quarta-feira, 3 de março de 2021

Coronavírus: 10 boas notícias sobre a pandemia, um ano depois

A pandemia covid-19 também trouxe boas notícias, de acordo com o professor espanhol de microbiologia Ignacio López-Goñi

Há um ano, escrevi um artigo intitulado "Dez boas notícias sobre o coronavírus". O objetivo era mostrar que a ciência, o conhecimento e a cooperação são essenciais para combater a pandemia.

 

Não sabemos o que acontecerá nos próximos meses e as novas variantes genéticas são motivo de incerteza, mas um ano depois a mensagem é a mesma: os avanços da ciência nos estimulam a ser otimistas e a ver o copo meio cheio.

 

1. Existem mais artigos sobre SARS-CoV-2 e covid-19 do que sobre malária

Há um ano, ficamos surpresos que, em pouco mais de um mês, desde a notificação dos primeiros casos, já existiam mais de 164 artigos científicos no PubMed (um mecanismo de busca de acesso aberto para consultar publicações científicas) sobre o novo vírus e a doença.

 

Hoje esse número se multiplicou por mais de 600 e já ultrapassa os 100 mil artigos, mais do que os que aparecem sob o título de "malária", por exemplo. Mais de 4,8 mil estudos em andamento sobre tratamentos e vacinas estão registrados.

 

Sabemos mais sobre SARS-CoV-2 e covid-19 do que sobre outras doenças que temos estudado por décadas.

 

2. Mais de 200 novas vacinas

Há um ano, foi destacado que havia oito novos projetos de vacinas contra o coronavírus SARS-CoV-2.

 

De acordo com o portal bioRENDER, existem agora mais de 195 candidatas, com pelo menos 71 já em ensaios clínicos.

 

Elas empregam todos os tipos de tecnologias: vírus vivos atenuados, vírus inativados, subunidades de proteínas, vetores virais recombinantes, partículas semelhantes a vírus (VLPs), DNA e mRNA.

 

Nunca se investiu tanto dinheiro e houve tanta colaboração para o desenvolvimento de vacinas entre entidades públicas e privadas, centros de pesquisa, universidades, empresas farmacêuticas, empresas e ONGs.

 

Alguns projetos foram abandonados, mas outros já foram autorizados pela OMS: Pfizer/BioNTech e Moderna com tecnologia de mRNA, AstraZeneca/Oxford e Sputnik V com tecnologia de adenovírus recombinante e o Sinopharm chinês, com coronavírus inativos.

 

Pelo menos 20 outras vacinas já estão em ensaios clínicos de fase 3 e podem ser aprovadas nas próximas semanas e meses, se os resultados forem satisfatórios.

 

3.As vacinas mRNA são muito seguras

Um dos possíveis efeitos graves das vacinas é a anafilaxia, uma reação alérgica com risco de vida que geralmente ocorre logo após a aplicação da vacina.

 

Os dados do primeiro mês de vacinação foram analisados ​​nos EUA, onde foram administradas mais de 17,5 milhões de doses (exatamente 9.943.247 da vacina Pfizer/BioNTech e 7.581.429 da vacina Moderna).

 

O Sistema de Notificação de Reações Adversas à Vacina (VAERS) registrou apenas 66 casos de anafilaxia (47 com a vacina Pfizer/BioNTech e 19 com a vacina Moderna).

 

Isso representa menos de 4 casos por milhão de doses ou 0,0003% de todas as doses analisadas. Vinte e um (32%) desses 66 casos tiveram registros anteriores de anafilaxia por outros motivos. Nenhuma morte foi detectada.

 

Se comparado com o número de casos de Covid-19, as sequelas deixadas pela doença e o número de óbitos, o benefício das vacinas supera em muito os possíveis efeitos adversos.

 

Tudo isso nos permite afirmar que, por enquanto, as vacinas de mRNA são muito seguras.

 

4. As vacinas são eficazes

Israel é o país com a maior população já vacinada.

 

No início de fevereiro e desde o início da campanha em dezembro, mais de 3,67 milhões de israelenses receberam a primeira dose da vacina de mRNA da Pfizer/BioNTech.

 

Isso representava cerca de 40% da população do país. Mais de 28% também receberam a segunda dose. Entre aqueles com mais de 60 anos, mais de 80% foram vacinados.

 

Dados preliminares mostram que a vacinação está sendo eficaz.

 

O número de infecções está diminuindo significativamente, especialmente entre pessoas com mais de 60 anos. Nessa faixa etária, houve 56% menos infecções, 42% menos hospitalizações e 35% menos mortes por covid-19 após a segunda dose.

 

Os resultados com as duas doses são excelentes: dos 523 mil israelenses vacinados com duas doses, há apenas 544 casos de covid-19, apenas quatro casos de covid-19 grave e nenhuma morte. Esses dados confirmam os obtidos em ensaios clínicos anteriores.

 

Mas você não tem que ir para Israel para verificar isso.

 

Nas Astúrias, Espanha, em 15 de fevereiro, se ultrapassou a marca de 2 mil mortes por covid-19 desde o início da pandemia.

 

Entre eles, havia uma grande proporção de pessoas vivendo em lares de idosos, onde o impacto foi considerável.

 

No entanto, neste momento a situação começa a ser relativamente controlada graças aos esforços de vacinação dirigidos especificamente aos residentes e trabalhadores que os cuidam.

 

O efeito da vacina fica evidente quando se compara a mortalidade entre idosos residentes em domicílios (quase todos vacinados), em que cai drasticamente, e o número de óbitos em pessoas que moram fora (não vacinadas), entre os quais aumenta consideravelmente.

 

Além disso, acabam de ser publicados os resultados de um estudo preliminar na Inglaterra, mostrando que a vacina de mRNA da Pfizer/BioNTech é eficaz na prevenção da infecção em adultos sintomáticos e assintomáticos, inclusive contra a variante "britânica" B1.1.7.

 

5. A confiança nas vacinas aumenta

Depois de mais de 160 milhões de doses de vacinas contra covid-19 administradas, a confiança da população nas vacinas está aumentando.

 

Por exemplo, uma pesquisa com 13,5 mil pessoas de quinze países da Europa, Ásia e Austrália foi realizada entre novembro de 2020 e janeiro de 2021.

 

Em novembro, antes de os países começarem a aprovar vacinas, apenas cerca de 40% dos pesquisados ​​receberiam a vacina covid-19 e mais de 50% estavam preocupados com os possíveis efeitos colaterais.

 

Em janeiro, mais da metade receberia a vacina, e o número de pessoas preocupadas com os efeitos colaterais havia caído ligeiramente.

 

O Reino Unido foi o país em que mais pessoas manifestaram vontade de ser vacinadas (até 78% dos entrevistados) e na Espanha a proporção de pessoas dispostas a ser vacinadas passou de 28% em novembro para 52% em meados de janeiro.

 

6. A resposta imune ao vírus dura pelo menos oito meses

Os testes sorológicos que medem os anticorpos para SARS-CoV-2 não refletem todo o potencial, duração e memória da resposta imune ao vírus.

 

Saber quanto tempo dura a resposta imune ao vírus é essencial para determinar a proteção contra reinfecções, a gravidade da doença e a eficácia da vacina.

 

Verificou-se que, embora haja alguma heterogeneidade na resposta de acordo com cada indivíduo, na maioria das pessoas em que foi analisado mantêm uma robusta resposta imune humoral (anticorpos) e celular (linfócito T), de pelo menos entre 6 e 8 meses após a infecção, independentemente de serem leves ou graves.

 

7. Novos tratamentos para os casos mais graves

Já sabemos que covid-19 é muito mais do que uma pneumonia.

 

Se sabe muito mais sobre a doença hoje e, embora atualmente não tenhamos um antiviral específico que iniba o vírus, existem combinações de tratamentos que melhoram muito o prognóstico e reduzem a mortalidade nos casos mais graves.

 

Antivirais, anti-inflamatórios, anticoagulantes, corticosteroides, inibidores de tempestade de citocinas e anticorpos monoclonais são alguns exemplos.

 

Existem mais de 400 ensaios clínicos em andamento nos quais diferentes tratamentos e combinações estão sendo testados.

 

Por exemplo, de acordo com o ensaio clínico internacional Recovery, a combinação de tocilizumab (um anticorpo monoclonal dirigido contra o receptor da interleucina-6, aprovado para o tratamento da artrite reumatoide) e dexametasona (um potente glucocorticóide sintético que atua como um anti-inflamatório e imunossupressor), pode reduzir quase pela metade as mortes nos pacientes mais graves com covid-19.

 

Já o tratamento preventivo com anticoagulantes em pacientes covid-19 hospitalizados está associado à redução de 30% na mortalidade em 30 dias e nenhum efeito adverso de sangramento.

 

8. Sem gripe

Havia sérias preocupações sobre como a sobreposição do SARS-CoV-2 com outros patógenos respiratórios frequentes se comportaria nos meses de inverno.

 

Uma situação de "tempestade perfeita" não poderia ser descartada em que a SARS-CoV-2 coincidisse com outros vírus, como influenza ou vírus sincicial respiratório, que causam bronquiolite e pneumonia e são responsáveis ​​por hospitalizações frequentes e mortes em certos setores da população mais vulnerável.

 

Foi sugerido que o risco de morte em pessoas infectadas por influenza e SARS-CoV-2 simultaneamente era maior do que naquelas que foram infectadas apenas pelo coronavírus, especialmente naqueles com mais de 70 anos de idade.

 

A coincidência de vários vírus respiratórios com o SARS-CoV-2 poderia ter causado uma carnificina em idosos.

 

A boa notícia é que nesta temporada a gripe e outros vírus respiratórios desapareceram, tanto nos meses de junho a agosto no hemisfério sul como agora no hemisfério norte.

 

Não podemos descartar que isso possa ser um problema no próximo ano (as estações em que a gripe causa a maior mortalidade são geralmente precedidas por temporadas mais benignas), mas este ano foi um verdadeiro alívio para os sistemas de saúde.

 

Várias são as causas que podem explicar esse declínio da gripe. Deve-se primeiro lembrar que o SARS-CoV-2 e o vírus influenza são vírus muito diferentes.

 

É muito provável que o menor período de incubação da gripe, a existência de imunidade anterior, a intensa campanha de vacinação este ano, as medidas de confinamento, redução de viagens, uso de máscara, higiene e distanciamento social tenham tido maior efeito na redução da transmissão deste vírus.

 

Ao contrário, a transmissão do coronavírus também é muito mais influenciada pelo efeito dos aerossóis, o papel dos superdistribuidores e dos pacientes assintomáticos.

 

9. Podemos acompanhar a evolução do vírus em tempo real

O efeito que novas variantes genéticas do SARS-CoV-2 podem ter na vacinação e durante a pandemia é incerto.

 

Como as mudanças genéticas podem ter um efeito potencial no comportamento do vírus, sua análise e monitoramento são essenciais.

 

A boa notícia é que hoje temos a capacidade de acompanhar a evolução do vírus em tempo real e o surgimento de novas variantes genéticas.

 

Já existem mais de 260 mil sequências do genoma SARS-CoV-2 disponíveis em bancos de dados.

Essas sequências vêm de tantos isolados obtidos de amostras humanas de fevereiro do ano passado até o presente.

 

Embora as alterações de nucleotídeos sejam a principal fonte de variação genética para o SARS-CoV-2, inserções, deleções (um tipo de mutação genética em que o material genético é perdido) e até mesmo recombinações também foram detectadas.

 

Tudo isso permite filogenias (relações de "parentesco" entre variantes virais) que podem ser usadas para fazer estimativas temporais (quando novas variantes surgem), caracterizar como o vírus se espalha geograficamente, reconstruir a dinâmica epidemiológica dentro de uma região e analisar como o vírus se adapta ao longo do tempo.

 

A análise das sequências do SARS-CoV-2 não tem precedentes. No banco de dados GISAID (Iniciativa Global sobre o Compartilhamento de Dados da Gripe Aviária), existem mais de 580.000 dados de sequência compartilhada.

 

É a primeira vez que a evolução de um vírus pandêmico é acompanhada em tempo real.

 

10. A pandemia global diminui

Não sabemos como a pandemia se desenvolverá nos próximos meses.

 

Dada a intensidade que teve até agora, é provável que surjam novas ondas, mas talvez menos intensas.

 

Não sabemos como será uma possível quarta onda, ou o efeito que as novas variantes genéticas que aparecem podem ter, mas a boa notícia é que em nível global a pandemia está diminuindo neste momento.

 

Talvez seja uma combinação de vários fatores: o vírus se comporta sazonalmente, a população adquire certa imunidade de grupo por infecção natural ou por vacinas, talvez o vírus neste processo natural de variação e mutação esteja levando a formas menos virulentas e se adapte ao seu novo hospedeiro.

 

Não sabemos ao certo, mas por enquanto ainda há motivos para esperança.

Por Ignacio López-Goñi, no The Conversation


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