sábado, 17 de dezembro de 2016

Saiba quem são os grupos rebeldes em Aleppo

Homens do Jaish al Fatah (Exército da Conquista) na província de Idlib, em dezembro de 2015.

O frágil pacto negociado contra o relógio por Rússia e Turquia para permitir a retirada dos civis de Aleppo, na Síria, esteve a ponto de fracassar nesta quarta-feira por causa de cláusulas exigidas por atores locais que há mais de cinco anos lutam pelo controle da cidade: os insurgentes e o Exército. Longe de compor uma frente comum homogênea, os rebeldes que combatem em Aleppo representam mais de 40 facções armadas, com entre 100 e 1.500 combatentes cada uma. Premidos pela necessidade bélica, essas facções se agruparam em duas coalizões principais: Jaish al Fatah (Exército da Conquista) e Fatah Haleb (Conquista de Aleppo). Em ambas, impõe-se a ala conservadora salafista. Várias delas foram acusadas de cometer crimes de guerra durante os quatro anos em que controlaram a zona leste daquela que já foi a maior cidade da Síria.

Guerrilheiros do Nour al Din al Zinki na cidade síria de Al Rai, em setembro deste ano. REUTERS

Os dados sobre o número de civis e combatentes presentes em Aleppo são motivo de controvérsia. Os cálculos iniciais da ONU estimaram em 250.000 o número de civis, dos quais 80.000 teriam saído na última semana, e em 8.000 o de combatentes rebeldes. Entretanto, a TV estatal síria disse nesta quinta-feira que restavam apenas 9.000 moradores naquela área da cidade, junto com 4.000 guerrilheiros.

Segundo cálculos do enviado especial da ONU para Síria, Staffan da Mistura, 12% dos insurgentes seriam jihadistas do grupo Fatah al Sham. Essa antiga filial da Al Qaeda continua presente na lista de grupos considerados terroristas pela Europa e os Estados Unidos, apesar da mudança de embalagem. Duas organizações aglutinadoras, Jaish al Fatah e Fatah Haleb, reúnem essas facções na zona leste de Aleppo, com entre 4.000 e 8.000 combatentes.
Jaish al Fatah (Exército da Conquista): agrupa seis dos grupos mais radicais, entre os quais se destacam Fatah al Sham e Ahrar al Sham.

Frente Fatah al Sham: Os especialistas estimam que este grupo jihadista conte com cerca de 1.000 homens em Aleppo que respondem ao líder Abu Mohamed el Jolani. Entre 10.000 e 15.000 combatem em toda Síria, e 30% deles são estrangeiros. A Al Qaeda na Síria mudou de nome primeiro para Frente Al Nusra, para depois passar a se chamar Fatah al Sham, em uma tentativa de melhorar sua imagem. Em maio de 2012, a filial terrorista realizou os primeiros atentados suicidas na Síria, nos quais matou 55 pessoas e feriu outras 400 na capital. Inicialmente fortes no noroeste do país, em 214 perderam Raqa para o Estado Islâmico (ISIS, em sua sigla em inglês), dissidência da Al Qaeda e seu concorrente ideológico.


Homens do Jaish al Fatah (Exército da Conquista) na província de Idlib, em dezembro de 2015.


Ahrar al Sham: Coalizão de vários grupos de cunho islâmico e salafista liderados por Abu Ammar al Omar e uma das principais forças armadas rebeldes em Idlib. Entre 10.000 e 15.000 milicianos lutam em sua fileiras, entre 800 e 1.000 em Aleppo em aliança com a Al Qaeda.
Fatah Haleb (Conquista de Aleppo) é a segunda coalizão, com cerca de trinta grupos armados que inclui moderados do Exército Livre Sírio (ELS), como a Divisão de Infantaria 101, mas onde predomina a liderança armada de islamistas e salafistas como Nour al Din al Zinki, Frente al Shamia, ou Jeish el Islam (Exército do Islã).
Divisão de Infantaria 101: facção que pertence ao Exército Livre Sírio, nascido no início da contenda, quando vários generais desertaram do Exército regular. Contaria com apenas algumas centenas de homens em Aleppo. Composto por sírios, pertence ao espectro moderado da oposição que se levantou depois da repressão das manifestações populares.
Nour al Din al Zinki: conta com algo entre 1.000 e 1.200 homens em Aleppo, onde surgiu o grupo no fim de 2011 sob a liderança do sheik Taufik Shahabudin. Facção de orientação islamista, seria financiada por Ancara e composta por sírios locais.

Jeish al Islam: contaria com cerca de 500 homens em Aleppo. É o grupo guarda-chuva de vários grupos de orientação islamista e salafista. Representa a principal força de oposição na periferia de Damasco. Depois do assassinato de seu líder, Zahran Alloush, foi substituído por Mohamed Alloush. Têm entre 20.000 e 25.000 combatentes. Entre seus bastiões estão Duma e Guta Oriental, na periferia de Damasco.

Frente Shamia: surge no fim de 2014 em Aleppo, onde contaria com cerca de 800 homens. Trata-se de uma aliança de vários grupos de cunho salafista sob as ordens de Abu Ammer, nome de guerra. Combatem as tropas regulares sírias e as milícias curdas em Aleppo.

Financiamento de atores regionais
“A Turquia apoia Nour al Dine Zinki e Ahrar al Sham. Ambos dispõem de mísseis antitanques BGM-71 TOW guiados e de fabricação norte-americana, o que leva a crer que também tenham recebido apoio dos norte-americanos”, explica em um e-mail o analista militar sírio Mohammed S. Alftayeh. “Ninguém diz apoiar a Fatah al Sham, mas a maioria dos analistas concorda que Catar é seu principal apoiador, o mesmo que os animou a desvincular-se do nome Al Qaeda”, acrescenta. Segundo Alftayeh, o Jeish al Islam, grupo mais importante da periferia de Damasco, ainda que residual em Aleppo, recebe apoio da Arábia Saudita. Em relação à presença de rebeldes moderados do ELS, o especialista sírio assegura que “é muito reduzida e limitada em Aleppo”.

A radiografia atual do grupo opositor em Aleppo responde à progressiva absorção dos combatentes do ELS que viram esvaziar-se suas fileiras dos antes moderados que hoje buscam vingança pelos indiscriminados bombardeios da aviação síria e russa sobre civis, de um lado, e atraídos pelo fluxo de recursos vindos das monarquias do Golfo e Turquia de outro. Os recursos limitados provocaram também enfrentamentos entre as diferentes facções, como os que levaram às armas em novembro passado milicianos do grupo Fastaqin, afiliado do ELS, contrários aos mais conservadores de Nour al Din al Zinki.

Nesse quebra-cabeças rebelde, cerca de 130.000 a 250.000 civis, segundo as fontes, permaneceram cercados pelas tropas regulares sírias durante mais de quatro meses. Um cerco do qual participaram os grupos rebeldes mais radicais, proibindo a fuga de civis que foram usados como escudos humanos. Testemunhas referendam que vários dos 80.000 vizinhos conseguiram fugir da região sob controle do Governo na última semana, como denunciou da ONU, que os acusou de abrir fogo contra famílias que tentavam escapar dos combates. E, no entanto, parte da população civil apoia aqueles que consideram como seus “irmãos sírios que lutam por uma Síria melhor e a queda de Al Assad”. Ao contrário, centenas de ativistas, trabalhadores sociais, profissionais de resgate e equipes médicas que formam a estreita espinha dorsal de uma população desprovida de tudo, temem hoje ser presos ou executados se atravessarem os controles do Exército sírio.

Por Natalia Sancha, no El País


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