O mais escandaloso
com relação aos supersalários do funcionalismo público não é apenas o número
daqueles que acintosamente desrespeitam o teto de vencimentos estabelecido pela
Constituição, hoje fixado em R$ 33.763. É, também, como mostram os últimos
dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do
Trabalho, o fato de que uma maioria expressiva desses privilegiados se
concentra no Judiciário - o Poder encarregado de aplicar a Constituição e
garantir a segurança do direito.
Segundo os dados da
Rais de 2015, o maior número de servidores com supersalários está nos Tribunais
de Justiça (TJs), onde 3.041 servidores judiciais receberam mais do que o teto.
O recorde foi batido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Além de
concentrar o maior número de supersalários de serventuários de todos os TJs do
País, a Corte só tem 1, entre seus 861 juizes e desembargadores, recebendo
dentro do teto. Até a filha do ministro Luiz Fux, a desembargadora Marianna
Fux, que está apenas há sete meses na magistratura, desde o segundo mês na
carreira ganha acima do teto, sob a justificativa de que tem direito a receber
“indenizações” que não são contabilizadas como vencimentos.
Entre os benefícios
concedidos aos magistrados e senadores da Corte destacam-se auxíliomoradia,
auxílio-creche e auxílio-refeição. Benefícios semelhantes também são pagos a
juizes, promotores e defensores públicos em todos os Estados - há pouco, por
exemplo, o Ministério Público de Sergipe decidiu pagar auxílio-alimentação a
todos seus promotores e procuradores retroativo a 2004, sob a justificativa de
dar a eles o mesmo tratamento que o TJ sergipano dá a seus magistrados.
Os dados da Rais de
2015 revelam que em segundo e terceiro lugares, depois dos Tribunais de
Justiça, estavam os Executivos federal e estaduais, com 2,5 mil funcionários
recebendo supersalários. Em sua maioria são chefes de departamento do serviço
público, auditores fiscais e agentes de saúde e procuradores. Em número menor
do que nos Executivos federal e estaduais, o Legislativo também tem
funcionários recebendo mais do que o permitido. Na Assembleia Legislativa do
Pará, quatro servidores administrativos receberam entre R$ 114 mil e R$ 118 mil
mensais, em 2015. No Senado, dez senadores foram beneficiados com
supersalários, no ano passado. Desse total, nove são das unidades mais pobres
da Federação e alegam que, por terem sido governadores, têm direito adquirido a
aposentadorias “especiais”.
Alguns afirmam que,
por terem se aposentado antes da Constituição de 88, não podem ser alcançados
por ela em matéria salarial. “Minha pensão está respaldada pela Constituição de
1967. A Carta de 88 mudou a regra, mas a perda do direito não retroage”, diz o
senador José Agripi-110, ex-governador do Rio Grande do Norte. Em 2009, o
Tribunal de Contas da União publicou um acórdão exigindo que o Congresso
respeitasse o teto do funcionalismo. Mas o Senado ignorou o acórdão, alegando
que não há condições técnicas de instituir um teto nacional, uma vez que a
União, Estados e municípios têm orçamentos e folhas de pagamento independentes,
preservando os supersalários dos senadores.
Os beneficiários de
supersalários que não são magistrados ou parlamentares ocupam cargos superiores
nos Três Poderes, o que lhes permite fazer lobby para continuar recebendo
vantagens indevidas, desrespeitando a Constituição. São ganhos flagrantemente
ilícitos, que deixam claro como a elite da burocracia estatal usa suas
prerrogativas para barganhar vantagens. “Receber salários superiores ao teto
constitucional não é exatamente Corrupção, mas é tão ilegal quanto”, afirma o
professor de Direito Administrativo da USP Floriano de Azevedo Marques, depois
de lembrar que no total, em 2015,13 mil servidores públicos de diferentes
poderes e instâncias se encontravam nessa situação.
O Estado de S.
Paulo
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