sábado, 9 de junho de 2018

O enigma da cidade inteligente



A noção de 'cidade inteligente' se tornou uma agenda urbana quente nos círculos políticos. Isso se deve ao seu potencial em abordar uma série de efeitos negativos de práticas rápidas de urbanização, industrialização e consumo. Uma cidade inteligente é amplamente vista como uma cidade que adota ativamente novas tecnologias que buscam alcançar os resultados urbanos desejados. Os resultados mais comuns incluem produtividade, sustentabilidade, acessibilidade, bem-estar, habitabilidade e boa governança.

Hoje, entrando na onda, muitas cidades ao redor do mundo estão desenvolvendo planejamentos de cidades inteligentes. No entanto, existe uma grande lacuna entre teoria e prática. O que dizem das cidades inteligentes é bem diferente do que elas realmente são na realidade. Embora quase todas as iniciativas de cidades inteligentes estejam destacando a necessidade de se alcançar a sustentabilidade, uma pesquisa nas cidades inteligentes do Reino Unido, por exemplo, não encontra correlação direta entre a prática e os resultados de sustentabilidade ambiental.

Embora a sustentabilidade ambiental seja um conceito amplo, com muitos subsistemas complexos integrados, talvez apenas o foco em um deles possa ajudar a esclarecer o enigma da cidade inteligente. A questão dos resíduos municipais, por exemplo, seria boa. Embora as tecnologias de cidades inteligentes sejam úteis nos processos de coleta, reciclagem, reutilização e descarte de resíduos, a tecnologia sozinha não pode resolver todos os problemas. A quantidade de aterros, por exemplo, em muitas cidades ao redor do mundo está em crescimento exponencial. Essa questão não é apenas um problema para as cidades dos países em desenvolvimento, mas também uma questão a ser solucionada em muitas cidades dos países desenvolvidos.

O problema se origina de vários fatores. Em primeiro lugar, a rápida urbanização e a megalopolização são as culpadas. De acordo com as previsões das Nações Unidas, cerca de 80% dos 10 bilhões de pessoas que compõem a população mundial viverão nas cidades até 2100. Uma grande parte dessa população urbana de 8 bilhões residirá em megacidades. Em segundo lugar, a visão econômica capitalista continua a impulsionar o consumismo, particularmente nas economias emergentes do mundo. Apesar de fortes críticas ao consumismo e à emergência do movimento de desmaterialismo, como uma esperança, a tendência ainda está em ascensão.

Em terceiro lugar, muitas cidades não desenvolveram infraestruturas e equipamentos adequados para lidar com a questão dos resíduos. Na maioria das cidades de países em desenvolvimento, não há instalações de reciclagem ou, se há, são muito limitadas. Até certo ponto, isso também se aplica às cidades de nações desenvolvidas. Por fim, algumas nações em desenvolvimento recentemente deixaram de assumir as responsabilidades de reciclagem dos países desenvolvidos. Por exemplo, a quantidade de aterros na Austrália vem aumentando drasticamente desde que a China deixou de comprar resíduos de reciclagem.

A magnitude do problema dos resíduos urbanos fez com que os estudiosos criassem um novo conceito como um caminho potencial. Nos últimos anos, as cidades são reconceitualizadas como localidades 'de lixo zero' - cidades onde o desperdício desaparece, pois todos os subprodutos mantêm um valor intrínseco para alimentar outros sistemas. Nessas cidades, até a deterioração e o lixo oriundo de alimentos poderiam ser reduzidos a zero e transformados em biocombustíveis, compostos ou ração animal.

O lixo zero, no entanto, só poderia ser alcançado por meio de um melhor design e pensamento de ciclo de vida, em que o consumo e a produção se tornam círculos fechados, não produzindo saídas como lixo durante todo o seu ciclo de vida. É como dizer: o desperdício zero é uma revolução na relação entre lixo e comunidade. É uma nova maneira de pensar sobre como proteger a saúde e melhorar a vida de todos os que produzem, manipulam, trabalham ou são afetados pelo lixo.

Reivindicar uma cidade como sendo inteligente tem muitos requisitos, em que talvez um dos mais importantes seja o lixo zero. Isso é fato: as cidades não podem ser verdadeiramente inteligentes sem ter a política do lixo zero. Um número crescente de cidades está avançando nessa direção. Por exemplo, os municípios italianos lançaram seus Planos de Lixo Zero, as cidades croatas adotaram a Estratégia Zero Lixo 2020, os belgas estão construindo uma cultura de resíduo zero e os municípios brasileiros estão trabalhando com o Instituto Lixo Zero Brasil para desenvolver estratégias.

Por último, as cidades inteligentes podem ser um modelo ideal para construir as cidades do século 21. No caso, sua prática envolve um sistema de abordagem sistêmica e uma visão sustentável e equilibrada sobre os domínios econômicos, sociais, ambientais e de desenvolvimento institucional. No entanto, para um mundo verdadeiramente inteligente e sustentável, precisamos que as cidades inteligentes também se tornem lixo zero.
Por TAN YIGITCANLAR, no Correio Braziliense


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