sexta-feira, 5 de julho de 2019

Uma Auschwitz no coração do Brasil



É possível ao amor sobreviver em um ambiente onde prevaleça a desumanização mais absoluta e aviltante?

No Hospital Colônia de Barbacena, um hospício em Minas Gerais, foram praticados crimes tão terríveis que o psicanalista italiano Franco Basaglia chegou a classificar a instituição como um campo de concentração nazista. 

Em seu ápice o manicômio abrigou uma população superior a cinco mil internos e ali morreram, em completo abandono, 60 mil pessoas que o governo e a sociedade consideraram lixo humano. 

Em uma única madrugada, dezessete pacientes não resistiram ao frio cortante e faleceram. 

A infraestrutura era a pior possível, não havia sistema sanitário, não existia água encanada e o esgoto que corria a céu aberto, dentro do hospital, era a fonte onde muitos se banhavam e bebiam água. Uma só seringa servia para a aplicação de injeções em centenas de pacientes. 

Crianças, sobretudo os bebês, eram doadas ou comercializadas por funcionários corruptos. Numa desesperada tentativa de evitar que os seus bebês fossem levados, as mães se habituaram a cobrir a si mesmas com fezes, impedindo que os servidores se aproximassem.

Na filial latina de Auschwitz eram internados não apenas doentes mentais, mas, também, os considerados ‘desagradáveis’: oposicionistas, amantes de políticos, mães solteiras, alcoólatras, epiléticos, crianças indesejadas, jovens questionadores, vítimas de estupro, negros, prostitutas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos, qualquer um que integrasse os grupos sociais categorizados como ‘desajustados’. 

O sistema se tornou tão deletério que até mesmo homens tímidos e mulheres independentes – aquelas com senso de liderança ou que adotavam uma postura de questionar instituições como a do casamento - eram compulsoriamente internados. 

Em torno de 70% dos internos não apresentavam diagnóstico de qualquer tipo de doença mental. 

Não há registro de cura, não há histórico de recuperação no manicômio. O objetivo da unidade deixou de ser o tratamento, a terapêutica, a medicina, para se fixar em aspectos como a contenção e o controle.

O Eletrochoque e a ducha escocesa passaram a ser a estratégia para a intimidação e a punição. Bastava que o funcionário não fosse com a cara do paciente para que a sessão de eletrochoques se iniciasse. 

No último ato da peça teatral uma personagem faz perguntas que ecoarão eternidade adentro:

“O mundo saberá o que se passa aqui, no hospital Colônia de Barbacena, uma nódoa que envergonhará a humanidade para todo o sempre. Os criminosos que ousaram construir na terra uma morada do demônio pagarão por seus crimes? Os familiares e a sociedade que se omitiram e acobertaram com o silêncio a desumanidade mais vil e absoluta pagarão pelos crimes? Ou só os mártires de sempre se perpetuarão na condição de vítimas de sempre? Enquanto o mundo imaginava ter se libertado do holocausto, um novo Auschwitz foi erguido bem no coração do Brasil, à vista de todos, à luz do meio dia; e ninguém pagará por isso? Ninguém? Desde que o universo é universo e o mundo é mundo, desde que o homem se libertou do macaco e trocou as árvores pela terra firme, jamais existiu noite tão cruel e infame, de todas elas, esta é a noite mais escura.” 

É neste contexto de terror e completa insanidade que o autor trafega para conduzir uma estória de amor. Dois jovens estudantes, irremediavelmente apaixonados - tentando encontrar o oxigênio que mantenha a esperança – movimentam-se dentre conflitos políticos, crimes de lesa humanidade, assassinatos e filicídios.

A obra literária repercute uma questão que intriga os casais apaixonados desde tempos imemoriais: até que ponto pode o amor sobreviver em um ambiente onde prevaleça a desumanização mais absoluta e aviltante?

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