meu teatro. Saía ministrando cursos de teatro nos bairros, na periferia, nas escolas. Pegava minha empanada, meus bonecos e apresentava nos terminais rodoviários, nas feiras livres, nas escolas, onde conseguisse reunir pessoas. Devido à irreverência de meus bonecos, nos anos de chumbo corri da polícia em Araguaína, Gurupi, Dourados, Cuiabá... Ensinava as comunidades a fazer os bonecos, a manipular, a estruturar grupos... Foi muito bom.

E a censura?

Na época os grupos e os artistas só podiam se apresentar se portassem o Alvará de Liberação do Serviço de Censura do DPF, o Departamento de Polícia Federal. Vejam que coisa. A Polícia Federal, a mesma que tem a atribuição de combater o contrabando, o tráfico de entorpecentes, recebeu também a missão de "zelar" pela cultura. Ela tinha o poder de permitir ou não as apresentações teatrais. Teve um ano em que tive quatro peças teatrais integralmente vetadas. Então passamos a apresentar às escondidas. Veja se pode?! Fizemos muito isso nas feiras livres. A gente chegava de mansinho, como quem não queria nada, armava a empanada no meio do povo, das bancas de verdura, e fazíamos a apresentação. Mal terminava, a gente fazia a praça, recolhia o dinheiro da platéia, e rapidamente, nos dispersávamos no meio do povo. Eram tempos difíceis.

Por que o Teatro de Bonecos, muitas vezes, é visto e tratado como uma "arte menor" restrita ao público infantil?

Os mamulengueiros chamam os bonecos de brinquedos. Quando vão se apresentar, dizem que vão fazer uma brincadeira. Décadas atrás, havia no Nordeste apresentações que duravam até sete, oito horas ininterruptas, com o mestre se revezando com o contramestre. Quando as horas avançavam e as crianças e as mulheres se recolhiam para dormir, aí o pau cantava. Era só sacanagem. Quem nunca viu, não consegue imaginar o quão engraçado é um boneco fazendo besteira e dizendo sacanagem. Dependendo da hora, o teatro mamulengo pode ser destinado às crianças ou aos adultos. Portanto essa "restrição ao público infantil" existe apenas parcialmente no teatro popular de bonecos. Já no teatro que se faz por aqui, atualmente, talvez isto decorra de, na maior parte das vezes, o teatro de bonecos estar confinado ao universo infantil. E nossa sociedade tende a menosprezar o que é infantil, desdenhar a riqueza que emerge desse mundo peculiar. Como a infância é uma fase transitória de nossa existência, parte-se do pressuposto de que o que é transitório é efêmero, apenas uma passagem, uma ponte. Isto tem um impacto negativo profundo na própria educação de nossas crianças. O teatro de bonecos feito por e para adultos encontra este tipo de incompreensão. Mas aqui talvez o fato determinante seja a vinculação umbilical com a cultura popular. E as elites têm a tendência de vincular o popular ao que é folclore, ao que é tradição; e se é folclórico e tradicional, se lembra o Zé povinho, então deve merecer o visceral combate. Infelizmente é assim que pensam.

Como os bonecos são feitos?

O boneco mamulengo é feito artesanalmente, quase sempre de madeira. Utilizam muito o mulungu, a umburana e a carrapateira. Vez por outra aparece algum boneco de pano, de cabaça, e mesmo de papier-mâché. No meu teatro de bonecos, o "Mane Beiçudo", utilizo todas as técnicas construtivas, mas principalmente a sucata. Foi uma forma de aproveitar um tipo de material que se encontra aos montes. Solicitava que as pessoas trouxessem o que quisessem, e nas oficinas montávamos os bonecos de luva e de vareta.

Como é que nasce um espetáculo?

Depende muito da proposta de trabalho. Mas invariavelmente, um espetáculo teatral nasce da observação e re-elaboração de um conflito social. O conflito é a alma, a espinha dorsal do teatro, de uma apresentação, de um espetáculo teatral. Ainda que não esteja aparente, é o conflito que dá liga e formato ao teatro.

E cada espetáculo é um processo diferente ou é sempre mais ou menos o mesmo?

Os espetáculos são mais ou menos como as pessoas. Não poderia ser de outra forma, já que o teatro é uma das mais profundas manifestações da humanidade. Somos milhões no mundo. E cada pessoa que chega, cada um que nasce é um ser único, exclusivo, singular. É um sujeito plenamente identificável. Isso apesar das inúmeras características físicas e psico-sociais que a humanidade mantém em comum. Também um espetáculo é assim. Dez grupos diferentes montarão um mesmo texto de dez formas diferentes. Por que são diferentes as leituras, são diferentes as visões, são diferentes as abordagens, são diferentes os valores individuais e coletivos, são diferentes e em variados graus os conflitos enfocados. A não ser que tenhamos a cópia pela cópia, a cópia servil que não leva a nada, que nada constrói e que por isso, nada tem a ver com teatro, pelo menos com o Teatro Mané Beiçudo.

Quais os tipos e bonecos existentes no Teatro brasileiro?

O teatro de bonecos é uma linguagem universal. Os existentes no Brasil são os mesmos existentes em todas as partes do planeta. Diferenciam os contextos, é claro. É como a linguagem oral ou a linguagem escrita. Cada povo tem um conjunto específico de símbolos e sinais, mas todos têm os seus. Existem os bonecos de luva, de vara, as marionetes, fantoches, ventríloquos, o teatro de bonecos de sombras, o teatro negro ... Quanto à estrutura de construção temos os de madeira, de massa de papel, de pano, de isopor, de sucata, de cabaça ...Uma infinidade indescritível de formatos e materiais. Uma vez, numa oficina que ministrava em São Paulo, coloquei os alunos para construir bonecos utilizando tão somente tinta e tampas de panela. Foi ótimo. Para um bonequeiro, um titeriteiro-construtor, o céu é o limite.

O público no teatro pode influenciar na interpretação do titeriteiro?

Cada caso é um caso. Existem propostas que praticamente ignoram o público. O público é computado como um número no borderô. As pessoas são contabilizadas como meras compradoras de ingresso. Já outras propostas, a maioria delas derivadas do teatro popular de bonecos, têm na interação com a platéia a coluna de sustentação do espetáculo, a coluna dorsal, a coluna mestra. A apresentação será tão mais exitosa quanto maior for a participação do público. Por isso, nesse tipo de proposta, o boneco provoca, atiça, estimula a platéia a participar do espetáculo.

Quais são seus atuais projetos no teatro?

Avalio estar vivendo um período importante de meu trabalho. Acabo de sistematizar tudo o que ensinei e aprendi nesses anos todos, e formatei tudo isso no teatro que denominei Mané Beiçudo. A primeira etapa deste trabalho ocorreu com o lançamento de minha coleção de teatro, em 37 volumes. São sete volumes com teoria, exercícios e laboratórios teatrais e mais 30 volumes de dramaturgia. São trinta e uma peças teatrais, sendo que dez delas abordam 19 lendas do folclore regional, indígena e brasileiro. Depois lancei o trabalho “Educação, Teatro & Folclore”, em que mergulho no universo do nosso patrimônio imaterial, interagindo esses valores com o teatro. Neste instante, fecho a trilogia com o lançamento do “Teatro de Bonecos Mane Beiçudo”, coroando todo este processo. Agora é intensificar as palestras, cursos, oficinas e apresentações, divulgando a tecnologia e o arranjo produtivo.

Fale um pouco mais sobre o Teatro Mané Beiçudo.

É uma proposta de teatro, só isso. Nada que seja ou pareça pretensioso, mas uma proposta que procura estabelecer uma estreita sintonia, uma interação aguda entre teatro, educação e cidadania. O que não é nada demais porque isso já é da essência do teatro. Mas digamos que eu esteja fazendo uma nova leitura, colocando esses paradigmas sob um novo contexto. Parto da premissa que o teatro pode ser feito por todos. Isso significa disponibilizar um referencial teórico que torne o exercício teatral uma realidade para estudantes, trabalhadores, donas de casa, camponeses, crianças e juventude... Quero disponibilizar as ferramentas, as técnicas, as metodologias, mas de tal forma que o contexto, a inserção e a reflexão social estejam presentes. Isso ajudará a agregar qualidade às produções, mas não é só isso. Trata-se também de estabelecer uma linguagem que tenha a ver conosco, com a nossa alma, com a nossa identidade. Algo que nos ancore em nossa localidade, em nossa cultura, sem naturalmente romper os vínculos com o planeta, com o mundo globalizado.

Estar sintonizado com a rua, com o bairro e ao mesmo tempo com Moscou e Paris, é isso?

É isso. O Teatro Mané Beiçudo é um teatro que diverte, fundamentalmente. Um teatro que faz rir, que dá prazer, que entretém. Mas também que convida à reflexão, que leva o espectador a estabelecer relações de causa e efeito. Um teatro simples, singelo, lúdico e onírico, mas contundente e que pode cortar como navalha afiada. Outro aspecto importante é que o Teatro Mane Beiçudo interage de uma maneira especial com o público, faz com que a platéia se sinta protagonista da estória. E a leva a refletir sobre a importância de também se posicionar como protagonista da história.

E qual a razão deste nome, Mane Beiçudo?

Mane Beiçudo é um boneco que criei no final dos anos 60, e que caiu nas graças do povo. Tem a aparência diferente, com um beiço enorme, desproporcional. A questão da aparência nos faz refletir sobre o que vemos no plano externo, sobre o que é considerado belo e perfeito, e o que a sociedade convenciona como feio e repulsivo. Nos faz refletir sobre a importância das diferenças, que todos devem ser respeitados e ter o seu espaço, que é exatamente a diversidade que torna a sociedade interessante, rica, heterogeniamente produtiva. O que separa o feio do bonito, o perfeito do imperfeito, o correto do incorreto é uma linha tênue. Galileu Galilei quase foi parar na fogueira do Santo Ofício por defender a teoria correta. Os Beatles receberam um categórico “não” do primeiro produtor. Albert Einstain foi recriminado por seu professor de matemática, que chegou a afirmar que não alcançaria nada na vida. Raul Seixas teve que gravar seu primeiro disco escondido de seu chefe, e por isto foi sumariamente demitido da gravadora em que trabalhava. O Mane Beiçudo, com sua aparência fora do normal questiona tudo isso. É também um boneco negro, cabelo de bombril, uma homenagem que faço às nossas origens africanas. E também um ato de solidariedade às vitimas de preconceito racial. Mas o boneco é, sobretudo, valente e destemido, alto astral, positivo, tipo aquele sujeito que, recebendo o limão, o transforma numa saborosa limonada, entede? Por isto encanta tanto a platéia. Este boneco, mais que qualquer outro signo ou referência, expressa a filosofia de minha escola de teatro. Daí o nome.

Quantas peças o senhor já escreveu?

Centenas. Escrevo para teatro desde a adolescência. Existem peças minhas que já foram montadas por grupos de todas as regiões do Brasil. Nos anos 70, adquiri o hábito de publicar peças em pequenos livretos. Saia vendendo Brasil afora, sobretudo nas Mostras e Festivais nacionais de teatro. Acabou dando certo. Interrompi por alguns anos esse processo de publicação. Estou retomando agora a publicação de minhas obras.

Na sua metodologia, o senhor explora o conceito de que o teatro é a confluência das demais manifestações artísticas.

O teatro é o espaço onde todas as manifestações artísticas se encontram: a pintura, a escultura, as artes plásticas e a arquitetura através da cenografia, a música, a dança... A literatura chega ao teatro através da dramaturgia. No teatro utilizamos a língua falada, que surgiu muito antes da língua escrita. Apesar de todo o aperfeiçoamento verificado ao longo da história da humanidade, a língua escrita jamais conseguirá se apropriar de todas as variações da entonação, por exemplo. Ou das alterações que um gesto ensaiado pode emprestar a uma palavra. Um olhar mais intenso, um gesto com as mãos, a linguagem corporal de um ator experiente, tudo isso pode expressar significados que a língua escrita jamais alcançará. Por isso traduzir todo esse universo confinando-o num texto é um desafio que exige habilidade e um conjunto de técnicas apropriadas. Um bom texto sempre possibilitará que o ator se expresse com maior intensidade. Tem que ser assim porque o ator é na realidade o nosso emissor. Ao dramaturgo cabe estabelecer códigos que possibilitem que a mensagem chegue cristalina à platéia, ao receptor.

É possível viver de teatro fora do eixo Rio - São Paulo?

Mesmo no eixão está quase impossível viver de teatro. Os artistas acabam tendo que se envolver em outros ramos de atividade para assegurar a sobrevivência. Todos nós tínhamos grande expectativa quanto às realizações de apoio cultural de um governo inovador, como o que se propôs na campanha eleitoral o governo Lula. Mas até agora, as coisas ainda não aconteceram. Em nível das localidades, o que tem ocorrido em termos de políticas públicas de fomento à cultura beira à mediocridade. A não ser Curitiba, que com seu festival nacional tem feito a diferença.

Como terminaria essa entrevista?

Talvez enfatizando que o teatro deva dar prazer. Em A Megera Domada, Shakespeare escreve: "onde não há prazer, não há proveito". Concluiria também convidando o leitor a saborear o Teatro de Bonecos mané Beiçudo.