Os jovens não têm tempo a perder e cansaram de esperar uma melhora no Brasil que nunca acontece. Sem perspectivas, mais da metade deles está desempregada e 47% pretendem mudar para outro país
Toda uma geração de brasileiros está desencantada com o País, com seu presente
e seu futuro. Segundo o diagnóstico do Atlas da Juventude da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), neste momento, quase metade dos jovens (47%), entre 15 e 29 anos,
cansou do Brasil e quer tentar a sorte em outra nação. E não há argumentos que
possam convencê-los do contrário. O lugar que costumava exportar uma imagem de
alegria para o mundo, hoje, amarga a segunda posição no ranking da infelicidade
com 19,8%, só perdendo para a Turquia. O desemprego atinge 14,7% da população e
entre os mais jovens esse percentual cresce para 56%. A falta de perspectivas é
evidente e no cenário de pandemia tudo fica potencializado num ambiente caótico
para planejar a própria vida. Desgostosos, 27% dos jovens brasileiros não
estudam e não trabalham e são chamados pejorativamente de “nem-nem”.
Um sentimento de que nenhum esforço basta para se
obter sucesso no Brasil domina a mente dos jovens. O estudante de fisioterapia
Pedro Lepeltier Bittencourt, 21 anos, pensa assim. Em 2019, ele morou em Gold
Coast, na Austrália, e pretende voltar ao país para morar em Sydney.
Bittencourt disse que a política e a falta de oportunidades de trabalho são os principais
motivos para deixar o País. Ele é contundente ao afirmar que a gestão
desastrosa do presidente da República acelerou a tomada de decisão. “Bolsonaro
representa tudo que é desagradável e vai contra o que a gente vem aprendendo em
torno de igualdade, de respeito, de amor, de valores e de religião”, diz. “Se
pelo menos houvesse uma mudança no governo eu poderia pensar em ficar”.
As expectativas de volta à normalidade econômica para
o País não causam ânimo. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) exibem a
queda de 62% no fluxo de investimento do capital externo, o que representa uma
volta à situação de 20 anos atrás. O Brasil caiu da 6ª para a 11ª posição.
Segundo o professor de Economia da Unicamp Marcelo Proni não há qualquer
previsão de melhora em 2022 e a falta de perspectiva para os jovens é
generalizada. Ele afirma ainda que o mercado está dominado pelo subemprego e
pela informalidade e que, talvez, somente a partir de 2023 haja uma alteração
nesse cenário. “Precisamos de uma mudança da política econômica e de
investimentos sociais que gerem empregos”, diz.
O estudante de relações internacionais, Felipe
Jukemura, não quer arriscar esperando tanto tempo. Aos 20 anos, ele acaba de
conseguir uma vaga para estudar na cidade de Poitiers, na França. Ele só não
vai agora por conta das restrições impostas aos brasileiros na Europa. Mas, no
ano que vem, ele se muda. Além da questão econômica, Jukemura se incomoda muito
com os problemas no meio ambiente e com o desrespeito aos direitos humanos. “O
Brasil caminhava para ser vanguarda nesses setores. Era exemplo a ser seguido,
mas o atual governo mudou tudo”, afirmou Jukemura. O barbeiro Rodrigo Santos
Júnior vislumbra uma vida muito melhor fora do País. Ele morou de setembro de
2019 até março de 2020 na cidade de Familicão, em Portugal, quando foi obrigado
a voltar ao Brasil no início da pandemia. Aos 20 anos, ele é um caso fora da
curva. Diz que tinha um salário melhor no Brasil do que em Portugal, mas mesmo
assim insiste em voltar para a Europa. “Acredito que fora do Brasil tenho como
construir uma vida melhor para mim e minha família. A segurança e a economia
nos outros países são mais confiáveis”, afirma. O psicólogo Francesco
Pellegatta pensa que quando as pessoas perdem a esperança elas tendem a ser
mais críticas. “Os jovens tem uma inclinação maior a ficar preocupados pelo
próprio futuro”.
Na crise, há uma tendência das pessoas procurarem
segurança, explica o psicólogo e doutor em neurociência, Yuri Busin. “A
pandemia trouxe uma incerteza que ativou um instinto primitivo nos jovens. Eles
veem pessoas com êxito deixarem o País e seguem o exemplo”, afirma. O estudante
de engenharia química Vinícius Pinto, 21 anos, vai para Toronto, no Canadá, em
setembro e busca segurança. Ele pretende ficar por lá e fazer um curso em
administração e negócios. “Lá as pessoas são mais respeitosas. Tudo acontece da
maneira certa, sem o jeitinho brasileiro”.
Um dos países preferidos para a aventura de morar no
exterior é a Irlanda. A facilidade de conseguir emprego é o principal fator, além das exigências serem
menores do que em outros países. Dublin, a capital, é a cidade favorita. Paulo
Pereira Filho foi para lá em 2018 e trabalha como entregador de comida por
aplicativo. No Brasil, trabalhava como help desk e não conseguia pagar as
contas. “No Brasil, 1% das pessoas consegue ter sucesso, não importa o quanto
se esforcem”, afirma. A jovem Aline Yoshida, 26 anos, também vive em Dublin.
Mudou-se para lá após a vitória de Bolsonaro, em 2018, e não entende porque um
País tão rico quanto o Brasil não protege seu povo. Ela conta que o governo
irlandês incentivou as pessoas a não trabalharem na pandemia para diminuir o
contágio. “Meu sonho é trazer meus pais para viverem comigo. Daqui só vejo o
Brasil piorar”, analisa. O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE),
Iago Montalvão, diz que existe um “baixo investimento do governo em educação,
ciência e tecnologia”, o que só piora as coisas. Ele lembra que os valores
defendidos pelo governo não se afinam com as aspirações da juventude. Mais do
que ambição por um futuro melhor, os jovens lutam pela sobrevivência num País
triste e desalentado.
Por Eudes Lima, Revista Isto é
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