sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O que teria Shakespeare a dizer sobre a corrupção e a Lava Jato?

MP vê nova ofensiva contra Lava Jato
Procuradores criticam proposta que prevê anistia a executivos de empresas acusadas de Corrupção que celebrarem acordo de leniência
Os procuradores da República que integram a força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba afirmaram ontem ver uma nova ofensiva no Congresso para “enterrar investigações” e anistiar executivos de empresas acusadas de Corrupção. Segundo eles, uma proposta que muda a regra para acordos de leniência – espécie de delação premiada para as companhias – abre brecha para livrar executivos de punição penal. “Significa que, se uma empreiteira que teve os executivos condenados fizer um acordo com o Executivo, nos termos desse projeto, mesmo presos e já condenados, eles terão sua punibilidade extinta, serão imediatamente soltos por não terem mais responsabilidade por crime algum”, disse o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa, em Curitiba. “Querem enterrar a Lava Jato”, completa. A proposta em questão está em um projeto substitutivo em elaboração pelo líder de governo na Câmara, André Moura (PSC). A medida altera a Lei Anticorrupção, que vigora desde 2014, para incluir várias regras de interesse de empreiteiras investigadas na Lava Jato.
Algumas se assemelham às da medida provisória 703, editada pela presidente cassada Dilma Rousseff no fim de 2015 e que já foi alvo de críticas da força-tarefa de Curitiba, sob o argumento de que favorecia empresas e executivos corruptos. O texto expirou neste ano, sem ser convertido em lei pelo Congresso. Até aqui, o Ministério Público Federal aponta 28 empreiteiras que teriam se organizado em cartel, ou foram beneficiadas por ele para desviar recursos da Petrobrás. Construtoras como a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa já confessaram os crimes praticados por seus executivos – que fecharam acordos de delação premiada – e firmaram acordo de leniência com a Procuradoria. Só a Andrade concordou em devolver R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Segundo os procuradores, a proposta abre possibilidade também para que empreiteiras recebam de volta bens bloqueados e os valores já ressarcidos aos cofres da Petrobrás. “(A aprovação da proposta) impactaria todo o cenário de negociação de acordos de leniência que pode implicar no desinteresse das empresas em trazer novos fatos e informações de provas sobre crimes não descobertos”, afirmou o procurador Deltan Dalagnoll, coordenador da Lava Jato em Curitiba.
A preocupação é também com um possível efeito dominó que a “anistia” poderia provocar nas delações premiadas, fechadas com pessoas físicas. “Por que fazer acordo, se você pode conseguir esse mesmo benefício através de uma acordo de leniência feito pela sua empresa?”, questionou Lima. Os procuradores afirmam que não é a primeira tentativa de alterações legais com objetivo de atingir as investigações sobre Corrupção no País. Eles citam outros exemplos, como o projeto que muda a Lei de Abuso de Autoridade, a possibilidade de anistia ao caixa 2 eleitoral e a intenção de incluir parentes de políticos no programa de repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior. Ajustes. O anteprojeto foi apresentado ontem a órgãos de investigação do governo, como Tribunal de Contas da União (TCU) e Procuradoria, pelo líder do governo e pelo ex-deputado Sandro Mabel, um dos principais assessores do presidente Michel Temer. Ontem, porém, o deputado negou ao Estado ser o autor da medida. “A Lava Jato fez uma (entrevista) coletiva de um texto que não existe.
Não conheço nenhum relatório”, afirmou. O texto, que não havia sido apresentado oficialmente até o a noite de ontem, foi distribuído apenas em papel pela liderança do governo às demais bancadas da Câmara, segundo deputados. Um deles disse que recebeu o material do próprio Moura. A minuta do substitutivo, obtida pelo Estado, diz que os acordos serão celebrados pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, órgão de controle interno do governo, e as pastas correspondentes de cada ente da Federa- ção. Eles poderão assiná-los sozinhos ou em conjunto com o Ministério Público e a advocacia pública – no caso do governo federal, a Advocacia-Geral da União (AGU). Moura e Mabel participaram das negociações que envolveram empresários, centrais sindicais e ministros do TCU, que pleiteiam participação nas negociações.
Na reunião com entidades no Planalto, o ministro da Transparência, Torquato Jardim, defendeu que o TCU seja contemplado. “A Constituição obriga (a participação do TCU)”, disse. Questionado se o governo encampou o projeto, ele disse não saber e afirmou que, no encontro, só tratou na questão que envolve a participação de órgãos com “competência constitucional” para celebrar os acordos. Substitutivo. Além de dar margem para que empresários se livrem de ações penais e de improbidade, com extinção de punibilidade após acordo de leniência, a minuta do substitutivo traz outras regras que limitam possibilidades de investiga- ção e de cobrança de prejuízos às pessoas jurídicas. Suprime, por exemplo, o trecho que exige a celebração do acordo apenas com a primeira empresa que manifestar interesse. Assim, outras envolvidas nas mesmas ilegalidades poderão ser contempladas e obter benefícios.
A primeira proponente passa a ter o direito a 100% de abatimento na multa prevista na lei, de até 20% do faturamento. As demais poderão obter perdão de até dois terços da sanção. Para o advogado especialista em leniência, Walfrido Warde Júnior, a proposta esbarra numa questão legal. “Ela quer atribuir à CGU o poder de transacionar sobre a ação penal. E a CGU não tem esse poder”, disse. Em sua opinião, o projeto repete outras tentativas frustradas de, segundo ele, “cassar por meio de uma lei ordinária a competência constitucional do MP, que é o autor da ação de improbidade e da ação penal”.
PROJETOS ‘NA MIRA’
Lei de Abuso de Autoridade O projeto que tramita desde 2009 e foi desengavetado neste ano pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), prevê punição em casos como publicidade de investigação antes de ação penal ou por constrangimento causado por depoimento sob ameaça de prisão.
Anistia para caixa 2 Proposta que tipifica no Código Penal a prática do caixa 2 eleitoral, na visão de alguns parlamentares, pode abrir brecha para anistiar quem cometeu a irregularidade antes da aprovação da nova regra.
Repatriação de recursos Novo projeto que tinha como objetivo alterar o programa de repatriação de recursos enviados ilegalmente ao exterior previa incluir familiares de políticos como beneficiários da medida. Sem acordo entre parlamentares da base e da oposição, a proposta não avançou. No texto aprovado na Câmara, emenda proíbe a participação de parentes de políticos.
Anistia a executivos em caso de acordo de leniência Medida ainda em discussão prevê a extinção da punibilidade penal a executivos de empresas acusadas de Corrupção que fecharem acordos de leniência.
Por Ricardo Brandt / Fábio Fabrini, em O Estado de S. Paulo
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