Lançamento do foguete indiano PSLV-DL C51 levanto o Amazônia-1 – Créditos: ISRO
Satélite inteiramente projetado e construído por um paulista de
Botucatu foi colocado em órbita em 1990 e transmitia mensagens de paz para a
humanidade
No dia 28 de fevereiro foi lançado a partir do Centro
Espacial de Satish Dhawan, na Índia, o satélite brasileiro Amazônia-1, que tem
como principal função monitorar nossas florestas a partir do espaço. O
Amazônia-1 é o mais moderno satélite do Brasil e certamente um grande feito da
engenharia aeroespacial nacional. Mas você sabia que, ao contrário do que foi
informado em grande parte da imprensa, ele não é o primeiro satélite 100%
brasileiro?
Segundo o INPE, que desenvolveu o satélite, o
Amazônia-1 é o primeiro satélite de observação da Terra completamente
projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil. Mas quando consideramos
todas as outras categorias de satélites, o primeiro 100% nacional foi projetado
e construído por um radioamador de Botucatu, no interior de São Paulo. Ele foi
a única pessoa no mundo a ter um satélite só seu, mas que levou sua mensagem de
paz ao redor do mundo.
Júnior Torres de Castro
Júnior Torres de Castro sempre foi uma pessoa acima da
média. Graduou-se em Engenharia Civil, Física e Engenharia Elétrica. Fez uma
série de outros cursos de pós-graduação no exterior, até atingir o nível de
PhD. Viajava pelo mundo inteiro e falava várias línguas com fluência. Era
também um empreendedor de sucesso, possuindo empresas na área de construção
civil e mineração. Mas sua paixão era mesmo o radioamadorismo.
Seu interesse pelo rádio veio do berço. Seu pai era
diretor dos Correios e Telégrafos numa época em que grande parte da comunicação
de longa distância era feita através de rádios. Ainda criança ele ganhou de sua
mãe o livro “Conheça seu Rádio” e, seguindo as instruções do livro, ele
construiu seu primeiro rádio com 12 anos de idade.
Júnior tinha 24 anos e já era engenheiro formado
quando, em 1957, captou os sinais transmitidos pelo Sputnik, o primeiro
satélite artificial em órbita da Terra. Apesar do seu deslumbramento com o
Sputnik, aqueles bips transmitidos pelo satélite intrigaram o jovem
radioamador. O que seriam eles? Teriam algum significado?
Quando descobriu que os bips transmitiam informações
de telemetria do satélite, Júnior Torres começou a planejar aquilo que se
tornaria o sonho da sua vida: construir um satélite que se comunicasse com as
pessoas aqui na Terra, utilizando transmissão de voz.
Empenho, dedicação e superação
Ele sabia que para realizar esse sonho precisaria de
muito dinheiro e de muito conhecimento. Na época, era operador de telégrafo dos
Correios de Botucatu, mas era do que ganhava perfurando poços artesianos que
vinham grande parte dos recursos que ajudaram a realizar seu sonho. E graças a
seu empenho e determinação, em pouco tempo ele estaria entre os mais
importantes engenheiros de satélites da época.
Ele passou a frequentar os principais congressos
internacionais da área. De início todos estranharam a presença do brasileiro.
Afinal, era apenas um radioamador de um país sem tradição na pesquisa espacial.
Mas como Júnior estava sempre lá, eles tiveram que se acostumar com a ideia, e
com o tempo, ele passou a ser respeitado e admirado pelos cientistas.
O Little Brick (Tijolinho)
Até que em 1989, Junior Torres de Castro resolveu que
era hora certa para realizar seu sonho. Ele já tinha uma boa reserva financeira
e conhecimento mais que suficiente, além de ser amigo de todos os principais
cientistas e construtores de satélites do planeta. Foi então que ele
apresentou, em um congresso em Logan, nos Estados Unidos, um protótipo do seu
satélite para um auditório lotado de cientistas do mundo inteiro.
Ele havia trabalhado no projeto e na construção desse
protótipo nos últimos 5 anos. Tudo feito em sua casa, em São Paulo, utilizando
peças compradas na Santa Ifigênia, uma importante rua de comércio de
componentes eletrônicos da capital paulista. Naquele momento, em Logan, ele
submetia o resultado desse trabalho aos maiores nomes da ciência aeroespacial
da época.
Sobre a mesa, Júnior colocou seu pequeno satélite.
Pequeno como uma cafeteira, mas que cabia o sonho de uma vida. Do fundo do
auditório, ele acionou e comandou o equipamento através de um hand talk, e via
rádio, recebia, diante de uma plateia admirada, a voz sintetizada trazendo as
informações de telemetria do satélite.
Numa época em que os satélites chegavam a ter o
tamanho de um caminhão, algo tão pequeno e funcional era revolucionário. Júnior
introduziu então, o conceito de “microssatélites” e seu protótipo recebeu o
apelido carinhoso de “Little-Brick”, que significa “Tijolinho”.
Só que o Little-Brick infelizmente não poderia ser
colocado em órbita. Ele foi construído com peças que não aguentariam as
condições extremas do espaço. Para ser enviado ao espaço, seu satélite
precisaria ser construído com peças desenvolvidas especificamente para o
ambiente espacial, que operassem no vácuo e que suportassem as enormes
variações de temperatura e o bombardeio de raios cósmicos. E essas peças
especiais, além de extremamente caras, eram de uso restrito, tendo o comércio
controlado pelo governo e vetada a exportação para outros países.
A materialização de um sonho
Mas graças ao sucesso daquela apresentação no
congresso e aos inúmeros amigos que Júnior fez naquele meio, ele conseguiu
convencer as autoridades americanas a autorizar a venda das peças que
precisaria. Convenceu, mas nem tanto. Para montar seu satélite, ele precisou se
mudar para os Estados Unidos. As peças só seriam entregues lá e ele só poderia
trabalhar com elas sob a supervisão do governo americano. Parece chato, mas
Júnior não exitou. Mudou-se para lá e iniciou a montagem.
Júnior Torres amava tudo o que fazia e por isso,
sempre fazia com excelência. Era uma pessoa cativante. Sempre muito atencioso e
prestativo. Durante suas viagens pelo mundo, em meio à Guerra Fria, ele
entrevistou e gravou cerca de 3 mil crianças, mandando mensagens de paz para a
humanidade. Júnior queria que essas mensagens fossem transmitidas para todo o
planeta a partir do seu satélite. Convencidos da importância daquele projeto,
os fabricantes de componentes resolveram contribuir com sua realização. Alguns
doaram os componentes, outros venderam a preço de custo.
Com todo o apoio que recebeu, Júnior conseguiu montar
seu satélite em apenas 11 meses, e gastando “apenas” US$ 225 mil, o que era uma
pequena fortuna na época, mas bem menos que os US$ 4 milhões que ele esperava
gastar. Júnior tinha em mãos o satélite que ele havia idealizado 33 anos antes,
quando ouviu os bips do Sputnik através do seu rádio. Faltava apenas lançá-lo
ao espaço.
This is DOVE in space
Mas Júnior era tão bem relacionado e tão respeitado no
meio que não foi difícil conseguir um foguete. Oficialmente chamado de
DOVE-OSCAR 17, o satélite pegou carona no foguete Ariane 40 H10, lançado do
Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, e foi colocado em órbita em 20
de janeiro de 1990. Tudo isso acompanhado de perto pelo irradiante Júnior
Torres, que pulava e gritava, comemorando a realização de seu sonho.
O DOVE era um cubo com 23 cm de lado e 12,92 Kg.
Possuía 16 painéis solares que alimentavam suas baterias, o que lhe dava a
capacidade de operar por até 6 anos. Quem sintonizasse o DOVE, na frequência
145.825 MHz, invés de bips, receberia a voz sintetizada do satélite. Ele se
apresentava dizendo “this is DOVE in space” (esse é DOVE no espaço) e informava
59 parâmetros de telemetria em voz e também codificados. Além disso, transmitia
as mensagens de paz nas vozes de 3 mil crianças de todo mundo, e as coordenadas
geográficas de sua posição no espaço. Isso tinha uma finalidade educacional.
Júnior distribuiu em escolas do Brasil e do mundo, milhares de rádios capazes
de sintonizar o satélite e também mapas onde as crianças poderiam localizar
onde estava o DOVE a partir das coordenadas enviadas.
O nome do satélite, DOVE, era um acrônimo para
“Digital Orbiting Voice Encoder”, mas também era uma referência à palavra em
inglês “dove” que significa pomba, o pássaro símbolo da paz. Outro apelido que
o satélite ganhou na época foi de “Peace Talker” que significa “aquele que fala
da paz”. “OSCAR” é a designação dada para os satélites de radioamadores, e o
DOVE era o 17° dessa categoria.
Um exemplo de vida
A realização de seu sonho, seu sucesso profissional e
a proximidade que tinha dos principais cientistas da época não afastaram Júnior
de suas origens. Através de seu rádio e utilizando a identificação PY2BJO, ele
conversava diariamente com seus amigos radioamadores do Brasil e do mundo, mas
também com seus amigos cientistas e com astronautas em órbita da Terra. Durante
vários anos Júnior visitou, nos meses de agosto, o Centro Espacial da Guiana
Francesa, onde trabalhava voluntariamente em retribuição pelo lançamento do seu
satélite feito gratuitamente pela Arianespace.
Por oito anos (dois além do previsto), o DOVE levou
sua mensagem de paz para o mundo. Em março de 1998, devido a uma falha nas
baterias, ele deixou de enviar seu sinal. Entretanto, o satélite ainda está em
órbita e, dependendo do alinhamento de seus painéis solares, eles podem
fornecer energia suficiente para que ele transmita, até hoje, seus dados de
telemetria.
Júnior faleceu em 2018 deixando esposa, filhos, netos,
e um satélite, que ainda vai orbitar nosso planeta por muitos anos. O
DOVE-OSCAR 17, mais do que o primeiro satélite 100% brasileiro é prova do
imenso legado de dedicação à ciência e à paz de Júnior Torres de Castro, o
brasileiro que realizou o que poucas pessoas no mundo ousariam sonhar.
Por Marcelo Zurita, no Olhar Digital, com contribuições de Sebastião A. Silva (PY2KEY).
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